Conitec faz pesquisa com pacientes e busca mudança de imagem

 

[su_dropcap style=”flat”]N[/su_dropcap]a terça-feira passada (4/8), a Conitec divulgou em seu site a intenção de realizar uma pesquisa. Ela visaria “identificar usuários do SUS e associações de pacientes existentes no Brasil e consolidar um banco de dados para ações de participação social que serão realizadas pela Secretaria-Executiva da Comissão”. A pesquisa consiste em um questionário de 33 perguntas, sobre o qual falaremos mais abaixo.

Para justificar a realização da mesma, a nota informa que “é uma das frentes de trabalho da Conitec promover ações que fortaleçam a participação social no processo de incorporação de tecnologias em saúde no SUS”. 

E prossegue: “por isso, ouvir sobre (sic) as experiências dos pacientes com a doença e que realizam os tratamentos ofertados pelo SUS são fundamentais (sic) para elaboração da recomendação pela Conitec”. Na intenção de destacar o fato de supostamente já promover a participação social em suas decisões, a nota também sublinha que “a Secretaria-Executiva da Conitec já desenvolve ações nesse sentido, por exemplo, a abertura das consultas públicas, para receber contribuições da sociedade sobre as tecnologias em avaliação”. 

De fato, as consultas públicas têm sido um capítulo à parte na história da Conitec e mereceriam neste blog um post em separado. Se, por um lado, habitualmente contam com a participação de pacientes e associações de forma discutível (que já foi criticada por Denizar Vianna, ex-dirigente da SCTIE), por outro desconhece-se seu eventual e real impacto nas decisões proferidas, dadas as raras (sem trocadilho) ocasiões em que foram capazes de alterá-las a posteriori, em se tratando de medicamentos para doenças raras. Ademais, Eleanor Perfetto, uma respeitadíssima especialista no assunto, já teve oportunidade de dizer, em encontro internacional realizado em São Paulo, que “consulta pública não é participação”.  

O anúncio da pesquisa surge no rastro de muitas críticas que a comissão e agências desta natureza têm recebido em meios acadêmicos internacionais e nacionais (até mesmo entre os mais ortodoxos sanitaristas) e entre associações de pacientes acerca de sua legitimidade. Criticam-se, em geral, a falta de transparência na tomada de decisões; pouca clareza no rationale nelas envolvido; a composição do plenário da Conitec (predominantemente de representantes de conselhos ligados ao governo) e a ausência de critérios explícitos, visando contemplar as especificidades dos medicamentos órfãos na elaboração de suas recomendações pela incorporação (ou não) de novas tecnologias ao SUS.

Para quem acompanha, como pesquisador e servidor público, a atuação da Conitec desde sua criação em 2011, há aqui uma inflexão e mudança de tom dignas de nota em sua relação com a sociedade. Há também uma nítida preocupação em mudança de sua imagem junto ao público, agora alavancada em alguma extensão (pouco clara até o momento) pela atuação de pelo menos uma empresa de “negócios sociais”, ao que pudemos apurar (mais detalhes adiante).

[su_heading size=”16″]Traços de uma estratégia de mudança de imagem[/su_heading]

A velha logo e o novo logotipo da Conitec ?

Uma nova logo começa a circular em suas peças promocionais de forma um tanto atabalhoada e errática, convivendo, tudo junto e misturado, com a (supostamente) antiga, em seus materiais de divulgação e, por que não dizer, “promocionais”. A pressa em divulgar a nova logo, sem maiores preocupações na divulgação das novas orientações da marca, e convivendo com a antiga em sua peças promocionais, contraria as boas práticas em qualquer manual universitário acerca de branding e gestão de marca.

Na nota que convoca pacientes e associações à pesquisa mediante questionário, vê-se uma sorridente e simpática senhora da terceira idade, bengala na mão, abraçada a uma jovem profissional de saúde, igualmente sorridente. Há felicidade no ar. A imagem evoca aquelas outras, já familiares, que nos acostumamos a ver em peças publicitárias de planos de saúde, e para as quais sempre se reserva um olhar de espanto, quando se pensa nos preços extorsivos praticados por estes. Estariam rindo de quê? Negócios são negócios. Imagem é tudo. Business as usual.  

No drama dos pacientes na luta pelo acesso a medicamentos no sistema público de saúde, sob o princípio sagrado da equidade (que também os deveria alcançar), e na via-crucis nos tribunais, sorrisos têm andado em falta. Especialmente em tempos de pandemia, que tem gerado grande preocupação entre os doentes raros e, de resto, em toda a Humanidade.

O questionário, objeto da referida pesquisa, exige a identificação do consultado, nome e CPF, e se o mesmo deseja respondê-lo na condição de paciente ou associação;  se é filiado a alguma e qual.  Nele indaga-se renda familiar; se possui plano de saúde; por qual empresa e em que tipo de contratação; se o médico de referência é particular ou do SUS; se o paciente consegue realizar todo o tratamento pelo SUS; se retira algum medicamento pelo SUS e qual. Ao final, entre as 33 perguntas, quatro buscam aferir o nível de compreensão do participante da pesquisa sobre Avaliações de Tecnologias em Saúde, Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), participação social e o que ele pensa da atuação da Conitec

Na nota que anuncia a realização da pesquisa a Conitec, como já dito acima, informa-se que “ouvir sobre as experiências dos pacientes com a doença e que realizam os tratamentos ofertados pelo SUS são (sic) fundamentais para elaboração da recomendação pela Conitec”. Ao cotejar as perguntas do questionário com esta intenção aqui declarada, há dificuldades em se compreender, até o momento, a relação entre uma coisa e outra.

Ainda que importante a busca da mudança de imagem, o paciente e seu familiar querem saber se houve aumento na média anual de incorporações de terapias para doenças raras ao SUS e consequente melhoria do acesso. Da transição do governo anterior para o atual, pouca coisa mudou nesse sentido. Mas continuaremos a monitorar a situação em nosso Radar ATS

[su_heading size=”16″]Os 50 tons da “responsabilidade social”[/su_heading]

Last but not least, algumas considerações sobre a empresa que, em alguma extensão, tem apoiado, formal ou informalmente, a Conitec neste processo, sugestivo de busca de mudança de imagem (e de narrativa) institucional. A referida empresa, em seu site, se posiciona como o primeiro negócio social de advocacy da América Latina. Mais adiante, afirma ter beneficiado mais de oito milhões de pessoas com seu trabalho, em dois anos de atuação.

Entre as organizações com que a empresa afirma colaborar, em seu site, encontram-se laboratórios e associações de pacientes. Entre seus parceiros ali declarados encontram-se, entre outros, o Governo Federal, o Ministério da Cidadania, o Ministério da Saúde, a Frente Parlamentar da Primeira Infância e até mesmo a Organização das Nações Unidas. 

Para um cientista social, não deixa de ser curioso ver esse arranjo institucional, contando com apoio explícito de governos, iniciativa privada e associações de pacientes, tudo no mesmo pacote.

Tem sido prática corrente em todo o mundo, é bem verdade. E é motivo de debates acerca do que se convencionou chamar de “Terceiro Setor”, “empreendedorismo social” e “nova administração pública”.

O que se questiona nestas práticas, no meio acadêmico, sem respostas fáceis, é até que ponto elas não seriam formas de despolitizar questões públicas, ao colocar, no mesmo pacote, setores que, no passado, eram mantidos separados para o bom funcionamento do que os antigos costumavam chamar de “democracia”, “cidadania” e “interesse público”.

De um modo geral, o que se discute nos círculos acadêmicos é se entidades patrocinadas pela iniciativa privada (e que representam as grandes locomotivas do capitalismo global), com sua lógica de justiça de mercado, poderiam realmente representar e defender, legitimamente, sem cartas na manga ou interesses particularistas, a lógica da justiça social embutida no conceito de saúde pública, desde tempos imemoriais. Há toda uma conversa por aí sobre responsabilidade social das empresas, mas também sobre greenwashing e pinkwashing.  Mas isso é assunto que rende. Fica para outros posts.  

Na nota já mencionada, a Conitec informa que as informações coletadas “serão de uso exclusivo da Secretaria-Executiva”.  E que “os resultados dessa iniciativa serão apresentados no site”. Em nome da tão desejada transparência republicana, roga-se que a entidade divulgue os resultados da pesquisa em seu site, como promete.

[su_note]E você? O que achou da iniciativa da Conitec? Pretende participar da pesquisa? Se quiser, comente abaixo! :)[/su_note]

 

 

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