Cláudio Cordovil

Análise de Decisão Multicritério: mais justiça no acesso a medicamentos órfãos

custo-efetividade, judicialização, MBE, transparência

Como já vimos falando aqui neste blog, em diversos posts, os métodos empregados pela Conitec para deliberar sobre incorporação de medicamentos órfãos ao SUS são totalmente desaconselhados em sistemas de saúde que optaram por verdadeiramente contemplar as necessidades de assistência terapêutica e farmacêutica de doentes raros. A literatura especializada tem comprovado isso fartamente.

Este emprego inadequado de Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS) convencionais é uma das razões prováveis para a judicialização galopante que (supostamente) incomoda bastante os gestores de saúde e (verdadeiramente) doentes raros e seus familiares. Também pode explicar o fato de a Conitec em seus quase sete anos de existência só ter recomendado a incorporação de uma meia dúzia de medicamentos órfãos ao SUS.

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Mas o que é a Análise de Decisão Multicritério (ADMC)? Nada mais é do que uma ATS ampliada, razão pela qual não haveria, a nosso ver, maiores problemas para a Conitec empregá-la, se houvesse vontade política. Mas vamos a uma definição mais formal da ADMC:

Um conjunto de métodos e abordagens de auxílio à tomada de decisão, onde as decisões são baseadas em mais de um critério, o que evidencia o impacto, sobre a decisão, de todos os critérios aplicados e a importância relativa a eles atribuída.

Desta forma, abre-se mão de adotar apenas um critério ou outro (como o da custo-efetividade, p. ex.) nas ATS ou, na melhor das hipóteses, tornam-se transparentes e consistentes os demais critérios considerados pelos organismos como a Conitec em seus julgamentos.  

Se tivéssemos de resumir as vantagens destas diversas abordagens reunidas sob a sigla ADMC, poderíamos dizer que tratam de um processo sistemático visando esclarecer o que está sendo levado em conta (os “critérios”), como cada um destes “critérios” está sendo medido, e quanta importância é dada a cada um deles (o “peso”) em processos envolvendo decisão acerca de alocação de recursos escassos.  

Maior clareza nos critérios adotados por estes organismos traria inúmeras vantagens para a democratização destes processos e os tornariam mais condizentes com a lógica participativa que motivou a criação do SUS e inspirou a reforma de diversos sistemas de saúde no mundo inteiro, a partir da década de 1970.

Destacamos algumas das vantagens desta nova atitude:

  • Amplia a transparência dos processos de tomada de decisão junto aos cidadãos;
  • Aprimora a consistência e coerência da tomada de decisão, ao assegurar que os comitês de ATS tratariam tais critérios sempre da mesma maneira, não importa quantas plenárias ocorressem;
  • Dá a estes organismos a possibilidade de engajar o público em decisões sobre que critérios empregar nas ATS, bem como a importância relativa a ser atribuída a cada um, levando a maior ‘poder de barganha’ destes organismos em decisões difíceis que, não raro, são obrigados a tomar;
  • Sinaliza para a indústria farmacêutica os aspectos inovadores que tal organismo dedicado à ATS valoriza na produção destes medicamentos, desta forma ajudando-a a definir o direcionamento que deve ser dado a seus esforços de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).

É importante ressaltar que a definição de ADMC engloba várias abordagens possíveis, que vão desde aquelas que lançam mão de algoritmos sofisticados até outras que buscam somente conferir alguma estruturação a processos deliberativos.  Além disso é importante esclarecer que a ADMC é um instrumento de apoio à tomada de decisão e não uma panacéia. Todas as situações que envolvem critérios múltiplos para a decisão exigem graus distintos de julgamento, que podem ser facilitados através desta ferramenta. Ela, por si só, nada decide.  

Em março de 2014, foi realizado em São Paulo o Fórum Internacional de Doenças Raras e Medicamentos Órfãos, concebido e coordenado por este que vos fala. Na ocasião, trouxemos ao Brasil um dos maiores especialistas internacionais em ADMC: Kevin Marsh. Como convidada oficial do evento e palestrante, Clarice Petramale, então presidente da Conitec.

Kevin Marsh

Na ocasião Marsh indagou a platéia:

Como recursos públicos em saúde deveriam ser alocados no Brasil, em um contexto onde a saúde é um direito universal, o foco das atuais ATS é estreito e medicamentos órfãos não são custo-efetivos?

Para Marsh, a solução poderia residir na consideração de uma versão ampliada de valor, que não se resumisse aos ganhos em saúde por custo-efetividade, fornecida por um novo método de ATS que levasse em conta os direitos constitucionais já adquiridos pela população. Em outras palavras, a solução, segundo ele, poderia residir na ADMC.

Segundo Marsh, em qualquer ADMC, basicamente três estágios estão envolvidos:

  • Identificar e definir valores;
  • Quantificar valores;
  • Determinar os pesos de cada valor.

A identificação dos valores de cada tratamento e os pesos a cada um deles atribuídos podem ser definidos por pagadores e pacientes, ou seus representantes, em processos deliberativos cientificamente elaborados.

Ao final deste processo, para Marsh, estaríamos diante de uma rigorosa e transparente demonstração do valor do produto, que refletiria também a voz dos pacientes. Em sua opinião, uma abordagem de valor de um medicamento órfão com critérios e pesos pactuados pelos principais interessados nestes processos (aqui incluídos os pacientes) é uma proposta viável com o emprego da ADMC, e poderá melhorar a clareza, consistência e transparência de tomadas de decisão acerca destes medicamentos.

Ironicamente, a Conitec já produziu um vídeo sobre ADMC, enalteceu suas virtudes, mas já adiantou que não há previsão para adoção da mesma pela Comissão.

Gostou? Ficou com alguma dúvida? Escreve pra gente que te respondemos:  contato@academiadepacientes.com.br

 

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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