A ‘terra-de-ninguém’ dos cânceres raros no Brasil

 

[su_dropcap style=”flat”]N[/su_dropcap]o momento em que a Comissão Européia trabalha para concluir a elaboração de seu futuro Plano de Combate ao Câncer, a Eurordis, maior coalizão européia de associações de pacientes com doenças raras, empenha-se para que o documento contemple adequadamente as necessidades das pessoas afetadas por cânceres raros. O Brasil é terra-de-ninguém quando o assunto são cânceres raros.

O Brasil não possui dados oficiais sobre a incidência e/ou prevalência destes cânceres na população geral e sequer adota esta nomenclatura em sua atuação governamental. Eles também não estão contemplados na política nacional de doenças raras. Mas, se transportarmos para o Brasil os dados europeus, em termos absolutos, podemos estimar que o país conta com 1,4 milhão de pessoas vivendo com cânceres raros.

São números impressionantes. Câncer raro, na União Européia (UE), é aquele que acomete até seis pessoas a cada 100 mil habitantes por ano. Estima-se que existam 5,1 milhões de pessoas com um câncer raro na Europa, entre 200 tipos de tumores catalogados segundo a RareCareNet. De acordo com a Rare Cancers Europe, 24% de todos os casos de câncer, incluindo os pediátricos, são raros. Segundo a Eurordis, um em cada cinco novos pacientes com diagnóstico de câncer possui um câncer raro. Os cânceres raros contribuem com 20 a 30% dos novos casos de câncer nos Estados-membros da União Européia, estimando-se em 650 mil o número anual de novos diagnósticos de cânceres raros na UE.

Há quem acredite que, no futuro próximo, todos os cânceres serão raros. Não por sua baixa ocorrência, mas graças à crescente compreensão dos mecanismos fisiopatológicos a eles subjacentes, o que acaba contribuindo para a divisão de categorias mais amplas de tumores em entidades patológicas menores e mais bem definidas. Pavimenta-se assim o caminho para a medicina personalizada, visto com antipatia por alguns profissionais da saúde coletiva.

Além da baixa incidência, [os cânceres raros] têm em comum o fato de se originarem em locais atípicos, ou então frequentes, mas a partir de tipos celulares raros. Incluem-se nesse grupo alguns tipos e subtipos de leucemias e linfomas, bem como determinados tumores malignos de pele, neuroendócrinos, urogenitais, da próstata, dos testículos e do sistema nervoso central. Outros exemplos são os sarcomas (tumores que comprometem os tecidos conjuntivos entre a pele e os órgãos internos, como músculos, tendões e gordura), o timoma (tumor nas células epiteliais do timo – órgão linfático situado na cavidade torácica, entre os pulmões e próximo ao coração), os cânceres nas glândulas adrenais.

Rede Câncer

A jornada do paciente com um câncer raro é bastante semelhante àquela de uma pessoa com doença rara. Ambos experimentam as mesmas dificuldades. Destacamos algumas delas:

  • A longa e difícil jornada até o diagnóstico,
  • A falta ou a dificuldade de acesso a cuidados de saúde/sociais e a medicamentos adequados
  • A falta de médicos com especialização relevante na área; e
  • Poucos tratamentos disponíveis, entre outros problemas.

Recentemente, a  Ação Conjunta sobre Cânceres Raros (JARC) publicou a Agenda 2030 para os Cânceres Raros, onde são elencadas 10 recomendações para seu manejo: São elas:

  1.  Os cânceres raros são doenças raras da oncologia
  2.  Os cânceres raros devem ser monitorados
  3. Os sistemas de saúde devem explorar o trabalho das redes de atenção à saúde (networking)
  4. A educação médica deve explorar e servir as redes de atenção à saúde
  5. A pesquisa deve ser estimulada por estas redes e levar em conta um alto grau de incerteza em suas atividades
  6. A decisão compartilhada entre médico e paciente deve ser especialmente valorizada
  7. Instrumentos apropriados e atualizados (como protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas)  devem ser desenvolvidos para cânceres raros
  8. O quadro regulatório em doenças raras deve tolerar um alto grau de incertezas
  9. As estratégias das políticas sobre cânceres raros e a sustentabilidade das intervenções devem ser baseadas na formação de redes de atenção..
  10. Deve se promover o engajamento dos pacientes com cânceres raros.

[su_heading size=”18″]E no Brasil, como está a situação?[/su_heading]

Em agosto de 2018, o Instituto Oncoguia realizou, em São Paulo, o Forum intitulado A realidade do câncer raro no Brasil. Entre os convidados, estava Sandro José Martins, então coordenador geral  da Atenção Especializada do Ministério da Saúde. A franqueza com que o mesmo revelou a ausência de políticas especificas para os cânceres raros no Brasil (para não falar do câncer em geral) impressiona. Vale a pena conferir, se tiver curiosidade. Está no video mencionado abaixo, mais precisamente em 5.12.27. Do que o representante do Ministério fala no evento, podemos concluir: O que é bom para a Europa, não é bom para o Brasil.

[su_highlight]Para saber mais: [/su_highlight]

Forum: A realidade do câncer raro no Brasil  (vídeo)

Raros e relevantes – Rede Câncer (PDF)

Novas recomendações européias sobre cânceres raros

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