A deputada federal Rosângela Moro (União Brasil -SP) apresentou à mesa diretora da Câmara dos Deputados, no dia 20/3, Projeto de Lei (PL 1241/2023) que visa alterar a Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, e modificar a composição da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Pela proposta, a composição da Conitec deve incluir:
- Um representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde
- Um representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina
- Um geneticista
- Um representante de Organização da Sociedade Civil de caráter nacional, constituída ha mais de dois anos, atuante na área da respectiva especialidade ou patologia, com direito a voto.
Outro item previsto no PL é a criação de uma “comissão que trate do tema ‘Doenças Raras’, que contará com a participação de 1(um) representante Geneticista indicado pela Associação Médica Brasileira”.
E finalmente o PL define que :
“Para o medicamento aprovado pela ANVISA e não incorporado ao SUS por razões exclusivamente orçamentárias, a CONITEC publicará protocolo de utilização ou a sua diretriz terapêutica (sic), a fim de orientar a prescrição”.
Que a Conitec sofre de sérios problemas de legitimidade, no que se refere a suas decisões sobre doenças raras é algo que não se discute. Este é assunto fartamente discutido neste blog desde 2017 (https://academiadepacientes.com.br). Uma rápida busca em nossa ferramenta de pesquisa no canto direito da página principal com a palavra-chave “Conitec” permite confirmar o que digo.
Mas o PL 1241/2023 padece de sérios problemas em sua redação. O primeiro e mais gritante deles é a total ausência de menção à necessidade de se criar uma política de conflito de interesses para esta nova composição. Parece-nos uma omissão não acidental, e sim deliberada.
Dadas as pouco republicanas relações entre a indústria farmacêutica e as associações de pacientes neste País, a chance de estas últimas serem capturadas por aquelas nestes processos, mediante pecúnia ($$$$$), ou mesmo na ausência desta, é imensa. As relações entre indústria farmacêutica e associações de pacientes estão a merecer regulação mais rígida, a meu ver.
O conflito de interesses também alcança potencialmente os médicos e deveria ser objeto de preocupação, no caso de sua participação em tais processos.
O NICE tem uma rigorosa e detalhada política de conflito de interesses.
Opiniões não são “evidências” (para a Medicina Baseada em Evidências)
Outro aspecto problemático do PL 1241/2023 é certa incompreensão da natureza da atividade da Conitec. Basicamente a Conitec tem duas funções: demandar e deliberar sobre avaliações de tecnologias em saúde (ATS) e elaborar protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT).
Avaliações de tecnologias em saúde, goste-se ou não, possuem metodologias robustas de síntese de evidências científicas, obtidas a partir da literatura especializada, publicada em revistas, e revisadas por pares. Informações anedóticas, esporádicas, relatadas por médicos, por exemplo, não são o escopo das ATS.
Assim, introduzir médicos ou profissionais de saúde (como proposto pelo PL) ou mesmo pacientes nestas instâncias só poderá ser feito em caráter consultivo e não deliberativo, sob pena de se adulterar a metodologia e finalidade consagradas das ATS.
Imaginando-se que a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina participem dos referidos processos e indiquem profissionais de saúde para sua composição, talvez devessem indicar médicos que trabalhem em instituições públicas. E de preferência que publiquem artigos científicos sobre esta ou aquela doença rara com regularidade.
É muito improvável que um médico de consultório privado possua uma casuística relevante de pacientes com doenças raras para emitir um juízo mais aprofundado “baseado em evidências”.
Compreende-se a necessidade de se incluir valores sociais nas ATS, pautadas que são por critérios excessivamente técnicos, totalmente estranhos à realidade vivida pelos pacientes, no trato com suas enfermidades pouco frequentes. Esta é uma luta constante, sem perspectiva de solução a curto prazo. Mas há maneiras e maneiras de se fazer isso. E, certamente, transformar a Conitec em um posto avançado da indústria farmacêutica não é o melhor deles.
Outros problemas com o PL
Na proposta, afirma-se que a composição da Conitec deve incluir um representante do Conselho Nacional de Saúde. Salvo engano, esta demanda já está contemplada na atual regulação.
Mas o ponto mais intrigante do PL é o seguinte:
“Para o medicamento aprovado pela ANVISA e não incorporado ao SUS por razões exclusivamente orçamentárias, a CONITEC publicará protocolo de utilização ou a sua diretriz terapêutica (sic), a fim de orientar a prescrição”.
Este realmente não compreendi. Os PCDTs são elaborados quando há recomendação de incorporação de determinada tecnologia ao SUS. Não tendo sido incorporado, desconhece-se a finalidade de tal PCDT. Seria para orientar pacientes que conseguem o medicamento pela via da judicialização? Além do mais, será difícil encontrar medicamentos não incorporados ao SUS por “razões exclusivamente orçamentárias”.
A Conitec, como disse, enfrenta sérios problemas de legitimidade em suas decisões envolvendo medicamentos órfãos, desde sua criação. Ela precisa de mudanças profundas para promover equidade que alcance as pessoas que vivem com doenças raras.
No entanto, não acredito que propostas tendenciosas de mudança, que descurem do evidente risco de conflito de interesses, sejam o caminho para tornar suas decisões mais republicanas.
Crédito da imagem: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados