Se você é como eu e gosta de assistir a filmes e documentários que envolvem trapaças, intrigas, ações na Bolsa e sentimentos menos nobres colocados no altar e se você gostou dos filmes Wall Street: Poder e cobiça e Wall Street: o dinheiro nunca dorme, certamente vai gostar da dica que vou lhe dar hoje. Envolve terapias para doenças raras (TDR), ganância e homens inescrupulosos. E aconteceu na vida real! O RELATO A SEGUIR NÃO CONTÉM SPOILERS.
Trata-se de Remédio Amargo (Drug Short) segundo episódio da primeira temporada de Na Rota do Dinheiro Sujo (Dirty Money), uma produção da Netflix de 2018.
Mas, do que se trata este episódio? Basicamente é a história real de vendedores a descoberto (short sellers) do distrito financeiro de Nova Iorque (Wall Street) que denunciam um golpe até então ignorado pelas agências reguladoras dos EUA: grandes empresas farmacêuticas enganando pacientes que precisam de medicamentos que salvam vidas.
Ok, você deve estar se perguntando: o que seria um vendedor a descoberto? Basicamente é alguém (trader) que opera na Bolsa de Valores realizando vendas a descoberto de ações (VAD). Não entendeu ainda? Então leia o material abaixo.
VAD consistem na venda de um ativo financeiro (no caso, papéis) que o trader não possui. O trading é o ato de operar na compra e venda de ações em curto prazo, em uma plataforma online de trade. Esta operação é feita pelo/a trader.
E como funcionam as VAD?
- O/a trader usa o ativo (papéis) “emprestado” pela sua corretora de valores.
- Em seguida, ele faz a venda destes ativos no momento em que vislumbra antecipadamente uma queda no preço desses mesmos ativos.
- Ao encerrar sua VAD, o trader “resgata” (compra de volta) oportunamente o título que tinha vendido e o devolve à corretora.
- O investidor (cliente da corretora) ganha com a diferença entre o preço de venda e o preço de compra, e paga uma comissão à corretora, que “emprestou” o instrumento (papéis) para o seu trader realizar o trading.
No episódio, o destaque fica por conta de Fahmi Quadir, uma jovem brilhante de naturalidade bengalesa (Bangladesh), com doutorado em topologia algébrica, que atua como short seller na Bolsa de Nova Iorque e comanda um fundo de proteção (hedge fund), denominado Safkhet Capital. No Brasil, não temos hedge funds. Aqui eles ganham a forma de fundo multimercado.
Na maioria das vezes, short-sellers não gozam de boa reputação na Bolsa, por sua atuação estar relacionada à especulação financeira. Mas, como em tudo na vida, o conhecimento dos Vendedores a Descoberto pode ser usado para o bem ou para o mal. No caso de Fahmi, retratado no documentário, acabou servindo para o bem. É filme de mocinho e bandido. O mocinho é Fahmi. O bandido? Bem, vocês podem imaginar quem seja.
Com a ajuda de outros short-sellers e jornalistas, Fahmi simplesmente revelou ao mundo as operações não propriamente criminosas (e isso é chocante!), mas bastante pouco éticas e imorais da Valeant Pharmaceuticals, contribuindo para uma queda vertiginosa de suas valorizadíssimas ações, em 2018. No mesmo ano, a Valeant mudou seu nome para Bausch Health Companies. No Brasil esta possui um escritório comercial em São Paulo
Mas qual era o modus operandi da Valeant que Fahmi desbaratou? O caso traz à tona as estratégias adotadas pelos dirigentes de algumas empresas farmacêuticas para aumentar a sua rentabilidade, sendo a mais expressiva delas o realizar fusões e aquisições de outras empresas de menor porte, reduzir drasticamente seu investimento em Pesquisa & Desenvolvimento, e aumentar indiscriminadamente o preço de diversos medicamentos, com o objetivo único de aumentar o lucro para os acionistas, mas com consequências trágicas para a sociedade.
Há quem prefira acreditar que as funestas práticas da Valeant sejam a exceção e não a regra num dos ramos mais lucrativos do mercado. Não é bem assim. Se a maioria destas empresas prefere optar pela ética na condução de seus negócios, outras não agem pelo mesmo critério. É o que veremos em outras matérias nesse blog.
Em tempo: Remédio amargo se concentra no caso de dois medicamentos órfãos para tratar a doença de Wilson.