Cláudio Cordovil

‘Dividir e Conquistar’ e o impacto na luta em doenças raras

Como blogueiro com um grande interesse nas interseções entre história, política e cultura pop, o tópico de hoje nos leva ao intrigante mundo da estratégia de ‘dividir e conquistar’.

Essa tática milenar, frequentemente associada aos reinos de poder e controle, tem sido um tema recorrente ao longo da história e continua a encontrar seu caminho em nossas narrativas modernas através de várias formas de mídia.

Convido você a uma viagem pelo tempo para vermos como essa estratégia se desenvolve em cenários do mundo real, e como tem sido vividamente retratada no mundo do entretenimento.

Olhar Histórico: O Impacto Real de ‘Dividir e Conquistar’

A história está repleta de exemplos do emprego desta estratégia .

O Império Romano, por exemplo, utilizou essa tática magistralmente para estender e manter sua colossal influência. Mas, como a história mostra, esses ganhos de curto prazo muitas vezes levaram a problemas de longo prazo, contribuindo significativamente para o eventual declínio do império.

No contexto mais moderno, a África colonial sentiu o fio afiado desta estratégia, com as potências europeias plantando sementes de divisão que levaram a conflitos duradouros e desafios na construção de nações. Um exemplo marcante é o contemporâneo Genocídio de Ruanda, que pode ser rastreado até essas políticas coloniais.

O Genocídio de Ruanda

A partilha do Subcontinente Indiano em 1947 também serve como um lembrete pungente dos efeitos devastadores dessa estratégia, um legado do colonialismo britânico. Essa decisão levou a migrações em massa e conflitos, cujos ecos ainda são sentidos na geopolítica da região.

Através do Prisma da Cultura Pop: ‘Dividir e Conquistar’ no Entretenimento

Agora, vamos mudar de foco e ver como esse tema se reflete na cultura popular, onde muitas vezes assume uma forma mais dramatizada e às vezes sinistra.

Trailer de House of Cards

Dramas políticos como “House of Cards” ou sagas épicas como “Game of Thrones” apresentam personagens empregando esta estratégia com uma mistura de astúcia e brutalidade. Essas narrativas, embora fictícias, oferecem uma janela para o mundo complexo e muitas vezes moralmente ambíguo da política de poder.

O gênero distópico, através de clássicos como “1984” ou “Jogos Vorazes”, apresenta uma representação contundente de governos usando essas táticas para impor controle, destacando temas de resistência e a resiliência do espírito humano.

Os gêneros de super-heróis e fantasia também não ficam de fora. Aqui, os vilões frequentemente tentam fragmentar as forças do bem, mostrando a batalha atemporal entre unidade e divisão.

Trailer de Jogos Vorazes

Um exemplo emblemático: A vida associativa em doenças raras imita a arte?

A estratégia de “dividir e conquistar” na cultura popular é frequentemente retratada de maneira dramática e intrigante, e um exemplo clássico pode ser encontrado na figura de Don Corleone, no icônico filme “O Poderoso Chefão”.

Don Corleone, interpretado magistralmente por Marlon Brando, é o patriarca de uma família mafiosa e usa a estratégia de ‘dividir e conquistar” de maneira astuta para manter o controle e o poder.

No filme, Don Corleone manipula as rivalidades entre as diferentes famílias da máfia, enfraquecendo seus inimigos e fortalecendo sua própria posição.

Ele faz isso através de uma série de movimentos estratégicos, que incluem acordos, alianças e, às vezes, até mesmo incitando conflitos entre seus adversários. Essas ações refletem a essência da estratégia de ‘dividir e conquistar’, onde o poder é mantido e ampliado através da criação e exploração de divisões entre os outros.

Este exemplo de Don Corleone em “O Poderoso Chefão” é um dos muitos na cultura popular que ilustra como a estratégia de ‘dividir e conquistar’ pode ser usada de forma eficaz para controlar e manipular situações em benefício próprio, ao mesmo tempo em que destaca as complexidades morais e éticas dessa abordagem.

Cena de O Poderoso Chefão

Uma Reflexão Sobre ‘Dividir e Conquistar’

Essas narrativas históricas e fictícias oferecem mais do que apenas entretenimento ou lições do passado. Elas são um espelho para as complexidades da natureza humana e da política.

A estratégia , embora eficaz a curto prazo, muitas vezes leva a consequências negativas a longo prazo, um tema consistentemente ecoado tanto nos anais da história quanto nos domínios da cultura popular.

À medida que testemunhamos essas narrativas se desdobrarem, seja através das páginas da história ou das telas de nossos programas favoritos, elas servem como um lembrete do poder da unidade e dos perigos da divisão. Seja nos corredores de impérios antigos ou nos mundos fictícios do cinema, a mensagem permanece clara: a união é força, a divisão é queda.

‘Dividir e conquistar’ e seu impacto destrutivo na luta por direitos

No contexto do associativismo em doenças raras no Brasil, particularmente a cisão entre coalizões de associações de pacientes (francamente estimulada por uma delas) , as implicações do emprego de estratégias do gênero’ podem ser profundas, especialmente no que diz respeito aos processos democráticos e à justiça social.

Correlação com Exemplos Históricos e Culturais de ‘Dividir e Conquistar’

  1. Fragmentação dos Esforços de Advocacy: Assim como os exemplos históricos de ‘Dividir e Conquistar’ mostraram, uma divisão entre coalizões de associações de pacientes pode levar à fragmentação dos esforços de advocacy.

Esta fragmentação é semelhante às divisões fomentadas na África colonial ou durante a Partilha da Índia, onde cisões cultivadas externa ou internamente enfraqueceram os esforços coletivos e levaram a conflitos e ineficiências de longo prazo.

2. Influência Política Diluída: Na cultura popular, muitas vezes vemos como grupos divididos lutam para alcançar seus objetivos contra uma oposição mais unificada. Em um cenário real, se as associações de pacientes e suas coalizões estiverem divididas, sua influência no cenário político pode ser diluída. Isso pode levar a um lobby menos eficaz por políticas que atendam às necessidades daqueles com doenças raras, refletindo as posições enfraquecidas de grupos rachados em contextos históricos.

Implicações para a Democracia e Justiça Social no Brasil

1. Representação Enfraquecida na Formulação de Políticas: A democracia prospera com vozes diversas se unindo para formar um diálogo coeso. A divisão entre essas associações e coalizões pode levar a uma representação enfraquecida de pacientes com doenças raras na formulação de políticas, semelhante às consequências vistas em sociedades divididas na história.

2. Efetividade Reduzida no Advocacy: A força do advocacy está na união. Uma frente dividida pode resultar em efetividade reduzida, muito parecido com os esforços de resistência fragmentados retratados em narrativas distópicas. Isso poderia impedir o progresso na obtenção de melhores políticas de saúde e apoio para pacientes com doenças raras.

3. Potencial para Manipulação: Assim como ‘dividir e conquistar’ tem sido usado como uma ferramenta política para manter o poder em relatos históricos e fictícios, há um risco de que entidades externas (como grupos políticos ou outras organizações) possam explorar essas divisões em benefício próprio, o que poderia marginalizar ainda mais os interesses dos pacientes com doenças raras.

4. Impacto na Conscientização Pública e no Apoio: O sucesso do advocacy muitas vezes depende do apoio público. Divisões dentro da comunidade de associações de pacientes podem levar a mensagens inconsistentes e redução da conscientização pública, semelhante à forma como as divisões são exploradas em dramas políticos.

5. Criando uma Frente Unificada para Maior Impacto: Tirando proveito dos aspectos positivos da competição colaborativa na cultura popular, essas associações e coalizões poderiam se beneficiar ao focar em suas forças únicas enquanto colaboram em objetivos compartilhados. Esta abordagem unificada provavelmente seria mais eficaz na defesa de políticas, financiamento de pesquisas e aumento da conscientização pública.

Concluindo, embora as táticas de ‘dividir e conquistar’ possam oferecer vantagens de curto prazo para associações e coalizões individuais, a longo prazo, tendem a enfraquecer os esforços coletivos e minar os processos democráticos.

Para as associações de pacientes no Brasil, fomentar um espírito de colaboração e união, ao mesmo tempo que reconhecem e respeitam suas diferenças únicas, poderia levar a um progresso mais substancial no campo das doenças raras.

Esta abordagem não apenas se alinha aos princípios democráticos, mas também garante uma voz mais forte e coesa na defesa das necessidades e direitos daqueles com doenças raras.

3 comentários em “‘Dividir e Conquistar’ e o impacto na luta em doenças raras”

  1. Como o próprio texto relata, essas divisões são um espelho das complexidades da natureza humana e, como tal, é sabido que muito mais contributivo com o crescimento e desenvolvimento de ideias é a diversidade ao invés da uniformidade. Ideias diferentes e que se contrapõem ou que se complementam contribuem para maior amplitude do espectro de visão e, consequentemente a decisões embasadas em um panorama mais amplo, o que se faz fundamental, dada a complexidade do tema das doenças raras e do ser humano por si mesmo.
    Considerando isto, há também um fator positivo nestas divisões, ou vários. Levando -se em conta que 1 única instituição pode não ter a visão, estratégia ou know how adequados e suficientes para o advocacy de determinada causa e ainda que, ideias advindas de 2 fontes podem ser complementares e não divergentes, podemos afirmar que a divisão não necessariamente traz consequências negativas.
    Faz se ainda mais importante analisar o grau de maturidade e competência da atuação destas instituições do que generalizadamente afirmar que, por estarem duas ou mais associações lutando pela mesma causa, elas estejam divididas.

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    • O racha entre duas coalizões de associações de pacientes pode parecer interessante a curto prazo para quem o estimula. A médio prazo solapa as bases da democracia, reduz a resolutividade do movimento, faz uns se locupletarem ainda mais dos rendimentos da industria pela eliminação da ‘concorrência’. A história está repleta de exemplos do desastre suscitado para os liderados do emprego desta estratégia. Transformam-se em bucha de canhão em guerras fratricidas e as pífias conquistas do movimento no Brasil estão aí a demonstrar o desserviço à democracia representado por tal estratégia. Intrigas, ódio e maledicência alimentam a sanha dos gananciosos. Além de tudo, tais praticas estimulam uma espécie de coronelismo genético, tal como aquele coronelismo em voga no Brasil até a década de 30.

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  2. Enquanto as associações ficarem caladas diante do ditador, por medo, insegurança, o mal irá persistir. Elas só não enxergam que são usadas e esfoladas por quem muito promete e intimida, e ao final do dia, usa a força que o intimidado tem (e ele tem, mas fizeram-no acreditar que não são nada sem o ditador), em único e exclusivamente benefício próprio.
    E aqui fica uma frase muito forte:
    “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons” – Martin Luther King.

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