Cláudio Cordovil

Vídeo de novo ministro viraliza e gera confusão nas redes sociais

custo-efetividade

 

Não se fala de outra coisa nas redes sociais.  A internet descobriu um vídeo do recém-nomeado ministro da saúde, Nelson Teich, onde ele supostamente afirma que profissionais da saúde, quando tiverem recursos limitados, deverão levar em conta a idade do paciente ao escolher entre investir no tratamento de idosos ou de jovens. Não é verdade! A fala foi editada e descontextualizada.

A fala, tal como editada na versão agora viralizada, nas redes sociais poderia induzir o internauta a achar que Teich estaria abordando como decidir quem deve viver e quem deve morrer em tempos de COVID-19

É importante lembrar, a bem da verdade, que a fala ora viralizada nas redes sociais é trecho extraído de um vídeo (veja acima) no canal da TV Oncoguia, publicado no dia 25 de abril de 2019.

A transcrição da fala no video editado que está nas redes sociais é a seguinte:

“Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas, então você vai ter que definir onde você vai investir. Então, eu tenho uma pessoa que é mais idosa, que tem uma doença crônica, avançada, e ela teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar para investir num adolescente, que está com um problema. O mesmo dinheiro que eu vou investir lá, é igual. Só que essa pessoa é um adolescente que vai ter a vida inteira pela frente, e o outro é uma pessoa idosa, que pode estar no final da vida. Qual vai ser a escolha? Duas coisas importantíssimas na saúde hoje são: o dinheiro é limitado e você tem que trabalhar com essa realidade. A segunda coisa é que escolhas são inevitáveis. Quais vão ser as escolhas que você vai fazer, né?”

Diante do fato, o Instituto Oncoguia fez divulgar um comunicado nas redes sociais onde se lê o seguinte:

ATENÇÃO!

CIRCULAÇÃO DE VÍDEO RECORTADO E FORA DE CONTEXTO

Informamos que o video que tem circulado do recém-nomeado ministro da saúde Nelson Teich foi editado e tirado do seu contexto original, nao tendo qualquer referência a decisões atuais em relação ao coronavírus , como tem sido sugerido pela edição.

O conteúdo é de 2019 e foi originalmente produzido e divulgado pelo Oncoguia, em parceria com o Oncologia Brasil, como parte de nosso Forum Nacional Oncoguia, Neste forum discutimos tecnicamente vários temas relacionados ao câncer.

Seguiremos levando informação de qualidade e verdadeira para todos, defendendo os direitos do paciente e lutando por politicas publicas sustentaveis e baseadas em evidências.

Por fim desejamos sorte e um bom trabalho ao novo Ministro.

No pronunciamento onde o Presidente da República apresentou o novo Ministro da Saúde (16/4), Teich assim se pronunciou sobre as relações entre vidas humanas e economia em tempos de pandemia.

“Essas coisas não competem entre si. Elas são completamente complementares. Quando você polariza uma coisa dessas, você começa a tratar como se fosse pessoas versus dinheiro, o bem versus o mal, empregos versus pessoas doentes. E não é nada disso”.

Minha posição sobre o assunto: A grande imprensa realmente se precipitou ao repercutir o vídeo editado sem checar a veracidade e contexto da afirmação. Checagem de fatos é o que diferencia o bom jornalista do blogueiro.

É ato de má-fé editar o video e tirá-lo do contexto, visando criar mais estresse em uma população já de todo vulnerabilizada pelos impactos psicossociais da pandemia.

A fala, vista em seu contexto, na integra do video que a TV Oncoguia divulgou à época, e do qual foi pinçado o trecho hoje polêmico, espelha com fidelidade o pensamento de todos aqueles que conhecem alguns rudimentos de Economia da Saúde ou mesmo daqueles que a conhecem profundamente.

Pode-se discutir se é adequado decidir quem deve viver ou quem deve morrer através de fórmulas matemáticas da Economia, mas não há que se discutir que este é o pensamento corrente de qualquer pessoa que fale de Economia da Saúde, sem maiores cautelas verbais.

O problema é que o conflito eficiência econômica x equidade é bastante difícil de resolver e muitas vezes não terá resposta satisfatória. O fato é que a Economia é a ciência da administração de recursos escassos e nenhum país do mundo conseguiu suprir todas as necessidades de saúde de toda a sua população.

Se os recursos fossem plenos (e nunca são!) não haveria polêmica. Bastaria entregar tudo de que alguém precisasse em termos de Saúde.

O que nos resta fazer é discutir amplamente com a sociedade uma forma ética de alocar recursos em saúde, que não penalize ainda mais os grupos mais vulneráveis da sociedade, como os doentes raros por exemplo.

No mais, é acompanhar as ações do novo ministro da saúde desejando-lhe sorte e coragem na empreitada. Estaremos monitorando suas ações de algum modo com o Radar ATS, especialmente no que diz respeito a seu impacto na vida dos doentes raros, em termos de incorporação de tecnologias da saúde ao SUS.

 

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

4 comentários em “Vídeo de novo ministro viraliza e gera confusão nas redes sociais”

  1. Mais uma vez um excelente texto e muito pertinente no momento atual.
    Aprendi que, em Saúde, as demandas extrapolam a compreensão e necessidades de um povo e que o Orçamento é finito. Aqui no Brasil ou em qualquer outro país do mundo.
    Nós, os raros, formamos um legião de 13 milhões de pessoas no Brasil, e assim como os pacientes oncológicos, não ficaremos para trás.
    Devemos um apoio irrestrito a quem se apresenta para administrar uma pandemia. O COVID-19 se adapta e transforma a cada momento e frente a cada ação humana.
    Não se justifica a maldade de alguns em denegrir e descredenciar quem assume a mais difícil tarefa que vivencio nos meus 65 anos de vida e que podem recair sobre suas próprias famílias. Burrice ou falta de humanidade?
    Meu avô português ensinou que o Brasil é o país mais rico do mundo. Sempre roubado e, mesmo assim, continua forte e invejável. Apesar de tanta maldade e desonestidade.
    Os Raros sobreviverão a essa pandemia.

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    • Obrigado, Welton , pelo seu relevante comentário. Há que se aguardar, de fato, as medidas do novo ministro no campo de interesse dos doentes raros. Mas, no momento, o mundo está com os olhos voltados para o cbmbate a esta pandemia. Desejamos sorte ao novo ministro.

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