Cláudio Cordovil

STF

Ex-ministra do STF questiona ‘amplos poderes’ da Conitec

Está prevista para o dia 18 de maio, no Supremo Tribunal Federal (STF), a fixação da tese de julgamento para o Tema 6 da Repercussão Geral: “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo”.

Para a ex-ministra do STF, Ellen Gracie (2000-2011), a prevalecerem os votos já proferidos pelos ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso, o Judiciário NÃO poderá intervir e determinar seu fornecimento a pacientes sem recursos financeiros, nos casos em que a Conitec tenha optado por não recomendar a incorporação do medicamento ao SUS.

Esta foi a interpretação da ex-ministra em parecer jurídico a ela encomendado pela Interfarma, datado de 24 de agosto de 2021, a que tivemos acesso. O julgamento havia sido suspenso por pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.

Na avaliação da ex-ministra do STF, expressa em seu parecer, os critérios sugeridos por Roberto Barroso e Alexandre de Moraes para a fixação da tese “produzem o efeito danoso de subverterem a hierarquia administrativa, ao fazerem prevalecer o parecer meramente opinativo da CONITEC sobre a deliberação final de incorporação, ou não” que seria de competência do ministro da saúde ou, por delegação, do Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE).

O parecer orientativo da CONITEC não pode ser
utilizado como norteador das decisões judiciais. Um procedimento
administrativo [complexo], amplamente regulado e direcionado à tomada de decisão de uma autoridade superior, não deve ser retalhado para fazer prevalecer alguma de suas fases instrutórias.

Ellen Gracie – Ex-ministra do STF

Outro ponto destacado pela jurista em seu parecer jurídico é a composição da Conitec, que torna questionável sua “independência técnica“. A seu ver, esta encontra-se comprometida por um “conflito de interesses objetivo“, na medida em que é liderada e majoritariamente composta por integrantes vinculados aos gestores em saúde”. Aliás, a paridade prejudicada da Conitec já fora criticada pelo próprio Secretário da SCTIE, Carlos Grabois Gadelha, em artigo de sua autoria.

Segundo Ellen Gracie, tal composição viciosa poderia explicar por que as recomendações da Conitec dão destaque ao ‘fator orçamento’, que, segundo ela, “acaba por prevalecer sobre os benefícios oferecidos pelas tecnologias inovadoras em saúde aos pacientes”. É importante ressaltar que as recentes alterações no processo administrativo de incorporação de tecnologias ao SUS em nada mudaram este estado de coisas.

E acrescenta Ellen Gracie:

Particularmente no caso das doenças raras, a prevalência do racional econômico frequentemente inviabiliza a incorporação das terapias existentes, em relação às quais o órgão exige os mesmos parâmetros de custo-efetividade e evidência científica aplicáveis a drogas comuns – que têm grandes populações para a realização de pesquisas clínicas, além de escala para a comercialização.

Conquistas obtidas pelos pacientes em decisões anteriores no STF e agora atropeladas pelas novas propostas de fixação da tese não escaparam ao olhar arguto da eminente jurista.

As propostas de tese já proferidas pelos Ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, a seu ver, entram em conflito com tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Tema 500, com Repercussão Geral no RE 657.718/MG22.

Na ocasião, “o STF definira que deve ser autorizado o fornecimento, por decisão judicial, de medicamento órfão para doenças raras e ultrarraras sem registro na ANVISA, independentemente da existência de pedido de registro pendente, quando, cumulativamente, (i) houver registro em renomadas agências de regulação no exterior, e (ii) inexistir substituto terapêutico com registro no Brasil”.

Por tudo isso, a sessão do STF agendada para o dia 18 de maio é de crucial importância para pessoas com doenças raras e ultrarraras, bem como seus familiares.

A prevalecerem os critérios propostos pelos ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso na decisão final sobre a fixação da tese do Tema 6, Ellen Gracie antevê, em seu parecer jurídico, as seguintes consequências:

  • Inadequada supremacia de manifestação de um órgão acessório (Conitec) sobre decisão conclusiva do processo de incorporação, que é por lei atribuída ao Ministro de Estado da saúde ou, por delegação, ao Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
  • Impedimento de acesso dos pacientes sem recursos financeiros aos medicamentos em relação aos quais a CONITEC tenha concluído por não recomendar a incorporação no SUS
  • Anulação de decisão anterior que autorizou a dispensação excepcional de medicamento órfão, conforme tese fixada pelo STF, com Repercussão Geral, para o Tema 500 (RE 657.718/MG), quando, mesmo quando sem registro ou sequer pedido de registro na ANVISA, (i) esteja registrado em renomadas agências de regulação no exterior, e (ii) inexista substituto terapêutico com registro no Brasil.
  • Colocação em limbo jurídico dos tratamentos de alta complexidade que representem a única alternativa terapêutica para o paciente e tenham registro na ANVISA. Nesses casos, teremos a curiosa situação em que a agência (Anvisa) “terá tomado decisão sobre eficácia e segurança, e autorizado sua comercialização, mas a Conitec [órgão acessório e opinativo] poderá inviabilizar o acesso, se opinar pela não-incorporação, deixando a população de pacientes específica ao desamparo”.

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