Cláudio Cordovil

A Portaria 199/2014 ampliou o acesso a medicamentos órfãos?

Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina e publicado na Orphanet Journal of Rare Diseases buscou descrever e analisar as iniciativas para promover acesso a medicamentos para tratamento de doenças raras no Sistema Único de Saúde, após a publicação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (Portaria 199/2014).

Para apresentar seus achados, os autores basearam-se em modelo publicado pelo Escritório Regional da OMS Europa, que dividiu o acesso a novos medicamentos em políticas de pré-lançamento, peri-lançamento e pós-lançamento.

No estudo ora publicado, as iniciativas referentes a cada uma das três categorias acima foram resumidas com base em pesquisa documental realizada em bases de dados online de janeiro de 2014 a dezembro de 2020.

A investigação pode ser lida como um interessante balanço dos desafios e conquistas derivados da Portaria 199/2014, no que se refere à assistência farmacêutica em doenças raras.

A pesquisa sugere que as etapas que compõem o ciclo de vida do medicamento não foram observadas quando da redação da Portaria, faltando articulação e integração deste à rede de cuidados. Tal ciclo pode ser resumido, mas não limitado, a cinco etapas: idealização, desenvolvimento, comercialização, maturação e declínio.

Os autores concluem que não se pode afirmar que a publicação de políticas para doenças raras tenha gerado um amplo impacto na promoção de acesso a medicamentos para doenças raras no Brasil.

O artigo tem o mérito de atribuir dimensão importante da judicialização à inobservância do ciclo de vida do medicamento nas políticas públicas voltadas para doenças raras.

Achados na fase pré-lançamento

Com a criação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, em 2008, procedimentos regulatórios relacionados à pesquisa com seres humanos foram estabelecidos, e mais tarde direitos de acesso pós-estudo em protocolos de pesquisa clínica foram concedidos a pacientes com doenças ultrarraras.

Além disso, em 2019, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) se uniu ao Ministério da Saúde para lançar uma chamada de pesquisa para obter informações epidemiológicas sobre doenças raras no país. Ao mesmo tempo, a promoção e incentivos à pesquisa sobre doenças raras tornaram-se metas da administração pública federal, com 30% dos recursos do Programa Pesquisa Para o SUS agora destinados ao tratamento de doenças raras ou negligenciadas.

O país também está aprimorando o “monitoramento de horizonte”, uma parceria entre o Ministério da Saúde e a COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Uma busca sistemática no site da CONITEC realizada pelos autores revelou a publicação de vários alertas, relatórios e seções em relatórios de recomendação de medicamentos estudados durante a condução da pesquisa. Esses esforços demonstram o compromisso do Brasil em aprofundar a pesquisa e melhorar o tratamento e o cuidado para aqueles que sofrem de doenças raras.

Achados na fase perilançamento

Em 2017, o Brasil padronizou o registro sanitário de medicamentos para doenças raras, demonstrando um compromisso renovado com essa parcela da população. Desde então, 37 medicamentos para doenças raras foram identificados em várias categorias regulatórias.

No entanto, apesar dos avanços, ainda não foram identificados critérios específicos ou validados para doenças raras em Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS). A REBRATS tem promovido discussões e workshops sobre o tema, e em outubro de 2020, a CONITEC lançou uma área em seu site dedicada à participação pública e dos pacientes, chamada “Perspectiva do Paciente”, onde pacientes e cuidadores podem compartilhar suas experiências.

Além disso, em 2018, o Brasil começou a exigir o acompanhamento de pacientes em centros de referência para coletar evidências de eficácia clínica em situações do mundo real para alguns medicamentos para doenças raras.

Uma abordagem inovadora de financiamento foi tentada em 2019, quando o Ministério da Saúde decidiu incorporar o nusinersena para atrofia muscular espinhal através de um acordo de compartilhamento de risco. No entanto, esse acordo não teve sucesso devido à falta de regulamentações detalhadas. Atualmente, um projeto de lei relacionado ao custo e fornecimento de medicamentos para doenças raras ou negligenciadas está em andamento na Câmara dos Deputados.

Para obter as 32 recomendações de incorporação ao SUS pela CONITEC, o tempo decorrido para alcançar um resultado foi de 233 dias (mediana; n = 32; tempo mínimo = 49 dias; máximo tempo = 607 dias). No Brasil, a legislação estabelece prazo de 180 dias (podendo ser prorrogado por 90 dias) para conclusão do processo de avaliação de tecnologias em saúde no SUS.

Achados na fase pós-lançamento

A CONITEC tem trabalhado ativamente para envolver o público e os pacientes na elaboração de protocolos clinicos e diretrizes terapêuticas (PCDT) para doenças raras. Durante o período de estudo, 31 desses PCDT foram atualizados e 16 novos foram implementados. No entanto, o tempo entre a decisão de incorporar um medicamento e a publicação do PCDT muitas vezes excedeu o período estabelecido por lei.

A maioria dos medicamentos incorporados para doenças raras é financiada pelo Ministério da Saúde, mas o período necessário para o acordo financeiro também frequentemente não cumpre a legislação.

Em 2020, houve uma mudança significativa na estratégia do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), ampliando o prazo de validade do relatório para a solicitação, avaliação e autorização de medicamentos.

Além disso, devido à emergência da Covid-19, foram adotados critérios especiais para a implementação da estratégia CEAF, incluindo a renovação de documentação e antecipação de dispensação. Pacientes com doença de Gaucher, por exemplo, começaram a receber infusões de medicamentos em casa.

No cenário legislativo, as demandas sociais relacionadas a doenças raras têm sido discutidas tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, abordando tópicos como pesquisa científica, incorporação de tecnologias pelo SUS e defesa dos direitos e inclusão social.

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