Conitec: Transparência é a regra; sigilo é exceção

 

Recentemente, um grupo de organizações não-governamentais (ONGs) lançou campanha reivindicando maior transparência nos processos de tomada de decisão da Conitec. A demanda é oportuna.

Afinal, a Conitec situa-se entre aqueles órgãos que dão concretude ao direito fundamental à saúde, um dos mais importantes aspectos de todo o nosso ordenamento jurídico. E tem atuado (apesar de constantemente evocar publicamente o princípio da transparência como característica de sua atuação) como uma verdadeira caixa preta.

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[su_box title=”O que é caixa-preta?” style=”bubbles” box_color=”#2215d5″ title_color=”#f0ce48″]Caixa-preta é termo originário do setor de aviação e que mais tarde serviu para definir “um sistema fechado de complexidade potencialmente alta, no qual a sua estrutura interna é desconhecida ou não pode ser levada em consideração em sua análise”[/su_box]. 

Sem transparência, a participação da comunidade nas decisões do governo, pedra angular da Constituição Federal (CF), fica comprometida. Esta é preceito constitucional, expresso no art. 198, III e em muitos outros artigos da CF. É também uma das três diretrizes da organização do SUS, juntamente com a descentralização e o atendimento integral (integralidade).

Pode-se afirmar que inexiste participação social (e, por extensão, transparência)  na CONITEC, ou que ela é bastante tímida, na melhor das hipóteses.

A composição da Conitec é disciplinada pelo art. 7º do Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, com 13 membros titulares, indicados pelo Ministério da Saúde.

Entre eles, membros de colegiados e conselhos ligados ao governo e um único representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Como as reuniões dos mesmos são secretas, desconhecemos a atuação deste participante (como de todos os outros) nestes processos decisórios e sua importância para o instituto da participação da comunidade já mencionado.  Para maiores detalhes sobre o funcionamento do órgão, ver o box abaixo. A matéria continua depois do box!

[su_box title=”Como funciona a Conitec” style=”soft” box_color=”#2215d5″ title_color=”#f0ce48″ radius=”5″]
A CONITEC foi criada pela  lei 12.401/11 . O  decreto 7.646/11 regulamenta a referida lei e trata da sua composição e estrutura, bem como do novo processo de incorporação de tecnologias de saúde ao SUS, entre eles os medicamentos a serem fornecidos à população.

Atualmente, a CONITEC é o órgão que promove as avaliações de tecnologias em saúde (ATS) junto ao Ministério da Saúde. Para isso conta com a colaboração da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats).

Sua finalidade é “proceder à geração e à síntese e disseminação de evidências científicas no campo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Brasil e no âmbito internacional” (art. 1º, do seu Regimento Interno). Estes estudos são realizados “nas fases de incorporação, monitoramento e exclusão de tecnologias no âmbito do SUS” (art. 2º).

O art. 15 do Decreto já citado estabelece  que a incorporação, a exclusão ou a alteração de tecnologias em saúde no rol do SUS serão precedidas de processo administrativo.

Este processo se inicia com o requerimento para incorporação e alteração de tecnologia ou para a constituição ou alteração de protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas pelo interessado (art. 15, § 1º, do decreto 7.646/11).

Em tese, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode fazer um requerimento solicitando a incorporação de um medicamento (ou tecnologia de saúde) ao SUS.  No entanto, os requisitos definidos pelo decreto para tal possibilidade são praticamente impossíveis de serem preenchidos por alguém que não possua capacidade financeira ou técnica para tal.

Só para dar um exemplo: São exigidos estudos econômicos extremamente técnicos que praticamente só são feitos por indústrias farmacêuticas ou por alguém contratado a peso de ouro para fazer pra você.

Analisada a proposta de incorporação, e verificado que preenche os requisitos previstos no decreto, será produzido um relatório considerando as evidências científicas, a avaliação econômica e o impacto orçamentário do medicamento (ou tecnologia de saúde) candidato (art. 18).

O  relatório depois vai à consulta pública (art. 19) e, se pertinente, à  audiência pública (art. 21). Por fim, um relatório final é elaborado e enviado para a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégico- SCTIE (art. 20).

É importante destacar que a decisão de incorporação (ou não) é tomada pelo representante máximo da SCTIE (art. 23). Pode-se recorrer da decisão, enviando recurso ao mesmo  ou ao Ministro da Saúde (art. 26).[/su_box]

Há uma outra instância, bastante discutível, de suposta participação da comunidade nas decisões da CONITEC. Trata-se de “consulta pública” que, pelo artigo 19 do mesmo decreto já mencionado, deve seguir-se à divulgação dos relatórios produzidos pelo órgão.

A este respeito, Eleanor Perfetto, em evento realizado em setembro de 2017 na 6ª Conferência Latino-americana da ISPOR, uma das mais respeitadas sociedades internacionais de economia da saúde, afirmou categoricamente: “Consulta Pública não é participação [do paciente em ATS}.  E apresentou, na ocasião, uma interessante ilustração sobre o engajamento de pacientes em processos de ATS.

Nela, a consulta a pacientes está bem distante do alvo (ver ilustração abaixo). Não conta como participação significativa nestes processos. Dado curioso é que, a representante da CONITEC, que foi a palestrante seguinte no evento, fez um mea culpa, afirmando: “De fato, consulta não é participação”. Está gravado.

 

Do mesmo ano da criação da Conitec é a lei que regulamenta a transparência pública. uma grande vitória na eterna e sofrida luta pela conquista da cidadania. Trata-se da Lei nº 12.527/2011, também conhecida como Lei de Acesso a Informação (LAI).

Ela garante o  direito de qualquer pessoa de solicitar e receber dos órgãos e entidades públicos, de todos os entes e Poderes, informações públicas por eles produzidas (ou sob sua custódia). Na verdade este direito já estava previsto nas Leis Complementares 101/2000 e 131/2009, mas com a LAI ele ganha outra dimensão. As pessoas com doenças raras parecem usar pouco esse direito. Nos próximos posts, vamos mostrar a você como é fácil lançar mão deste seu direito.

Com a LAI, dar publicidade a atos e decisões do governo passou a ser a regra e o sigilo a exceção. Dar publicidade quer dizer “tornar público’, ok?

E tem mais: pela LAI é proibido exigir que o cidadão informe os motivos de sua solicitação. O servidor que exigir justificativa para algum pedido do cidadão coberto pela LAI pode sofrer punições severas.

Nestes anos todos atuando na área de doenças raras, tenho visto que o problema central que os pacientes enfrentam é a afirmação de sua cidadania. Envolvidos em tantas obrigações de cuidar de entes queridos, ou mesmo de si, familiares e pacientes quase desanimam de reivindicar seus direitos com vigor, com a mesma determinação que o Estado cobra seus impostos de você.

Nesse blog vamos tratar muito desta questão da cidadania, antes que você precise recorrer (e com razão) à Justiça para reaver um direito que é seu.

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