“O que a CONITEC tem a esconder?” Com esse título ousado, um grupo de ONGs lançou, no início deste mês, uma campanha que reivindica maior transparência do órgão na sua tomada de decisões.
Tem foco especial na transmissão ao vivo de suas reuniões plenárias, onde as decisões sobre incorporação de medicamentos (e outras tecnologias de saúde) ao SUS são discutidas, para depois serem referendadas pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE).
[yop_poll id=”2″]
Para quem não sabe, a CONITEC é órgão da estrutura do Ministério da Saúde criado pela Lei nº 12.401/2011 e regulamentado pelo Decreto nº 7.646/2011. Dentre suas principais atribuições, situam-se a de emitir relatórios sobre “a incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde”, bem como “propor a atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename”. No nosso caso, o que interessa saber é que a CONITEC, entre outras funções, é responsável pela produção de Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
[su_quote]ATS é a avaliação sistemática das propriedades, efeitos e/ou impactos da tecnologia em saúde. Seu principal objetivo é gerar informação para a tomada de decisão, para incentivar a adoção de tecnologias custo-efetivas e prevenir a adoção de tecnologias de valor questionável ao sistema de saúde.[/su_quote]
[su_youtube_advanced url=”https://youtu.be/LUZuTe_Erd8″ rel=”no” title=”Vídeo sobre transparência na CONITEC”]
O tema da transparência das decisões daquele órgão e de agências assemelhadas a ele em todo o mundo é vastíssimo. Já foi tratado aqui de algum modo inúmeras vezes, ao longo dos três anos de existência deste blog. Também é objeto de nossa seção Radar ATS, que está suspensa em virtude da pandemia e problemas logísticos, mas voltará em breve. Dada a complexidade da discussão, vamos publicar uma série de posts sobre o tema, a partir de hoje.
Você deve estar curioso para saber minha posição sobre o tema, como estudioso que sou da matéria há algum tempo. Aqui vai: Há inúmeros problemas com transparência dos processos de avaliação de tecnologias em saúde na CONITEC, e isso não é exclusividade deste órgão brasileiro. É problema em outros países também (como veremos ao longo destas matérias).
Mas, ao falarmos de “transparência”, precisamos discutir melhor o que estamos chamando de “transparência” e qual sua extensão desejável em um contexto republicano e em um campo onde interesses poderosos gravitam ao redor.
A campanha parece resumir a reivindicação à transmissão das plenárias. Mas seria isto suficiente para garantir a transparência das decisões? Qual a extensão que a ela deve ser concedida sem correr o risco de que a questão seja capturada por lobbies de toda natureza (há os legítimos e os ilegítimos)? A captura da questão por lobbies discutíveis também não interessa à cidadania.
Sou a favor de maior transparência nas decisões da CONITEC (e não somente em sua plenária). Mas acredito que transparência total será reivindicação dificil de ser atendida, e nem sei se uma transparência total interessaria à iniciativa privada ou à sociedade em geral. Mas, É IMPORTANTE DESTACAR ANTES QUE COLOQUEM PALAVRAS NA MINHA BOCA: a governança dos processos da CONITEC e a transparência em seus processos de tomada de decisão podem melhorar. E muito !
Resumindo: se a caixa preta da CONITEC se transformar em levemente acizentada, a campanha ora iniciada já terá cumprido um papel altamente relevante.
[su_box title=”O que é caixa-preta?” style=”bubbles” box_color=”#2215d5″ title_color=”#f0ce48″]Caixa-preta é termo originário do setor de aviação e que mais tarde serviu para definir “um sistema fechado de complexidade potencialmente alta, no qual a sua estrutura interna é desconhecida ou não pode ser levada em consideração em sua análise”[/su_box].
Em tempo: os criadores da campanha argumentam que outras agências, órgãos e colegiados do governo transmitem suas plenárias. A meu ver, esse não é um bom argumento para se autorizar a transmissão integral das plenárias da CONITEC. São agendas distintas, com interesses distintos, com patentes envolvidas, negociações de preço que até mesmo a iniciativa privada não desejaria ver escancarados à luz do dia. Portanto, devagar com o andor, que o santo é de barro.
Só para você ter uma idéia da complexidade do problema, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), provável inspiração para a CONITEC, não é totalmente transparente à sociedade, suas reuniões não são transmitidas ao vivo e nem a posteriori.
Acompanhe nossa série de posts sobre o tema e fique por dentro.
Grande Cláudio
A questão da transparência é um dever em todos os sistemas públicos. É até compreensível que uns poucos assuntos sejam tratados com sigilo, quando envolverem questões cuja divulgação pode acarretar maus-entendidos (haja visto a controvérsia da cloroquina – embora nem mesmo esse caso possa ser, a priori, um assunto sigiloso, mas sim um tema muito mal conduzido junto à opinião pública), mas em outras situações a transparência é preciosa e garante que quaisquer desvios de conduta poderão ser identificados, apurados e sanados.
Quando me refiro a desvios de conduta, não estou inferindo desvios com intenção dolosa (tais como corrupção, por exemplo), mas sim quaisquer influências que não necessariamente serão isentas de falha, tais como princípios individuais que podem divergir da necessidade social. No caso das doenças raras, por exemplo, é bem possível que se decida contra a incorporação de uma tecnologia que salva a vida de um portador, sob a égide de um princípio pessoal de que “o coletivo predomina sobre o individual”. No entanto, quem tem que tomar essa decisão é o coletivo, e não cada um de nós.
Queira-se negar ou não, as decisões tomadas pela CONITEC estão eivadas do risco de interesses secundários. Quem pede a incorporação de uma tecnologia pode ter apenas interesse no lucro, mas quem nega a incorporação pode ter interesses na economia, o que pode ser contrário às necessidades de alguns ou muitos pacientes.
Não deveria ser papel de um único grupo julgar qual é a influência que deve preponderar, por mais qualificado que esse grupo seja. Eu acho que a CONITEC foi e continua sendo um enorme benefício para os processos de avaliação de tecnologias em saúde no Brasil, mas é preciso dar mais alguns passos para que ela possa melhorar. O primeiro é a autonomia, pois a maioria de seus membros é diretamente subordinada ao Ministro da Saúde e, como diz a antiga frase, “a mulher de César não basta ser honesta, mas tem que parecer honesta também”. Ninguém discute que os membros da CONITEC são pessoas altamente qualificadas para a função que exercem, mas estar subordinado ao Ministério cria a sensação de viés inerente ao cargo.
Segundo, seria importante existir alguns critérios explícitos para poder julgar uma tecnologia. Quando dizemos que uma nova tecnologia deve ser “mais eficaz” do que o que está sendo usado, qual é a régua que vamos usar para medir essa “maior eficácia”? O mais certo seria avaliar um ganho em saúde em dois níveis: individual e coletivo. Exemplo: um medicamento que tenha uma eficácia de 1% na cessação do tabagismo pode parecer pouco na visão de um paciente isolado, mas se observarmos um país com 30 milhões de tabagistas, 1% significa 300.000 tabagistas a menos.
Por último, acho que os maiores desafios de um processo transparente (sem considerar questões técnicas) repousam: 1. na qualificação das pessoas que vão acessar a informação e 2. no equilíbrio entre as partes interessadas. Governo e empresas tem ferramentas que podem beneficiar ou prejudicar os dois desafios. É importante que todos tenhamos consciência disso, o que já será um bom começo.
Brilhante análise, Wilson! Tendo a concordar com você em gênero, número e grau! Na verdade a composição da Plenária da Conitec exclui ou limita acentuadamente a participação popular. Há ali em tese um representante do Conselho Nacional de Saúde do qual se desconhece qualquer atuação mais efetiva nestas reuniões (até por serem secretas). Seria mais interessante que a Conitec tivesse status de uma agência regulatória, independente, e não algo pendurado no Ministério da Saúde de forma tão gritante. É curioso que o SUS que sempre teve a participação popular como princípio sacrossanto tenta colocado um bode em sua sala, como tem sido a Conitec. Percebe-se que as decisões da Conitec vêem se aperfeiçoando, mas a passos lentos. Na prática, os pacientes que ora demandam medicamentos órfãos ao SUS têm sido as cobaias dessa curva de aprendizagem lenta e gradual. Seria aconselhável que a Conitec vestisse as ‘sandálias da humildade’ e chamasse todos os stakeholders para uma conversa sem cartas na manga, sem proselitismo propagandístico, mas visando o melhor interesse da sociedade. Nesse momento, acredito que passa por um sério problema de legitimidade. Mas nunca é tarde para investir em mais transparência, desde que esta não franqueie o já combalido campo das políticas públicas neste país a lobbies com interesses inconfessáveis. Nada contra lobbies, mas há lobbies e lobbies. Obrigado pelos abalizados comentários!