Cláudio Cordovil

A ‘terra-de-ninguém’ dos cânceres raros no Brasil

políticas públicas, SUS

 

No momento em que a Comissão Européia trabalha para concluir a elaboração de seu futuro Plano de Combate ao Câncer, a Eurordis, maior coalizão européia de associações de pacientes com doenças raras, empenha-se para que o documento contemple adequadamente as necessidades das pessoas afetadas por cânceres raros. O Brasil é terra-de-ninguém quando o assunto são cânceres raros.

O Brasil não possui dados oficiais sobre a incidência e/ou prevalência destes cânceres na população geral e sequer adota esta nomenclatura em sua atuação governamental. Eles também não estão contemplados na política nacional de doenças raras. Mas, se transportarmos para o Brasil os dados europeus, em termos absolutos, podemos estimar que o país conta com 1,4 milhão de pessoas vivendo com cânceres raros.

São números impressionantes. Câncer raro, na União Européia (UE), é aquele que acomete até seis pessoas a cada 100 mil habitantes por ano. Estima-se que existam 5,1 milhões de pessoas com um câncer raro na Europa, entre 200 tipos de tumores catalogados segundo a RareCareNet. De acordo com a Rare Cancers Europe, 24% de todos os casos de câncer, incluindo os pediátricos, são raros. Segundo a Eurordis, um em cada cinco novos pacientes com diagnóstico de câncer possui um câncer raro. Os cânceres raros contribuem com 20 a 30% dos novos casos de câncer nos Estados-membros da União Européia, estimando-se em 650 mil o número anual de novos diagnósticos de cânceres raros na UE.

Há quem acredite que, no futuro próximo, todos os cânceres serão raros. Não por sua baixa ocorrência, mas graças à crescente compreensão dos mecanismos fisiopatológicos a eles subjacentes, o que acaba contribuindo para a divisão de categorias mais amplas de tumores em entidades patológicas menores e mais bem definidas. Pavimenta-se assim o caminho para a medicina personalizada, visto com antipatia por alguns profissionais da saúde coletiva.

Além da baixa incidência, [os cânceres raros] têm em comum o fato de se originarem em locais atípicos, ou então frequentes, mas a partir de tipos celulares raros. Incluem-se nesse grupo alguns tipos e subtipos de leucemias e linfomas, bem como determinados tumores malignos de pele, neuroendócrinos, urogenitais, da próstata, dos testículos e do sistema nervoso central. Outros exemplos são os sarcomas (tumores que comprometem os tecidos conjuntivos entre a pele e os órgãos internos, como músculos, tendões e gordura), o timoma (tumor nas células epiteliais do timo – órgão linfático situado na cavidade torácica, entre os pulmões e próximo ao coração), os cânceres nas glândulas adrenais.

Rede Câncer

A jornada do paciente com um câncer raro é bastante semelhante àquela de uma pessoa com doença rara. Ambos experimentam as mesmas dificuldades. Destacamos algumas delas:

  • A longa e difícil jornada até o diagnóstico,
  • A falta ou a dificuldade de acesso a cuidados de saúde/sociais e a medicamentos adequados
  • A falta de médicos com especialização relevante na área; e
  • Poucos tratamentos disponíveis, entre outros problemas.

Recentemente, a  Ação Conjunta sobre Cânceres Raros (JARC) publicou a Agenda 2030 para os Cânceres Raros, onde são elencadas 10 recomendações para seu manejo: São elas:

  1.  Os cânceres raros são doenças raras da oncologia
  2.  Os cânceres raros devem ser monitorados
  3. Os sistemas de saúde devem explorar o trabalho das redes de atenção à saúde (networking)
  4. A educação médica deve explorar e servir as redes de atenção à saúde
  5. A pesquisa deve ser estimulada por estas redes e levar em conta um alto grau de incerteza em suas atividades
  6. A decisão compartilhada entre médico e paciente deve ser especialmente valorizada
  7. Instrumentos apropriados e atualizados (como protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas)  devem ser desenvolvidos para cânceres raros
  8. O quadro regulatório em doenças raras deve tolerar um alto grau de incertezas
  9. As estratégias das políticas sobre cânceres raros e a sustentabilidade das intervenções devem ser baseadas na formação de redes de atenção..
  10. Deve se promover o engajamento dos pacientes com cânceres raros.

E no Brasil, como está a situação?

Em agosto de 2018, o Instituto Oncoguia realizou, em São Paulo, o Forum intitulado A realidade do câncer raro no Brasil. Entre os convidados, estava Sandro José Martins, então coordenador geral  da Atenção Especializada do Ministério da Saúde. A franqueza com que o mesmo revelou a ausência de políticas especificas para os cânceres raros no Brasil (para não falar do câncer em geral) impressiona. Vale a pena conferir, se tiver curiosidade. Está no video mencionado abaixo, mais precisamente em 5.12.27. Do que o representante do Ministério fala no evento, podemos concluir: O que é bom para a Europa, não é bom para o Brasil.

 Para saber mais:  

Forum: A realidade do câncer raro no Brasil  (vídeo)

Raros e relevantes – Rede Câncer (PDF)

Novas recomendações européias sobre cânceres raros

Deixe um comentário

error: Corta e cola, não!

REPUBLISHING TERMS

You may republish this article online or in print under our Creative Commons license. You may not edit or shorten the text, you must attribute the article to Academia de Pacientes and you must include the author’s name in your republication.

If you have any questions, please email ccordovil@gmail.com

License

Creative Commons License Attribution-NonCommercial-NoDerivsCreative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs
A ‘terra-de-ninguém’ dos cânceres raros no Brasil
Verified by MonsterInsights