Cláudio Cordovil

Precisamos conversar sobre “utilitarismo” e “custo-efetividade”

custo-efetividade, justiça, utilitarismo

Há uma ‘pegadinha’ recorrente nos órgãos e comissões governamentais nacionais quando abordam publicamente, seja através de artigos, palestras, entrevistas, audiências públicas etc, a suposta dificuldade de se incorporar medicamentos órfãos ao SUS.

Trata-se da seguinte: Ignorar totalmente a especificidade dos desafios lançados pelas doenças raras aos sistemas de saúde pública do mundo inteiro, bem como os esforços daqueles países em contemplar CRITÉRIOS DIFERENCIADOS para assistência farmacêutica a estas populações (de doentes raros) FARTAMENTE DESCRITAS NA LITERATURA CIENTÍFICA INTERNACIONAL EM REVISTAS DE RENOME. Não fosse assim, a Agência Européia de Medicamentos e a Food and Drug Administration já teriam há muito tempo parado de incentivar a produção de medicamentos órfãos.

Assim, adotando os mesmos pesos e medidas para assistência farmacêutica em doenças raras e doenças prevalentes, é evidente que NÃO SE VAI INCORPORAR NADA PARA DOENTES RAROS AO SUS E ATÉ MESMO AOS PLANOS DE SAÚDE SUPLEMENTAR. É por conta desta indiferença à especificidade destas doenças, tanto epidemiológicas como ontológicas, que você é obrigado a judicializar sua demanda por medicamentos órfãos. E não raro ganhar a causa (pelo menos por enquanto)!

É também comum aos gestores do SUS , em suas aparições públicas no Brasil, abordarem o tema do custo de oportunidade do tratamento com medicamentos órfãos para sugerir sua suposta inviabilidade. Em post anterior, já falamos sobre o custo de oportunidade.  De fato, ele é expressivo. Vamos dar a idéia disso para você: Com 4 milhões de reais, por exemplo, gastos em 15 anos de tratamento por paciente, com medicamentos órfãos, é possível realizar 520 implantes de prótese de quadril. Mas isso seria motivo suficiente para recusar medicamentos órfãos a quem precisa? A resposta você lê aqui e em outros posts que pretendemos preparar.

Utilitarismo

Argumentos sobre custo-efetividade e eficiência que a Conitec costuma empregar para decidir sobre a não incorporação ao SUS deste ou daquele medicamento órfão derivam do utilitarismo. Na raiz das discussões sobre custo-efetividade de medicamentos está o utilitarismo. Para você, doente raro, ele não serve.  Este princípio moral é muito popular entre gestores, porque é facil de entender e, logo, bastante atraente para burocratas: (“o maior bem possível para o maior número de pessoas”). Já falamos disso tambem em post anterior.

O ano-de-vida-ajustado-pela-qualidade (QALY) é um dos elementos usados pela Conitec, por exemplo (ao que tudo indica de forma determinante), para decidir priorizar tratamentos em (e entre) grupos de pacientes através da aplicação de um limiar de custo-efetividade. Um custo qualquer além do qual não se deveria passar, de forma a se poder ‘entregar’ este ou aquele tratamento para o paciente.

No entanto, não existe um limite explícito definido pelo SUS para uso pela Conitec, a partir do qual não seria recomendável ‘entregar’ o tratamento, a partir de uma perspectiva meramente econômica.  Um projeto de lei de autoria do Senador Cassio Cunha Lima tramita no Congresso visando exigir que a Conitec defina de forma transparente um limiar de custo-efetividade para a incorporação de tecnologias ao SUS (entre elas os medicamentos). Note que aqui também o projeto de lei não é especificamente voltado para as doenças raras, mas poderá ter impactos favoráveis, se aprovado, junto a esta clientela.

Este post poderia se estender por quilômetros somente com as justificativas baseadas em literatura internacional para não se aplicar preceitos da economia da saúde de forma convencional a medicamentos órfãos/doenças raras.

Mas por hoje ficamos no combate necessário à visão utilitarista que fundamenta as políticas de saúde pública em muitos países, QUANDO O ASSUNTO SÃO PESSOAS QUE VIVEM COM DOENÇAS RARAS! Que se apliquem à vontade preceitos utilitaristas no trato das doenças prevalentes! Mas, em se tratando de medicamentos órfãos e doenças raras trata-se de um caso flagrante de desonestidade intelectual. E mais grave ainda, um ataque à noção de JUSTIÇA, supostamente tão alardeada pelo SUS quando de sua criação.

Carissimos leitores e caríssimas leitoras, só o conhecimento poderá libertar você do sofrimento atual. Suas conquistas não virão do céu (em tese), mas dependem do quanto você resolve entender pelo que está passando, com a ajuda do melhor que o conhecimento universal já produziu A SERVIÇO DA VIDA! Um abraço.

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