Cláudio Cordovil

Análise de Custo-efetividade: Cinco alternativas mais justas


Uma antiga canção de Billy Blanco dizia:

O que dá pra rir dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida

Este parece ser o caso dos métodos alternativos de Análises de Custo-efetividade de tecnologias em saúde, que tentam superar o caráter discriminatório de medidas como o QALY, quando tem-se que decidir sobre tratamentos para pessoas com doenças raras, com deficiências, idosas, ou mesmo com doenças crônicas graves.

Abaixo destacamos metodologias alternativas que eventualmente podem até empregar o QALY, mas com algumas adaptações. O problema com tais metodologias é que ainda estão em caráter preliminar de desenvolvimento . “O que dá pra rir, dá pra chorar. Questão só de peso e medida”.

  • A análise de custo-efetividade padrão (CEA), aquela que utiliza anos de vida ajustados pela qualidade (QALY), e que é empregada pela CONITEC para deliberar sobre a incorporação de tecnologias de saúde ao SUS, tem sido criticada. Isto porque ela confere menor valor a medicamentos e tratamentos que prolongam a vida de pessoas com deficiências ou doenças crônicas, em comparação com aquelas sem tais condições.
  • A utilização dessa metodologia tem levado a restrições de acesso a medicamentos e tratamentos para pessoas com deficiências e doenças crônicas em sistemas de saúde, como o NHS/NICE no Reino Unido, resultando em preocupações sobre seu caráter discriminatório.
  • Recomenda-se que tanto sistemas de saúde públicos quanto planos de saúde ou seguros-saúde privados considerem a adoção de métodos alternativos, como análises de custo-benefício e abordagens de valor baseadas nas preferências dos pacientes, para determinar o valor de medicamentos e tratamentos com receita, garantindo uma perspectiva mais equitativa e não discriminatória.
  • Ainda assim, é fundamental que tais alternativas sejam desenvolvidas com preocupação de evitar possíveis formas de discriminação e que pesquisas contínuas sejam apoiadas (pelo PPSUS, por exemplo, como veremos mais adiante) para aprimorar essas metodologias, buscando promover uma distribuição mais justa dos recursos de saúde.

Destacamos cinco metodologias alternativas em desenvolvimento, que merecem atenção das associações de pacientes e da sociedade em geral, visando zelar pelos seus direitos.

Igual Valor dos Anos de Vida Ganhos (Equal Value of Life Years Gained -evLYG)

Em 2018, o Institute for Clinical and Economic Review (ICER) dos EUA introduziu a métrica Igual Valor dos Anos de Vida Ganhos (evLYG) como uma alternativa ao QALY. Desde então, incorporou-o em sua Abordagem de Avaliação de Valor 2020–2023 como um componente de todas as novas avaliações de tecnologias de saúde (ATS) realizadas pelo ICER.

Funciona mais ou menos assim. Se um tratamento acrescenta um ano de vida a uma população de pacientes vulneráveis (p. ex., indivíduos com câncer, esclerose múltipla, diabetes, epilepsia ou uma deficiência vitalícia grave), esse tratamento receberá o mesmo evLYG que outro que acrescenta um ano de vida a membros mais saudáveis ​​da comunidade.”

Pontos fortes: A evLYG atribui igual valor à extensão da vida em diferentes populações, independentemente da qualidade de vida, tornando-se uma medida mais inclusiva para pacientes vulneráveis.
Pontos fracos: A evLYG foi criticada por não levar em consideração as melhorias na qualidade de vida, focando apenas na extensão da mesma. Isso poderia não refletir totalmente o valor percebido pelos pacientes. No entanto, estudo posterior desmentiu tal informações. Mais estudos são necessários para que se chegue a uma conclusão sobre o método.

Anos de Saúde Total (Health Years in Total – HYT)

Pesquisadores da Universidade de Washington propuseram este método em 2019 para superar as limitações do QALY, do EVL e do evLYG. O HYT utiliza uma abordagem adicional para desagregar os efeitos na expectativa de vida dos impactos na qualidade de vida. Isso permite que pacientes com baixa qualidade de vida se beneficiem plenamente de intervenções que prolongam a mesma.


Pontos fortes: O HYT aborda as limitações do QALY e do evLYG, permitindo que pacientes com menor qualidade de vida se beneficiem plenamente de intervenções que prolongam a expectativa de vida.
Pontos fracos: O HYT ainda está em desenvolvimento e requer mais pesquisas para entender sua aplicação prática. A medição precisa do impacto na qualidade de vida para além do envelhecimento pode ser algo desafiador. O HYT é visto como uma alternativa promissora ao QALY e ao evLYG, mas requer críticas, desenvolvimento, aplicação e testes adicionais para seu aprimoramento.

Fronteira de eficiência (Efficience Frontier – EF):

Uma alternativa à análise de custo-efetividade convencional é a Fronteira de Eficiência (EF), que usa medidas específicas para cada situação. Cada caso é um caso.

Isso porque ela faz uma comparação entre custo e valor oferecido por um novo medicamento e o valor oferecido por medicamentos existentes para a mesma condição clínica.

Gera-se um gráfico de eficiência que mostra os resultados e os custos específicos dos medicamentos existentes: custos no eixo horizontal; valores de benefícios no eixo vertical. Depois disso, o novo medicamento é avaliado em termos de “custo por unidade de benefício” em comparação com os tratamentos mais eficientes existentes: ou seja, aqueles que estão na fronteira. Isso vai servir para determinar a taxa máxima de reembolso para um tratamento específico, ou, em outras palavras, determinar o preço pelo qual ele seria igualmente eficiente.

Os tratamentos que se revelarem abaixo da fronteira de eficiência exigirão uma explicação adicional para sua incorporação a um sistema público de saúde, por exemplo, ou para uma redução de preço.

Além disso, como todas as métricas de custo-efetividade, sua utilidade depende de obter-se os detalhes precisos da condição, para se avaliar os resultados relevantes para as pessoas que sofrem com a condição em tratamento.


Pontos fortes: A Fronteira de Eficiência oferece uma abordagem clara e transparente para determinar a eficiência de um tratamento específico, levando em consideração o valor proporcionado por medicamentos existentes para a mesma condição clínica. Além disso, o QALY não é necessário para avaliar os benefícios de um tratamento.

Pontos fracos: A Fronteira de Eficiência não permite comparações diretas entre diferentes condições de saúde. Sua dependência da eficiência de medicamentos existentes pode limitar sua aplicação nas áreas terapêuticas com pouca inovação recente. A FE examina apenas um benefício do tratamento de saúde por vez, o que significa que existem várias fronteiras, ou a soma de vários benefícios em uma única pontuação. Não consegue levar em consideração os benefícios de um novo tratamento que não estejam incorporados nesta ou naquela medição já existente devido ao fato de nelas se basear.

Custo-efetividade Ajustado ao Risco Generalizado (Generalized Risk-Adjusted Cost-Effectiveness-GRACE):

Os autores da abordagem GRACE conseguiram demonstrar que este método implica limiares de custo-efetividade mais generosos para doenças mais graves. Dessa forma, o GRACE atribui maior valor aos ganhos na qualidade de vida para pessoas com deficiências, porque parte do pressuposto (correto de acordo com pesquisas sociológicas) que pessoas com deficiência estariam mais dispostas a assumir riscos maiores em comparação a pessoas sem deficiência, em nome de um benefício. Ainda que este benefício lhes proporcionasse uma qualidade de vida inferior ao das pessoas sem deficiência, diante da opção por um tratamento.

A abordagem busca incorporar a incerteza nos resultados de saúde ao modelo, usando um “QALY generalizado ajustado ao risco”. Isso é um detalhe importante. Diferentemente dos métodos tradicionais que tentam domar o risco, esta abordagem abraça o risco, digamos assim, pois a fórmula empregada para calcular custo-efetividade na abordagem GRACE implica que pessoas com “baixa qualidade de vida” estariam mais dispostas a abrir mão da maior expectativa de vida em nome de uma melhor qualidade da mesma.

Assim, a abordagem GRACE incorpora a deficiência permanente em sua formulação, bem como uma ampla gama de preferências de risco.

GRACE tem evoluído ao longo do tempo e verificado que a deficiência sempre aumenta a disposição a pagar por qualidade de vida nos pacientes, até mesmo em detrimento de sua extensão.

De posse destes achados, seria interessante observarmos um incremento nos estudos rigorosos sobre perspectivas da preferência de pacientes com deficiência (e outros).

A FDA já ouve pacientes para avaliar o risco que estão dispostos a assumir por um tratamento que acreditam que melhorará sua qualidade de vida. E incorpora suas perspectivas aos processos decisórios.

Está na hora de acabar com o paternalismo regulatório que, sob o pretexto de proteger pessoas de riscos que muitas vezes até nem se materializarão, toma decisões por elas. Sem sequer ouvi-las sobre o quanto de risco estariam dispostas a suportar para obter um ganho qualquer em qualidade de vida.

Pontos fortes: O GRACE supera as limitações da CEA tradicional, permitindo uma análise mais abrangente e considerando as preferências individuais dos pacientes em relação ao risco e qualidade de vida.
Pontos fracos: O GRACE requer melhores dados, incluindo novas estimativas de atitudes em relação ao risco nos resultados de saúde. Além disso, é necessário explorar mais como a formulação do GRACE aborda as preocupações discriminatórias associadas ao QALY. Esta abordagem possui suas próprias limitações, destacando-se a necessidade contínua de melhores dados, incluindo novas estimativas de atitudes em relação ao risco nos resultados de saúde.

Assim como Análise de Custo-Efetividade tradicional, o método GRACE atualmente se baseia em utilidades de saúde de um “indivíduo representativo” que não necessariamente incorpora questões como desigualdades em saúde, sobre as quais os autores sugerem pesquisas futuras.

Assim como a abordagem HYT, o GRACE se beneficiaria com o uso de utilidades de saúde baseadas em instrumentos de pesquisa mais abrangentes e com a contribuição de um grupo mais amplo de stakeholders, incluindo pessoas com deficiências de longo prazo e aquelas com doenças crônicas.

Carga Aumentada pela Mortalidade e Impacto (Burden Augmented by Deadliness and Impact-BADI)

Esta é uma medida de benefício à saúde que visa examinar como uma doença reduz o tempo de vida (mortalidade) e aumenta as consequências negativas na qualidade de vida (impacto).

A medida de mortalidade prioriza as urgências e doenças mais graves na vida, enquanto o impacto mede a qualidade de vida pior do que a esperada devido ao envelhecimento.

Mais pesquisas sobre o impacto do envelhecimento sem doenças são necessárias. Mais experiência com BADI é necessária para melhor compreensão de suas limitações e implicações.

Pontos fortes: O BADI aborda os efeitos de letalidade e impacto das doenças, buscando equilibrar a valoração dos ganhos em qualidade de vida e expectativa de vida. Não é uma medida discriminatória porque trata exclusivamente do impacto desta ou daquela doença e não requer um método específico para medir a eficácia das intervenções.
Pontos fracos: O BADI ainda não foi amplamente testado e requer mais pesquisas para sua aplicação prática. É necessário acumular experiência com essa medida para descrever suas limitações práticas e implicações distributivas.

Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS)

Como se vê, em comum a todas as iniciativas que buscam remediar os problemas das Análises de Custo-Efetividade convencionais, está o grau aparentemente incipiente dos estudos em que se amparam até este momento.

A solução possível para este problema em território nacional seria um edital que induzisse pesquisas sobre tais métodos sob a égide do PPSUS. Através do PPSUS poder-se-ia garantir certa independência nas pesquisas em terreno clivado por interesses de todos os matizes, confessáveis ou não.

Segue abaixo um FAQ sobre o PPSUS.

1. Quais são os objetivos do Programa Pesquisa para o SUS?

Os objetivos do PPSUS são financiar pesquisas em temas prioritários para a saúde da população brasileira, promover a aproximação dos sistemas de saúde, ciência e tecnologia locais, reduzir as desigualdades regionais na ciência, tecnologia e inovação em saúde, e promover a equidade.

2. Quem coordena o PPSUS?

O PPSUS é coordenado pelo Ministério da Saúde (MS), por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (Decit/SCTIE), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as Fundações de Amparo/Apoio à Pesquisa (FAP) e as Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e as Secretarias de Ciência e Tecnologia (SECT).

3. Como o PPSUS contribui para a redução das desigualdades regionais?

O programa contribui para a redução das desigualdades regionais ao financiar pesquisas nas diferentes Unidades Federativas (UF) do Brasil, levando em consideração as peculiaridades e especificidades de cada região, promovendo a equidade e fortalecendo a pesquisa local.

4. Qual é a importância do modelo de gestão descentralizado e participativo do PPSUS?

O modelo de gestão descentralizado e participativo do PPSUS envolve gestores, profissionais de saúde, pesquisadores e representantes da sociedade civil, criando uma abordagem colaborativa e inclusiva para o desenvolvimento científico e tecnológico em saúde.

5. Como o PPSUS contribui para o fortalecimento da pesquisa local?

Ao financiar pesquisas em temas prioritários e promover a aproximação dos sistemas de saúde, ciência e tecnologia locais, o PPSUS contribui para aumentar a experiência e a produção científica dos pesquisadores locais, tornando-os mais competitivos em âmbito nacional.

Conclusão


As alternativas à análise de custo-efetividade discutidas apresentam diferentes abordagens para corrigir as questões de distribuição e valorização dos ganhos de vida. E evidenciam o caráter discriminatório de medidas como o QALY, para com pessoas com deficiência ou doenças raras.

As Análise de Custo-efetividade convencionais e o QALY tem sido adotados como padrão-ouro pela Conitec. Espera-se que a volta de um governo democrático ao país propicie uma reavaliação profunda de suas práticas em nome da equidade em saúde, diretriz cardinal do SUS.

Embora cada uma das abordagens apresentadas tenha suas vantagens e desafios, é importante considerar suas limitações específicas ao aplicá-las.

Ao adotar abordagens mais inclusivas, podemos garantir um acesso mais justo e igualitário aos cuidados de saúde.

Uma solução para reduzir as lacunas de conhecimento nacional em tais metodologias seria a criação de um edital temático no PPSUS tendo este tema como objeto.

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