Cláudio Cordovil

Tornar os medicamentos acessíveis — Sem ir ao tribunal

Por Tom Buis e Wilbert Bannenberg

No início deste ano, a Fundação de Responsabilidade Farmacêutica da Holanda entrou com uma ação judicial contra a gigante farmacêutica AbbVie. De acordo com a fundação, a AbbVie obteve lucros excessivos com um medicamento, colocando pressão sobre o sistema de saúde ao gerar custos desnecessários.

Agora, a AbbVie está sendo responsabilizada, mas este caso também envia uma mensagem clara aos governos de todo o mundo: em última análise, é responsabilidade deles garantir o acesso a cuidados de saúde e medicamentos acessíveis.

Os governos podem e devem tomar o controle para evitar preços extremos de medicamentos.


A ação judicial contra a AbbVie concentra-se na venda do Humira, que é aprovado para tratar artrite reumatoide e outras doenças inflamatórias. De 2004 a 2018, o sistema de saúde público holandês gastou aproximadamente 2,3 bilhões de euros neste medicamento. Isso significa que, após subtrair os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e uma margem de lucro “razoável” de 25%, a empresa obteve um lucro adicional estimado de 1,2 bilhões de euros — muito dinheiro que poderia ter sido gasto em outros cuidados. Os números globais são ainda mais impressionantes: o faturamento mundial da AbbVie foi de 208 bilhões de dólares, o que se traduz em 110 bilhões de dólares de lucro excessivo.


Tem havido muita agitação recentemente sobre os altos lucros de empresas alimentícias, como a Cargill, e de empresas de petróleo, como a Shell — mas até elas ficariam com inveja das margens de lucro do Humira. Claro, há diferenças essenciais entre os produtos oferecidos — um medicamento não é um pote de manteiga de amendoim ou uma lata de óleo de motor. Mas o acesso a cuidados de saúde e medicamentos de qualidade é uma necessidade fundamental e um direito humano.

Os Governos podem e devem tomar o controle para evitar preços extremos de medicamentos


Além disso, empresas como a Cargill e a Shell não têm monopólio sobre seus produtos, então seus preços são parcialmente determinados pela concorrência. No entanto, no período mencionado, a AbbVie tinha um monopólio sobre o medicamento Humira, o que significa que a empresa estava “livre” para definir o preço mais alto possível. Claro, não há nada de errado em obter lucro — mas não quando isso ocorre às custas dos direitos humanos. Essencialmente, as empresas farmacêuticas devem aderir aos direitos humanos, e os governos devem monitorá-las e agir para evitar violações.

No entanto, o equilíbrio de poder entre os governos e as empresas farmacêuticas há muito está desequilibrado. Quando os governos negociam o preço de um medicamento, muitas vezes não sabem por que a empresa farmacêutica cobra o preço que cobra. E sob pressão para disponibilizar medicamentos importantes aos cidadãos, muitas vezes ainda pagam quantias exorbitantes — mesmo após negociações.


Esse desequilíbrio de poder e as consequências nefastas dele não são novidade para os governos. Nesse sentido, em 2019, todos os 194 membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) adotaram unanimemente uma resolução, comprometendo-se a aumentar a transparência dos preços dos medicamentos e como esses preços são determinados. A resolução reconheceu as sérias preocupações em torno dos altos preços dos medicamentos, levando a “acesso desigual” e “dificuldades financeiras” — bem como o fato de que, por meio de uma maior transparência, os governos podem estar melhor informados ao adquirir produtos de saúde e, assim, negociar preços melhores e mais acessíveis.


Apesar da resolução, os governos têm permanecido amplamente passivos no mudar o equilíbrio de poder. Não houve progresso global substancial em direção à melhoria da transparência em relação aos preços dos medicamentos. Até o momento, nenhuma legislação nacional ou internacional que imponha a transparência dos preços foi implementada em países de alta renda.


No entanto, os países membros da OMS estão negociando novamente — desta vez para um acordo sobre como prevenir e responder a futuras pandemias. O acesso a produtos farmacêuticos é uma questão importante nessas negociações.

E essas discussões apresentam uma oportunidade.


Os governos poderiam facilmente decidir incluir um texto neste acordo que exija que as empresas farmacêuticas sejam transparentes sobre os custos e os preços líquidos dos medicamentos. Além disso, poderiam concordar em anexar condições ao financiamento público de P&D de produtos farmacêuticos, o que poderia servir como um trampolim para implementar políticas semelhantes fora de eventos pandêmicos.


A ação judicial movida contra a AbbVie é um forte lembrete de que os governos não podem se dar ao luxo de deixar essa questão de lado. Os motivos de lucro das empresas farmacêuticas colocam uma pressão intensa nos sistemas de saúde. A ação judicial ora movida por nós também mostra que nossos sistemas de saúde precisam de ações governamentais decisivas para garantir o acesso a cuidados de saúde e medicamentos acessíveis.


Os governos devem finalmente implementar a resolução da OMS sobre transparência e incluir disposições no acordo pandêmico que garantam a precificação justa dos medicamentos. Assim, não haveria necessidade de novos processos judiciais no futuro.


Tom Buis é um especialista em políticas de medicamentos da ONG Wemos. Wilbert Bannenberg é presidente da Fundação de Responsabilidade Farmacêutica.

Fonte: Make medicines affordable — without going to court / Politico

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