Em janeiro de 2023, várias organizações de pacientes com fibrose cística pediram aos governos do Brasil, Índia, África do Sul e Ucrânia que invocassem o licenciamento compulsório e permitissem o fornecimento de versões genéricas de Trikafta® e de outros tratamentos para fibrose cística. Estes casos agora estão documentados no recém-atualizado Banco de Dados de Flexibilidades TRIPS
O Banco de Dados de Flexibilidades do TRIPS rastreia o uso de certas disposições do Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) com o objetivo de promover e proteger a saúde pública e, em particular, o acesso a medicamentos.
As disposições do TRIPS evocadas no caso em questão incluem licenciamento compulsório (Artigo 31 e Artigo 31 bis), o uso de provisões de transição para os membros dos países menos desenvolvidos da OMC que lhes permita não conceder ou executar patentes farmacêuticas até 1º de janeiro de 2033 (Declaração de Doha par. 7), e exceções a patentes (Art. 30).
No entanto, é importante destacar que a flexibilidade que o Acordo TRIPS oferece é mais ampla do que as constantes nestes artigos, mas estas são as provisões que podem e estão sendo usadas na aquisição de medicamentos.
Caso tem precedentes em 2019
Não é a primeira vez que as flexibilidades do TRIPS são invocadas para contornar os preços altíssimos dos tratamentos para tratar a fibrose cística, que afeta os pulmões.
Em 2019, grupos de pacientes com fibrose cística no Reino Unido iniciaram uma campanha para persuadir o governo do Reino Unido (Reino Unido) a invocar o Uso da Coroa de patentes com o objetivo de acessar lumacaftor-ivacaftor (nome comercial Orkambi®) mais acessível para o tratamento da fibrose cística.
O preço de tabela no Reino Unido para Orkambi® é de 104 mil libras esterlinas por paciente/ano (cerca de 637 mil reais). Um preço demasiado elevado para o NHS (O SUS britânico). O NHS da Inglaterra ofereceu um pagamento de 500 milhões de libras esterlinas por um período de cinco anos (cerca de 3 bilhões de reais) para os medicamentos para fibrose cística da Vertex. Mas a empresa, que detém o monopólio dos medicamentos para esta patologia, recusou a oferta.
Pais de crianças que sofrem da doença então pediram ao governo que usasse o licenciamento compulsório (Uso da Coroa) para permitir a importação de tratamentos de menor preço. O Uso da Coroa não aconteceu, mas levou a Vertex a oferecer um preço melhor e o lumacaftor-ivacaftor agora está disponível no NHS da Inglaterra.
Mas esse não é o caso na maioria dos países em desenvolvimento que também dependem dos tratamentos de fibrose cística da Vertex e de sua política de preços. Como resultado, muitas crianças com fibrose cística não têm acesso a esse tratamento crucial. Foi isso que levou o grupo de defesa da saúde pública com sede no Reino Unido Just Treatment, em cooperação com os pais de crianças com fibrose cística a lançar esta nova iniciativa.
Flexibilidades do TRIPS foram usadas no caso da AIDS
As flexibilidades do Acordo TRIPS foram usadas com sucesso no passado para a importação e fornecimento de medicamentos genéricos para combater o virus HIV. Para uma visão geral, leia este artigo no Boletim da OMS de 2018, que ofereceu o primeiro relatório sobre o Banco de Dados de Flexibilidades TRIPS. Em anos mais recentes, vimos as flexibilidades do Acordo TRIPS sendo propostas e usadas para medicamentos contra o câncer e tratamentos para a Covid-19.
As flexibilidades do Acordo TRIPS continuam importantes e formam o núcleo da Decisão Ministerial da OMC de 17 de junho de 2022 sobre o Acordo TRIPS que se concentrou no acesso às vacinas Covid-19 e no debate em curso sobre se a decisão deve ser estendida aos tratamentos da Covid-19.
Em 11 de abril, a OMS, juntamente com a UNITAID, publicou um guia para países sobre como usar as flexibilidades do Acordo TRIPS quando eles são excluídos do território das licenças do Pool de Patentes de Medicamentos para a terapêutica Covid-19.