Faleceu Welton Correia Alves, figura emblemática da luta pelos direitos de pacientes com doenças raras no Brasil, deixando um legado de coragem, persistência e crítica incisiva à burocracia estatal no acesso a medicamentos de alto custo. Médico pediatra e alergista (CREMERJ 52-33038-5), Welton era ele próprio um paciente com a Doença de Pompe de Início Tardio (DPIT), condição genética rara e progressiva que o transformou de profissional da saúde em um fervoroso ativista e porta-voz de milhares.
Welton foi o fundador e presidente da ABraPompe (Associação Brasileira de Pompe), usando sua dupla perspectiva como médico e paciente para articular a comunidade, carinhosamente apelidada por ele de “pomposos”, e desafiar o Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma jornada de 18 anos pelo diagnóstico
A trajetória de Welton com a Doença de Pompe é um espelho das dificuldades enfrentadas por pacientes raros no país. Ele relatou ter convivido com a doença por muito mais tempo do que a data de seu diagnóstico formal. Seus primeiros sintomas, sutis na infância e adolescência (como dificuldades em atividades físicas, intolerância a exercícios curriculares e até a perda da marcha) somaram-se às dores lombares e dificuldades respiratórias na idade adulta. Welton só recebeu seu diagnóstico definitivo em 2010, aos 53 anos, após uma peregrinação que durou pelo menos 18 anos.
A descoberta, que ele descreveu como um misto de “medo e angústia” e, em seguida, “alívio” por ser um erro do metabolismo com tratamento, marcou o início de sua Terapia de Reposição Enzimática (TRE) com alfa-alglicosidase ácida (Myozyme/Sanofi) em janeiro de 2011. Este medicamento, o único tratamento específico para a doença, já estava registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desde 2007.
A batalha contra a CONITEC: anos de luta
A luta de Welton e da ABraPompe concentrou-se na incorporação total da alfa-alglicosidase no SUS, especialmente para a forma de Início Tardio (DPIT), que representa a grande maioria dos pacientes: cerca de 80% dos acometidos são adultos.
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), criada em abril de 2011, tornou-se o principal obstáculo. A medicação de Welton e de muitos “pomposos” só era acessível por meio da judicialização, um processo que ele criticava por ser moroso, inconstante e mais caro para o Estado.
O primeiro revés ocorreu em 2019, quando a CONITEC avaliou a incorporação do medicamento e a aprovou apenas para o tratamento da Doença de Pompe de Início Precoce (DPIP), em crianças menores de um ano de idade. A justificativa para a exclusão do DPIT foi o “alto custo da terapia e o elevado impacto orçamentário”, apesar de haver consenso sobre a existência de evidências clínicas que justificavam o tratamento.
A publicação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) em agosto de 2020 foi outro ponto de grande insatisfação para Welton. Ele criticou o PCDT por excluir indevidamente os pacientes de Início Tardio, deixando de fora a maioria dos pacientes em tratamento no Brasil.
O ápice de sua participação pública ocorreu em fevereiro de 2021. Na 94ª Reunião da CONITEC, Welton Correia Alves se apresentou como paciente-testemunho. Sua intervenção foi crucial, relatando que, apesar de estar em tratamento judicializado há nove anos, ele frequentemente ficava sem doses, completando apenas oito ou nove meses dos 12 meses de tratamento prescrito anualmente. Ele enfatizou que completava 66 anos em 2021, uma longevidade alcançada “somente por força da eficácia do tratamento”.
Apesar da clareza e emoção de seu depoimento, a 95ª Reunião da CONITEC, em 03 de Março de 2021, manteve a recomendação de encaminhar a proposta à Consulta Pública com parecer desfavorável. A decisão final de não incorporação para DPIT foi mantida na 97ª Reunião da CONITEC em 05 de maio de 2021.
Welton não se cansou de confrontar os argumentos da CONITEC. Ele destacou evidências científicas robustas que mostravam uma redução na mortalidade de 59% (chegando a 79% em certas meta-análises) para pacientes com DPIT em tratamento, além da melhora ou estabilização da Capacidade Vital Forçada (CVF) e do Teste de Caminhada de 6 minutos.
Em 2021, a Sanofi, fabricante da medicação, chegou a oferecer um novo preço (R$ 1.075,02) que era 49% inferior ao preço de compra judicial. Estudos apresentados indicaram que a incorporação geraria uma economia ao SUS de até R$ 113 milhões em 5 anos, devido à redução dos custos com a judicialização e com as complicações de pacientes não tratados. Mesmo assim, a incorporação foi negada.
A luta persistiu. Em julho de 2022, o medicamento foi submetido à Consulta Pública 46/2022, na terceira tentativa de incorporação. Mais uma vez, em 31 de agosto de 2022, a CONITEC deliberou pela não incorporação, alegando “benefícios modestos do medicamento e alto impacto orçamentário”.
O legado de um “pomposo” inesquecível
Welton Correia Alves sempre defendeu que a questão era ética, e não apenas financeira ou técnica. Ele criticava o uso de critérios rigorosos, mais adequados para doenças prevalentes, aplicados a doenças raras, em que estudos robustos são naturalmente difíceis de conduzir.
Para Welton, a recusa da CONITEC em incorporar o tratamento na sua totalidade era um ato de injustiça, um desalento, e, metaforicamente, uma “sentença de morte” para os pacientes DPIT. Ele atribuiu o déficit orçamentário não aos pacientes, mas à “péssima gestão de recursos públicos” e à falta de organização nas Políticas de Saúde para os raros.
Além da batalha judicial e política, Welton foi um líder prático. Durante a pandemia de COVID-19, ele foi coautor de um estudo que defendeu a segurança e a necessidade da infusão domiciliar da TRE para pacientes de Pompe no Brasil. Essa prática, embora não coberta pelo sistema de saúde, era vital para evitar o risco de contaminação hospitalar.
Welton, que se via como um homem “caminhando” e que acreditava na importância de “manter a cabeça em pé, manter a energia”, deixa uma comunidade ativista mais forte e informada. Ele inspirou pacientes a nunca desistirem e a lutar por seus direitos.
Sua determinação inabalável, expressa em suas palavras: “Apesar da fraqueza muscular, mantemos uma forte esperança e não desistimos jamais”, é o testemunho final de um bravo combatente que dedicou seus últimos anos a garantir que a TRE, que lhe proporcionou longevidade e qualidade de vida, estivesse acessível a todos os “pomposos” do Brasil.
Meu cãozinho azul
Em 21/12/2021, publicamos uma crônica de Welton Correia Alves intitulada “Meu cãozinho azul” , na qual prestava uma tocante homenagem ao seu concentrador de oxigênio Phillips. Compartilhando sua jornada pessoal e os desafios enfrentados devido à sua condição respiratória, Welton destacou a importância do concentrador de oxigênio em sua vida diária. Sua gratidão pela tecnologia da Philips e seu impacto positivo em sua qualidade de vida são evidentes em suas palavras.
Leia a crônica de Welton


