Meu cãozinho azul

WELTON CORREIA ALVES

Não se deve comprar um cãozinho, mas comprei com a certeza de que adquiri o melhor, mais robusto e que, certamente, necessitaria de menos vigilância no dia-a-dia. Foi uma correta decisão e posso afirmar que não me arrependo.

Seguiu-me em todos os lugares. Se viajava para outros países, e em todo Brasil, lá estava ele. Sempre pronto e alerta, vivo e esperto, e num pequeno contato, sua presença fazia-se notar. Supria minhas necessidades e cuidava, com muito afinco, como se da família e íntimo fosse. Meu companheiro, que manteve minhas incursões pelo mundo com desempenho de um atleta.

Companheiro presente, na labuta do consultório, pelos corredores do hospital, em todos os lugares, desde os mais finos salões, passando por restaurantes e até naquele quiosque de cachorro quente da esquina. Que amigo!

As crianças ficavam curiosas quando passávamos por elas nos corredores dos supermercados e shoppings-centers da cidade, da Zona sul a Oeste. Já estivemos juntos em todos os pontos turísticos da nossa ‘cidade maravilhosa’ do Rio de Janeiro. Somente não vamos à praia, pois ele tem fobia à água. Mas na piscina estava junto, ele na borda e, eu, com o neto e o filho, a esbaldar-me na água fresca e no sol carioca.

Acredite, também estava presente e ‘ligado’ quando estive internado e, por duas vezes, fui submetido às cirurgias de catarata. Lá estava ele trazendo o conforto do apoio amigo e infalível. Olhava para ele e sentia confiança. Sabia que tudo daria certo. E deu! Bastava que eu acompanhasse a sua respiração e, com confiança e segurança, enchia meu peito e esvaziava. Enchia e esvaziava! Que suporte! Até no dentista vamos juntos, sendo ele a garantia de boca aberta por longos e intermináveis minutos.

Meu querido cãozinho azul!

Ligados um ao outro através de um acessório, uma mangueira/traquéia.

E lá íamos nós, mundo afora. Que saudade terei de seu discreto ruído, dos alertas altivos que avisavam que algo não ia bem e que precisava de minha atenção.

Desculpe-me se algumas poucas vezes deixei de lavar seu filtro. Apesar disso, não o via reclamar. Recarregava-o de energia sempre que era alertado. Foi um relação azeitada na confiança e cuidado recíprocos.

Apesar de toda sua atenção a mim dedicada, um dia, percebi que algo não ia bem. De olho no cuidado de meu cãozinho azul, constatei que algo corroía suas entranhas. Há três anos ainda não tinha sido diagnosticado, mas durante a pandemia chegou-se ao definitivo diagnóstico. Seu fim chegara e você, meu querido cãozinho azul, precisaria ser substituído pelo irmão mais moço.

Chamam de “recall”.

Posso afirmar que tive uma relação íntima com uma das mais importantes máquinas que a ciência e a tecnologia humana criaram. Sinto um duro golpe e um pedaço do meu coração e pulmões se vai para nunca mais voltar. Meu amigo tem data e hora para partir.

Trilogy 100, o “querido cãozinho azul”, já tem lugar de destaque na casa do Welton.

Sei que em breve estarei adaptado ao seu irmão mais novo Trilogy EVO, mas gostaria muito de mantê-lo junto ao seu irmão mais velho, S/T, que me resgatou do leito de morte em 1995. Ainda o guardo até hoje. E, pasmem. Funcionando!

A minha história com a Doença de Pompe, hoje aos 67 anos de idade, se confunde e não pode ser separada da marca Philips/Respironics.

Por isso, minha singela homenagem a esta marca mundial que teve a capacidade e honestidade de confirmar um defeito, muitas das vezes imperceptível à maioria dos usuários de seus CPAPs e BIPAPs ao redor do mundo, e promover um recall mundial de suas preciosas máquinas que fornecem suporte respiratório e qualidade de vida aos seus milhares de usuários.

Meu querido cãozinho azul que atende pelo nome Trilogy 100 vai se aposentar no dia 27 de dezembro de 2021.

Mais uma data triste para carregar no coração desse seu usuário, admirador e amigo pomposo.

Rogo à Philips que o deixe ficar e inaugure o acervo do Museu de “respiradores” que salvaram muitas vidas brasileiras nos últimos anos.

Obrigado, meu querido companheiro!

Vá com o “Deus das Máquinas” para o mundo dessas maravilhas que fizeram a diferença entre os humanos.

Gostou da história do Welton?

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Welton é médico e paciente com Doença de Pompe

1 comentário em “Meu cãozinho azul”

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