Cláudio Cordovil

Unidos pela Vida conversa com a Conitec sobre consultas públicas

 

O Instituto Unidos pela Vida promoveu, na terça-feira passada (21/7), no âmbito de seus bate-papos sobre Fibrose Cística. uma live com a participação de técnicas da Conitec, para entender melhor como seus pacientes (e, por extensão, a sociedade em geral) podem participar das consultas públicas daquela comissão, em processos de incorporação de medicamentos e outras tecnologias de saúde ao SUS.

Com a diretora da organização, Verônica Stasiak, como moderadora, o evento teve a Conitec representada por Fabiana Raynal Floriano e Bruna Viana. Coincidentemente, a live aconteceu no mesmo dia de outra que já destacamos aqui no blog ,  com a participação do ex-secretário da SCTIE, Denizar Vianna.

A escolha do tema dessa nova live foi oportuna. Afinal, os pacientes de fibrose cística viram há poucas semanas dois de seus medicamentos mais promissores terem sua recomendação ao SUS desaconselhada. Decisão que os pacientes agora pretendem tentar reverter na consulta pública sobre Ivacaftor (Kalydeco®) e Ivacaftor + Lumacaftor (Orkambi®), ambos do laboratório Vertex.

O vídeo é bem esclarecedor e reina nele atmosfera de civilidade, o que é algo sempre desejável. Fabiana e Bruna respondem às perguntas a elas endereçadas por Verônica e pelos internautas. As respostas podem ser úteis a quem quer que se interesse por participar de consultas públicas futuras, acerca de seus medicamentos de predileção. Recomendo que assistam.

Há um momento que me foi especialmente prazeroso no vídeo.

Aquele em que Fabiana afirma que realmente não seria possível decidir sobre medicamentos para doenças raras com as mesmas ferramentas empregadas para deliberar sobre aqueles para doenças prevalentes.

Tenho o orgulho de ter sido o primeiro a trazer para o Brasil esta discussão, já em 2014, como coordenador científico do Forum Internacional sobre Medicamentos Órfãos. Na ocasião, convidei Denizar Vianna para se pronunciar sobre o assunto naquele evento. Desde então, essa informação que salva vidas está no beabá de qualquer doente raro bem informado, e, mais recentemente, no discurso oficioso da Conitec. Além de Denizar, trouxemos Kevin Marsh ao Brasil para dar uma brilhante aula sobre Análise de Decisão Multicritérios naquela ocasião, assunto totalmente novo por estas bandas na época.

O reconhecimento público desta singela afirmação (de que ATS convencionais não são adequadas para deliberar sobre medicamentos órfãos) por aquela comissão já mereceria ser comemorado pelos pacientes. Até pouco tempo atrás, uma senhora já de idade avançada, do Ministério da Saúde, perorava em eventos públicos sobre a irrazoabilidade de se conceder medicamentos de alto custo a poucos pacientes (os doentes raros), tecia loas aos processos de ATS da comissão e fazia isso com uma crueldade de fazer chorar quem estava na platéia (isso eu vi acontecer em 2017). Por essa perspectiva, parece que se está avançando.

Mas, reconhecendo o empenho dos técnicos da Conitec em tentar mudar a realidade dos doentes raros, precisamos também constatar que nada mudou muito em termos de incorporação de medicamentos órfãos ao SUS, com amabilidades ou sem amabilidades. Na verdade, justiça seja feita, a Conitec é um elo de um complexo processo, mas extremamente relevante. E, como instituição com pouco mais de oito anos de existência ainda enfrenta as dores do crescimento. Percebem-se melhorias na atuação da mesma no que se refere à sua curva de aprendizagem. Mas até que a aprendizagem seja robusta, muitos raros ficarão pelo caminho.

Se a Conitec já admite a impossibilidade de usar o mesmo peso e medida que emprega em doenças prevalentes para doenças raras, não diz o que está fazendo para contemplar o direito ao acesso a medicamentos por parte desta população especial.

E não basta dizer. Recomenda-se que pesquisadores independentes, e sem vínculos de alguma natureza com a comissão, debrucem-se sobre seus arquivos. Uma solução possível seria adotar a Análise de Decisão Multicritérios (MCDA) para diminuir a iniquidade em termos de acesso a medicamentos por esta população. Não há solução milagrosa, mas seria um caminho. A própria comissão reconheceu seu valor para estes casos, em vídeo, mas afirmou que não a empregava, em vídeo de 2017. So…

De fato, quando se analisam os dados da Conitec para verificar quantos medicamentos órfãos foram a ele incorporados desde 2011, a marca é discreta. Nem mesmo a passagem de Denizar Viana pela SCTIE, bem intencionado e altamente competente, conseguiu alterar tal estado de coisas.

Há pouco, nossa seção Radar ATS fez um balanço da atuação da Conitec nessa área. Verificou-se que, na transição do governo Temer para o de Bolsonaro, um discreto aumento se observou no que se refere à incorporação desta categoria de medicamentos ao SUS.

Em 2018, ainda no governo Temer e, sob a gestão de Marco Antonio Fireman, a SCTIE autorizou a incorporação de 10 indicações de um total de 21 que tiveram sua decisão publicada naquele ano (47,6%). Já em 2019,  sob a gestão de Denizar Vianna, foram oito incorporações de um total de 16 demandas com decisão publicada no mesmo ano (50%). Portanto, discreto aumento em relação ao ano anterior.

Consulta pública é participação?

Destaco também que, em evento internacional do qual participei, a 6a Conferência Latinoamericana da ISPOR, Eleanor Perfetto, vice-presidente do Conselho Nacional de Saúde dos EUA, disse, com todas as letras, que Consulta Pública não pode ser considerada uma forma robusta de participação de pacientes em processos de Avaliação de Tecnologias em Saúde.

Na ocasião, lembro-me bem, Perfetto brindou a platéia com uma análise aprofundada do que efetivamente constitui a voz  e o engajamento do paciente nestes processos.

Fazendo uma distinção entre práticas efetivas de envolvimento e aquelas “para inglês ver”, ela definiu envolvimento autêntico dos pacientes como aquele que é uma via de mão-dupla entre os pacientes e todas as partes envolvidas (stakeholders). Para Perfetto, tal engajamento deve conter as seguintes características: “reciprocidade” (uma via de mão dupla), de “aprendizagem mútua”, de “desenvolvimento mútuo”, com “senso de parceria”, “confiança”, “transparência”, “honestidade” e “respeito”.

Perfetto acredita que um significativo engajamento de pacientes é aquele onde as comunicações são claras, honestas e francas. Este pode se dar em decisões sobre pesquisas, desenvolvimento de produtos médicos, políticas, qualidade, valor, planejamento do cuidado e entrega do cuidado.

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Uma imagem apresentada por Perfetto que se revelou bastante esclarecedora foi a de um alvo, ilustrando os diversos níveis de engajamento de pacientes em processos de tomada de decisão em saúde. Por esta imagem, fica claro que o nível de engajamento dos pacientes em processos envolvendo a CONITEC não é dos mais robustos, quando se fala em verdadeiro envolvimento  de pacientes nestes processos.

Mas se é o que a casa oferece (a consulta pública), precisamos qualificar a participação dos pacientes nesses processos. E o dr. Denizar Vianna dá aqui importantes dicas nesse sentido.

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