Cláudio Cordovil

Afinal, a Conitec é transparente?

MBE, transparência

Tiago Farina Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia, tem realizado uma interessante campanha informal, reivindicando que a Conitec dê acesso irrestrito, seja virtual ou presencial,  a suas reuniões plenárias para pacientes, vinculados a associações ou não.  Quer maior transparência na tomada de decisões desta Comissão. O blog Academia de Pacientes resolveu aceitar o desafio de Tiago e verificar como a mais respeitada agência de Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS) do mundo lida com o assunto.

Em post recente em seu perfil no Facebook, Tiago informa que em sua 61ª Reunião, realizada em novembro de 2017, os membros do Plenário da Conitec “concordaram em só manter o acesso de alguns poucos convidados e autorizados a apenas uma pequena parte da reunião, a parte em que o solicitante da incorporação apresenta o seu ponto de vista”. Na avaliação de Tiago, do modo como deliberou a Conitec na reunião, “feita a apresentação (protocolar), todos os participantes da sociedade civil devem sair da reunião para o que os 13 membros possam discutir o assunto a portas fechadas”.

De fato, na ata da referida reunião,  consta a seguinte informação:

Quanto à participação de usuários ou representações de usuários no plenário da CONITEC, concordou-se que ela pode continuar sendo feita por meio de convite da Secretaria-Executiva da Comissão. Nos casos em que o pedido partir dos usuários ou representações, conforme já ocorre, a participação dessas pessoas poderá ser autorizada como ouvinte, e exclusivamente, no momento da apresentação do tema de interesse.

Pois bem, como o National Institute for Health and  Clinical Excellence (NICE)  lida com estas questões?

Antes de mais nada, convém apresentá-lo. Na verdade ele é tudo que a Conitec gostaria de ser quando crescesse. Criado em 1999, para realizar a apreciação de tecnologias em saúde na Inglaterra e País de Gales, o NICE é um instituto que analisa relatórios de Avaliações de Tecnologias em Saúde geralmente produzidos (comissionados) pelo Health Technology Assessment (HTA) Programme. Surgido em 1993, este programa subsidia o National Health System (o SUS britânico) “na produção de avaliações científicas sobre as vantagens e desvantagens de tecnologias de saúde, novas ou antigas”.

A referida organização possui quatro programas de orientação em ATS, destinados a deliberar sobre a incorporação de tecnologias de saúde ao National Health System (NHS), o SUS britânico.

  • O de Avaliações de Tecnologias (Technology appraisalsTA), que se destina a avaliar medicamentos em geral com autorização para comercialização;
  • O de Tecnologias Altamente Especializadas (Highly Specialised Technologies – HST) , que avalia medicamentos para doenças ultrarraras (reconhecendo formalmente que não se podem aplicar métodos convencionais de ATS para avaliar medicamentos órfãos, ao contrário do que faz a Conitec);
  • O de Tecnologias Médicas, que avalia novos dispositivos médicos ou já existentes; e
  • o de Diagnósticos, destinado a avaliar novas tecnologias diagnósticas.

O NICE leva tão a sério a participação de pacientes e familiares cuidadores em todos os seus processos de trabalho que possui uma equipe de quatro funcionários exclusivamente dedicada a apoiar e aconselhar a agência sobre envolvimento público e de pacientes em todas as suas atividades: o Public Involvement Programme (PIP). O PIP ajuda a identificar, treinar e apoiar leigos e organizações para que se envolvam em toda orientação dada ao público por aquela agência. O PIP observa as políticas de envolvimento público da instituição, que estão fartamente documentadas ; e seus princípios fundamentais estão expressos na Carta da NICE.

A participação de pacientes e familiares nos processos do NICE é bem mais ampla do que aquela observada na Conitec. E não se tratam de atividades proselitistas, de propaganda ou relações públicas da instituição, onde a verdade dos fatos muitas vezes é deixada em segundo plano.

No NICE, suas atividades incluem a possibilidade efetiva (e não ‘para inglês ver’) de submissão de pedidos de avaliação de tecnologias em saúde da parte de associações de pacientes, participação na definição do escopo das ATS, participação como observador público ou como paciente especialista (expert patient) em reuniões do comitê (equivalente às Plenárias da Conitec) , em consultas públicas e em processos de apelação (por discordância com os pareceres aprovados pelo NICE). Em cada reunião de comitê do NICE, dois membros leigos estão sempre presentes.

É importante destacar que todas as decisões envolvendo ATS no NICE são tomadas por comitês consultivos independentes, coisa que está longe de acontecer no Brasil. A Plenária da Conitec é predominantemente formada por pessoas com ligações ao governo.

Os pacientes no NICE são rotineira e concretamente envolvidos em :

  • Definição do escopo das avaliações a serem feitas
  • Coleta de evidências
  • Considerações do Plenário
  • Consultas
  • Apelações (questionamento das avaliações publicadas)
  • Publicação das ATS
  • Revisão das ATS

Aqui vamos nos deter somente na reivindicação de Tiago, a saber, a participação presencial ou virtual de pacientes ou associações de pacientes nas reuniões plenárias da Conitec. Isso acontece no NICE? De que forma?

No Reino Unido, cada tecnologia em saúde é objeto de duas reuniões de comitê: uma para discussão das evidências científicas apresentadas e outra para discussão de resultados de consultas públicas.

No NICE, cada uma destas reuniões é dividida em duas partes, uma pública (parte 1)  e outra confidencial (parte 2). Os pacientes especialistas (expert patients), especialistas clínicos e representantes da indústria farmacêutica são convidados a assistir a parte 1.

Esta sessão também é aberta a membros do público em geral. (link em inglês) É importante destacar que esta primeira parte da reunião oferece ao público presente informações substanciais (e não “protocolares”, como apontou Tiago, em sua crítica à Conitec, acima relatada). Ali os presentes recebem informações detalhadas sobre questões clínicas, questões envolvendo pacientes e, principalmente, questões acerca da custo-efetividade da tecnologia analisada.  Ninguém sai de lá de mão abanando. Não se trata de uma parte da reunião que nada acrescenta ao público presente.

Na segunda parte da reunião (confidencial) somente membros do Plenário do NICE, digamos assim, e o estafe da agência permanecem na sala. É o momento em que são discutidas informações confidenciais, sejam de caráter comercial ou acadêmico. Um primeiro rascunho das recomendações da ATS é ali elaborado.

Até onde pudemos apurar, o NICE não realiza transmissões ao vivo de suas reuniões plenárias. Também não divulga os videos das sessões plenárias a posteriori.

Fatores culturais locais poderiam impedir maior transparência

E aqui vêm alguns detalhes interessantes. Apesar de nitidamente assegurar maior transparência em seus processos de trabalho do que a sua congênere brasileira, a participação do público em geral e de pacientes nas reuniões de comitê do NICE possui regras bastante claras e rigorosas, que podem surpreender aqueles que defendem transparência absoluta e total a orgamismos desta natureza.

Para se candidatar a ser observador  público das reuniões do NICE , o(a) interessado(a) deve preencher um formulário eletrônico até 20 dias úteis antes do referido encontro. O prazo para inscrições normalmente se encerra 10 dias antes do evento. São disponibilizados até 20 assentos. Isso varia de acordo com o tamanho do lugar onde se dará o encontro. Os selecionados são contatados pelo NICE via email. A programação da reunião normalmente está disponível no site do NICE até um dia antes da referida reunião.

  • Os observadores públicos só podem observar, de fato. Não podem fazer perguntas, votar ou expressar suas opiniões para os membros da reunião de comitê.
  • Os participantes da reunião de comitê ou do estafe do NICE não podem discutir as evidências consideradas na reunião nem o resultado dos encontros com os observadores públicos.
  • Algumas destas reuniões são totalmente vedadas a observadores públicos. Cada caso é um caso.
  • Os observadores públicos não podem gravar em áudio ou video as reuniões, nem realizar transmissões ao vivo ou fotografar as sessões. No caso de serem flagrados cometendo tais atos serão convidados a se retirar do recinto.
  • As minutas das reuniões do comitê serão publicadas em versão rascunho no site do NICE, 20 dias úteis após aquele encontro.
  • Os observadores públicos não podem citar para divulgação externa o que é dito nas reuniões do comitê. Qualquer citação nesta circunstância deve se limitar ao sumário final que é usualmente fornecido pelo porta-voz do NICE ou líder do comitê. Também não pode citar o que é dito por fulano ou sicrano durante as reuniões do comitê, nem direta, nem indiretamente (omitindo o nome do autor da declaração, p. ex.) . Só pode citar mediante aprovação explícita do NICE ou autorização formal do declarante.
  • Os contatos de observadores públicos com especialistas convidados para as reuniões do comitê também são vedados nestas ocasiões.
  • Menores de 16 anos não podem participar como observadores públicos, para evitar interrupções desnecessárias.
  • Observadores públicos que não seguem as regras estabelecidas para estes encontros ou são convidados a se retirar ou são barrados em futuras reuniões do comitê.

Conclusão

Não é trivial a decisão sobre dar amplo acesso às reuniões de comitê (ou plenárias da Conitec) ao público em geral. Informações de caráter confidencial, de natureza acadêmica, econômica e política são tratadas nestas ocasiões, recomendando da parte do estafe destas organizações cautela no decidir sobre o que é informação pública ou privada.

Ainda assim, examinando os documentos do NICE , percebe-se da parte da instituição vontade política deliberada de franquear aos pacientes tudo o que pode ser franqueado, sem rigores obsessivos.

De fato, não é possivel que toda a reunião plenária da Conitec tenha que ser secreta, deixando abertas aos pacientes e seus familiares apenas aquelas migalhas de informações anódinas e ‘protocolares’ sobre as decisões. Há que se definir com rigor o que é terminantemente proibido de chegar ao público e o que é passível de ser razoavelmente divulgado.

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