Cláudio Cordovil

O Deserto dos Tártaros: Uma Metáfora para a Inércia em Doenças Raras


O que você vai ler a seguir


Introdução

Não sei se vocês sabem, mas antes de me tornar pesquisador em saúde pública (ENSP/Fiocruz), desenvolvi uma muito bem-sucedida carreira no jornalismo diário, atuando em redações de grandes jornais, tanto na área de Cultura como na de Ciência e Saúde. Ganhei prêmios no jornalismo, viajei o mundo, entrevistei grandes personalidades nacionais e internacionais e era feliz e não sabia. Ou melhor: Sabia. Tempos mais interessantes que estes.

Mas por que abro o texto assim? Porque pensando na realidade das doenças raras neste país me ocorre a leitura de um livro que muito me marcou. E que conheci nos tempos de labuta no jornalismo diário. Trata-se de Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati. Posso dizer que este livro é um dos que mais me impressionou, depois de Demian, de Herman Hesse que li aos 16 anos, e que provocou uma reviravolta em minha vida, plasmando muito do que sou hoje. Mas isso é pra outro post. Voltemos a O deserto dos tártaros.

No vasto e misterioso cenário do romance “O Deserto dos Tártaros” de Dino Buzzati, encontramos uma metáfora pungente para a atual situação das doenças raras no Brasil e para a atuação do atual Ministério da Saúde e do anterior. A narrativa, centrada na espera infinita e na passagem do tempo, espelha a realidade de milhares de brasileiros que, como Giovanni Drogo, aguardam por ações concretas em um horizonte que parece nunca se materializar.

A Espera Infindável

No romance, Drogo é enviado a uma fortaleza remota, onde aguarda, dia após dia, um ataque dos tártaros que nunca acontece. Esta espera interminável é uma alegoria perfeita para a situação das doenças raras no Brasil. Pacientes e suas famílias, isolados em sua própria fortaleza de desesperança, esperam por tratamentos, políticas públicas efetivas e atenção do governo, em um cenário onde pouco ou nada parece mudar.

O Ministério da Saúde e o Deserto da Inação

O Ministério da Saúde, nesta metáfora, pode ser visto como o vasto deserto que circunda a fortaleza. É um espaço onde a ação parece ser sempre adiada, onde as decisões necessárias para mudar a vida dos pacientes de doenças raras parecem perpetuamente no horizonte, mas nunca ao alcance. Como em “O Deserto dos Tártaros“, a vida segue, o tempo passa, mas a ação decisiva, o confronto com a realidade dessas doenças, permanece uma miragem distante.

Reflexões e Paralelos com a Obra

A obra de Buzzati nos convida a refletir sobre a ansiedade, a espera e o sentido (ou a falta dele) na existência humana. No contexto da saúde pública brasileira, levanta-se uma discussão paralela: a espera angustiante por direitos básicos de saúde, a luta contra o tempo em condições muitas vezes degenerativas, e a busca por um significado em meio à aparente indiferença das autoridades.

Neste primeiro segmento, exploramos como “O Deserto dos Tártaros” se torna uma metáfora impactante para compreender a inércia enfrentada no campo das doenças raras no Brasil. A narrativa de Buzzati, com sua ênfase na espera e no tempo que escapa, ressoa profundamente com a realidade desses pacientes, criando um paralelo entre a literatura e a vida real, onde a espera pela ação se estende, dia após dia, em um ciclo interminável.

A Realidade das Doenças Raras e a Atuação Legislativa no Brasil

No vasto deserto metafórico de “O Deserto dos Tártaros”, encontramos um paralelo inquietante com a jornada legislativa brasileira no tratamento das doenças raras. De janeiro de 2000 a dezembro de 2021, o Congresso Nacional registrou 6.400 proposições na área da saúde, das quais 199 referiam-se diretamente a doenças raras – 167 na Câmara dos Deputados e 32 no Senado Federal. Dessas, apenas oito foram aprovadas, a maioria delas referentes a datas de conscientização desta ou daquela doença, enquanto 159 ainda tramitam nas casas legislativas. Este cenário reflete uma realidade onde a esperança de mudança é constantemente adiada, ecoando a espera interminável experimentada pelos personagens de Buzzati.

Análise das Proposições e Sua Relevância

Entre os 199 projetos de lei apresentados, 105 propõem a criação de políticas ou programas específicos para doenças raras, evidenciando um esforço legislativo para abordar a questão. No entanto, a baixa taxa de aprovação destes projetos espelha o deserto imenso e inóspito do romance, onde cada passo parece levar a lugar nenhum. Os 81 projetos relacionados a questões tributárias, judicializações e direitos de doentes raros, assim como os oito que visam alterar legislações da Anvisa, os dois sobre incentivos a pesquisas e os três avaliando tecnologias de tratamento, todos representam tentativas de navegar neste deserto, buscando oásis de esperança que raramente são alcançados.

O Impacto da Inércia Legislativa

A inércia legislativa e a lentidão no processo de aprovação de leis relacionadas às doenças raras no Brasil reforçam a metáfora do deserto. Como em “O Deserto dos Tártaros”, onde os personagens aguardam por um evento que nunca chega, os pacientes e suas famílias veem os anos passar com poucos avanços concretos. Esta realidade perpetua um estado de espera e incerteza, onde as expectativas de mudança positiva são continuamente adiadas.

Reflexão sobre o Tempo e a Espera

Assim como Buzzati explora a ansiedade e o tempo que escapa sem eventos significativos, a jornada das doenças raras no Brasil é marcada por um tempo que parece estagnar. Cada projeto de lei não aprovado ou que permanece em tramitação se torna um símbolo desta espera prolongada, desta busca por significado e ação em um cenário onde prevalece a inação.

Vimos como a situação legislativa das doenças raras no Brasil reflete a metáfora de Buzzati, com ênfase na espera e na passagem do tempo. A realidade dos projetos de lei e a lenta evolução das políticas de saúde formam um paralelo com a narrativa do romance, destacando a natureza persistente da inércia e da espera na vida dos pacientes.

A gente se acostuma, de Marina Colasanti, na leitura incrível do saudoso Antonio Abujamra, a quem tive o privilégio de conhecer.

Uma Metáfora para a Inércia Legislativa nas Doenças Raras no Brasil

A atuação do Congresso Nacional em relação às doenças raras no Brasil, tal como a metáfora do “Deserto dos Tártaros”, revela uma paisagem de esforços dispersos e resultados escassos. Apesar da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, estabelecida em 2014, a realidade mostra que a população afetada continua desamparada diante das peculiaridades de seus tratamentos. Este cenário se assemelha ao deserto vasto e inexplorado de Buzzati, onde ações decisivas são raras e a espera é prolongada.

Dados Legislativos e a Espera Infindável

Em outra vertente, tomemos um estudo nacional recente sobre o mesmo tema.  Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até agosto de 2020, segundo este outro estudo, foram apresentadas 320 matérias legislativas sobre doenças raras, divididas entre 125 autores diferentes na Câmara dos Deputados e 15 no Senado Federal. Esses números, embora representem um avanço na discussão, são ínfimos diante do desafio imenso que é abordar as doenças raras no Brasil. Essa pequena proporção de matérias legislativas, em comparação com o número total de leis propostas, ressoa com a vastidão do deserto de Buzzati, onde o esperado raramente se concretiza.

Além disso, metade das proposições sobre doenças raras (cerca de 160) foi apresentada por 18 parlamentares num universo de 584 cadeiras. Estes 18 parlamentares em sua maioria são representantes do baixo clero (backbenchers) do Congresso Nacional, que reunem-se em frentes parlamentares para tentar ampliar sua voz no Congresso no campo das doenças raras.

A vantagem dos políticos do baixo clero é especializar-se em pautas para as quais a maioria do Congresso não está atenta, numa relação de maior proximidade com suas bases. A desvantagem é o caráter às vezes paroquial de suas propostas. Dias de conscientização de uma doença rara, por exemplo. Não se espere do baixo clero projetos de lei mais estruturantes e de maior fôlego, que pressuporiam mudanças radicais na política de atendimento às doenças raras no País. Isso exigiria deles a construção de consensos com o resto das casas legislativas que não têm capacidade de mobilizar. Propostas legislativas de maior fôlego deveriam ser patrocinadas pelo Executivo. Mas não se tem notícia de envolvimento do Executivo no envio de propostas sobre doenças raras ao Legislativo. Tradicionalmente, desde sempre, o Executivo não patrocina projetos de lei sobre doenças raras no Congresso Nacional.

O Peso das Matérias Legislativas e a Hierarquização de Relevância

As matérias do Grupo A no estudo, aquelas que buscam alterar o ordenamento jurídico, possuem maior peso legal, mas são poucas as que realmente provocam mudanças significativas. Isso pode ser comparado com a esperança de um evento significativo no deserto de Buzzati, que nunca se materializa.

Conclusões do Estudo: A Necessidade de Continuidade do Debate

O estudo conclui que, apesar do expressivo crescimento da pauta das doenças raras no Congresso Nacional, a produção legislativa ainda é insuficiente para atender às necessidades dos pacientes e defensores das pessoas com doenças raras brasileiras. Há uma necessidade urgente de continuidade no debate e de busca por consensos políticos, para que a legislação sobre doenças raras possa evoluir de maneira efetiva. Esta situação reflete a metáfora do deserto, onde a ação é constantemente adiada e a espera se torna a norma.

A realidade das doenças raras no Brasil e a atuação do Congresso Nacional lembram a espera interminável e a inação retratadas no romance. A escassez de matérias legislativas de impacto e a lentidão no processo de aprovação dessas leis espelham a vastidão e a inércia do deserto de Buzzati. A esperança de mudança e ação significativa permanece uma miragem distante para aqueles afetados por doenças raras, presos em um ciclo de espera e desesperança.


Consequências Sociais e Emocionais da Inércia na Saúde Pública

Na metáfora do romance, a espera interminável e a passagem do tempo sem eventos significativos encontram eco na realidade dos pacientes com doenças raras no Brasil. A inércia legislativa e administrativa não é apenas uma questão de saúde pública, mas também um fardo emocional para esses indivíduos e suas famílias. A espera por políticas efetivas e tratamentos acessíveis se transforma em uma jornada de ansiedade, incerteza e, muitas vezes, desesperança. Este estado emocional prolongado de espera e incerteza pode ter efeitos devastadores no bem-estar psicológico dos envolvidos.

Impacto Social da Demora Legislativa

A demora na aprovação de leis e na implementação de políticas eficazes para doenças raras não afeta apenas os pacientes diretamente, mas reverbera em toda a sociedade. A falta de suporte adequado leva a um aumento na dependência de serviços de saúde já sobrecarregados e a uma maior pressão sobre as redes de apoio familiar e comunitário. Além disso, perpetua a desigualdade no acesso à saúde, aprofundando as disparidades sociais já existentes.

A Sociedade como Agente de Mudança

Frente a essa realidade, a sociedade tem um papel crucial como agente de mudança. A conscientização pública sobre as doenças raras e a necessidade de políticas eficazes são passos fundamentais para romper o ciclo de inércia. Campanhas de sensibilização, pressão sobre representantes políticos e apoio às organizações que lutam pelos direitos dos pacientes são ações que podem acelerar o processo de mudança. Como em “O Deserto dos Tártaros”, a espera pode ser interrompida por ações concretas e coletivas, transformando a esperança em realidade.

Este segmento explorou as profundas consequências emocionais e sociais da demora legislativa e administrativa no tratamento das doenças raras no Brasil, destacando a necessidade de ação e envolvimento da sociedade. A metáfora de Buzzati nos lembra que, embora a espera possa parecer interminável, o potencial para mudança e ação existe e está nas mãos da coletividade.

No segmento final, faremos uma reflexão sobre como a literatura, através de obras como “O Deserto dos Tártaros”, pode inspirar ações reais e efetivas na luta contra a inércia na saúde pública, particularmente no que diz respeito às doenças raras.

É favorito da vida dele e da minha também!

Literatura, Política e Ação no Contexto das Doenças Raras

No fechamento desta análise, inspirada em “O Deserto dos Tártaros”, consideramos como a literatura pode ser uma força motriz para a compreensão e ação no mundo real. A obra de Buzzati, com sua metáfora da espera e do tempo que se esvai, oferece uma lente poderosa através da qual podemos examinar a inércia na saúde pública, particularmente no tratamento das doenças raras no Brasil.

O Artigo de Muniz Sodré e a Política Brasileira

A recente publicação de Muniz Sodré na Folha de S. Paulo, intitulada “A Tribuna Sem Sentido”, traz um olhar crítico sobre a política brasileira atual. Sodré argumenta que, sem debates relevantes, decisões são tomadas nos bastidores por líderes de bancadas, e a voz dos eleitores raramente é ouvida. Esta análise pode ser aplicada ao contexto das doenças raras, onde a falta de representatividade real e a inércia política contribuem para a demora na implementação de políticas eficazes.

O Legado de Mário Juruna e a Representatividade

O exemplo do deputado federal Mário Juruna, citado por Sodré, ilustra a importância da representatividade autêntica. Juruna, ao discursar em xavante na Câmara, rompeu com o silêncio habitual e trouxe uma voz genuinamente representativa para o plenário. Esta ação simbólica sugere que mudanças significativas na política e na saúde pública podem ocorrer quando vozes autênticas e representativas são ouvidas, rompendo com a inércia usual.

A Ação Coletiva e a Mudança

Assim como a literatura nos inspira a refletir sobre a condição humana e a passagem do tempo, ela também pode motivar ações concretas. No contexto das doenças raras, isso implica em promover uma maior conscientização, pressionar por representatividade real no legislativo e exigir políticas públicas efetivas. A sociedade, inspirada por histórias e realidades, pode se unir para transformar a espera interminável em ação efetiva, alterando o curso desta narrativa.

No Forte Bastiani, apesar de nada acontecer no que se deveria esperar de uma fortaleza, rituais e gestos cerimoniais preenchem a vida da tropa.

Conclusão

Através da análise de “O Deserto dos Tártaros” e da reflexão sobre a política atual, percebemos a importância da literatura e da representatividade autêntica na luta contra a inércia na saúde pública. A história de Giovanni Drogo, a espera pelos tártaros e a crítica de Sodré ao atual sistema político se entrelaçam, ilustrando a necessidade de ação, voz e mudança no tratamento das doenças raras no Brasil.


Nota de Transparência: Este artigo foi inicialmente gerado com o auxílio de tecnologias avançadas de Inteligência Artificial (IA), visando otimizar o processo de pesquisa e escrita. No entanto, é importante destacar que todo o conteúdo foi rigorosamente revisado e editado por um pesquisador em saúde pública especializado em doenças raras. Nosso compromisso com a precisão e a qualidade da informação permanece inabalável, e a supervisão humana qualificada é uma parte essencial desse processo. A utilização da IA é parte do nosso esforço contínuo para trazer informações atualizadas e relevantes, sempre alinhadas com os mais altos padrões éticos e científicos.

1 comentário em “O Deserto dos Tártaros: Uma Metáfora para a Inércia em Doenças Raras”

Deixe um comentário

error: Corta e cola, não!
Verified by MonsterInsights