Cláudio Cordovil

Medicamentos para raros estão sendo corretamente avaliados?

ATS, Conitec, MBE

Não!

Este é um achado robusto da literatura internacional sobre o qual a Conitec jamais se pronunciou: Não é recomendável empregar Avaliações de Tecnologias em Saúde de modo convencional, quando o assunto são medicamentos para doenças raras.

Diante dos dados que nos são permitidos conhecer a respeito desta Comissão, podemos afirmar (salvo melhor entendimento) que ela aplica metodologias convencionais em Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para decidir sobre a incorporação deste ou daquele medicamento ao SUS, indistintamente, seja este órfão ou convencional.

Por que medicamentos órfãos precisam de uma ATS diferente? 

As atuais metodologias para ATS de medicamentos convencionais são principalmente baseadas em dois tipos de critérios: a eficácia clínica (efetividade) e a custo-efetividade de novos fármacos, comparados a outros produtos no mesmo campo terapêutico (no caso de existirem).

Embora os métodos-padrão de ATS tenham um importante papel na otimização da eficiência da provisão de cuidados em saúde em geral, estes tendem a resultar em acesso restrito e desigual a novos medicamentos órfãos por parte dos portadores de doenças raras, por diversas razões, incluindo as seguintes:

  • Medicamentos órfãos diferem dos convencionais na medida em que são empregados para tratar condições raras, para as quais podem inexistir tratamentos alternativos disponíveis. Normalmente, as ATS exigem a comparação da droga A com a droga B. E quando não existe droga B, compara com o quê?
  • Medicamentos órfãos tendem a focar em doenças potencialmente fatais. Por conta disso, a sua razão risco/benefício pode ser muito positiva, embora os custos de Pesquisa e Desenvolvimento possam ser bastante elevados.
  • Tais custos de Pesquisa e Desenvolvimento têm de ser recuperados através de vendas a um limitado número de pacientes em todo o mundo, elevando desta forma o custo de aquisição por paciente.
  • Custos mais elevados de aquisição aumentam a razão de custo-efetividade incremental de medicamentos órfãos. Consequentemente, os medicamentos órfãos são incapazes de observarem o limiar de custo-efetividade convencional em ATS para propósitos de incorporação de medicamentos a sistemas públicos de saúde.
  • A ausência de comparadores (medicamentos do mesmo campo terapêutico com que a nova droga será comparada) em muitos casos pode também ‘inchar’ a razão de custo-efetividade incremental, na medida em que o custo do novo tratamento está sendo comparado ao custo de nenhum tratamento.
  • Embora a ATS seja tipicamente um processo “baseado em evidências”, a base de evidências para medicamentos órfãos é usualmente mais limitada no momento de autorização para comercialização de tal fármaco (em agências como a Anvisa e a FDA, p. ex.), devido à raridade daquela condição clínica, com a expansão das evidências sendo dependente de seu uso na prática clínica futura. Evidências adicionais provenientes de medicamentos órfãos estão associadas com pequenas populações heterogêneas, duração de acompanhamento de estudos reduzida, limitada compreensão científica ou reduzido consenso sobre desfecho clínico, ausência de desfecho clínico primário, tais como sobrevivência, e dados limitados sobre a história natural da doença, o que cria dificuldades quando do emprego de métodos convencionais de ATS.
  • Métodos convencionais de ATS frequentemente não levam adequadamente em conta valores sociais, tais como o fato de a sociedade eventualmente estar disposta a pagar mais para beneficiar pacientes graves, frequentemente acometidos por doenças fatais, em situações em que nenhuma outra alternativa de tratamento esteja disponível.
Por todas estas razões, as ATS convencionais arriscam-se a negar aos pacientes acesso a medicamentos órfaos que potencialmente salvarão suas vidas. Desta forma, comissões encarregadas de realizar ATS precisam ampliar o espectro de critérios a serem considerados em tais procedimentos, se efetivamente tiverem o desejo de não deixar os portadores de doenças raras para trás.

Mas se as ATS aplicadas a medicamentos convencionais ameaçam o direito do acesso das pessoas que vivem com doenças raras a medicamentos órfãos, qual a solução possível? Este será o tema de nosso próximo post.

Resumindo: A Conitec, ao aplicar métodos convencionais de ATS para deliberar sobre medicamentos para doenças raras, inviabiliza em grande parte dos casos o acesso a estes fármacos por parte destes pacientes, não restando aos mesmos outro recurso que não seja a judicialização. Pode ser manobra proposital, pois a Conitec está ciente destes limites. Só não os reconhece publicamente.

Qualquer alteração nos procedimentos da Conitec para medicamentos órfãos deveria ser objeto de proposta legislativa. É por lei que a Conitec emprega métodos equivocados para deliberar sobre medicamentos órfãos.  Converse com o seu deputado ou senador!

Não entendeu nada? Pergunte aqui na seção de Comentários que a gente explica! 

 

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