Em março de 2025, a Anvisa aprovou o uso do medicamento Elevidys® (nome técnico: delandistrogeno moxeparvoveque) para tratar crianças com distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma doença genética rara que afeta principalmente meninos e causa perda progressiva da força muscular. A aprovação foi recebida com esperança por muitas famílias. No entanto, pouco tempo depois, a Conitec — comissão do Ministério da Saúde responsável por decidir se o SUS deve oferecer um novo tratamento — recomendou não incorporar o Elevidys® ao SUS, por considerar que faltam provas suficientes de que o remédio funcione bem e seja seguro para todos os pacientes.
Essa diferença de opinião entre os dois órgãos levanta dúvidas importantes. Afinal, como um medicamento pode ser aprovado no Brasil, mas não ser oferecido pelo SUS? E o que isso significa na prática para os pacientes?
O que a Anvisa e a Conitec fazem — e por que avaliam diferente?
A Anvisa é responsável por avaliar se um novo medicamento pode ser vendido no Brasil. Ela analisa dados sobre a qualidade do produto, seus efeitos no corpo e se ele tem potencial para ajudar os pacientes, mesmo que ainda faltem provas completas. Em casos de doenças graves e raras, a Anvisa pode dar uma autorização condicional, ou seja, permitir o uso do remédio desde que a empresa continue estudando e enviando mais informações no futuro. Foi o que aconteceu com o Elevidys®: a agência aprovou o medicamento com exigência de monitoramento pós-comercialização.
Já a Conitec analisa se o medicamento deve ser oferecido pelo SUS. Para isso, ela exige provas mais sólidas de que o tratamento realmente melhora a saúde dos pacientes, além de analisar se o custo vale a pena. Isso é importante porque os recursos do SUS são limitados, e cada nova tecnologia precisa trazer benefícios comprovados para ser adotada.
Por que a Conitec disse “não” ao Elevidys® (pelo menos por enquanto)
A Conitec estudou os mesmos dados usados pela Anvisa e chegou a conclusões diferentes. Eis o que ela encontrou:
- Melhora pequena e incerta: o principal teste onde houve algum resultado positivo foi o tempo que a criança leva para se levantar do chão. A melhora foi pequena (menos de um segundo) e os especialistas da Conitec consideraram que isso não representa um ganho clínico relevante. Outros testes de função motora (como correr ou subir degraus) não mostraram diferença entre as crianças que tomaram o remédio e as que não tomaram.
- Falta de provas de que a proteína funciona de verdade: o medicamento faz o corpo produzir uma versão menor da proteína distrofina (chamada microdistrofina), que é essencial para os músculos. Mas não há provas suficientes de que essa proteína de fato melhora a qualidade de vida dos pacientes a longo prazo. A Anvisa aceitou essa proteína como “marcador” de eficácia; a Conitec, não.
- Efeitos colaterais graves em alguns casos: a Conitec observou que os pacientes que tomaram o Elevidys® tiveram mais eventos adversos graves do que os que não tomaram, como inflamações musculares (miosite) e problemas no fígado. Isso preocupa especialmente em pacientes com certas mutações genéticas, que parecem ter mais risco.
- Poucos dados de longo prazo: os estudos disponíveis acompanharam os pacientes por pouco tempo. Só quatro crianças foram acompanhadas por mais de cinco anos, o que é muito pouco para saber se os efeitos do remédio se mantêm. Como a DMD é uma doença que dura muitos anos, esse dado é considerado essencial.
- Resultados apresentados pela empresa não foram confirmados: a empresa responsável pelo Elevidys® mostrou um estudo estimando que o medicamento aumentaria a sobrevida e a qualidade de vida, mas a Conitec considerou que essas previsões eram muito incertas e dependiam de suposições difíceis de comprovar.
- Custo altíssimo: segundo a análise feita, tratar cerca de 4 mil pacientes com Elevidys® nos próximos cinco anos custaria ao SUS cerca de R$ 9,3 bilhões — valor considerado inviável diante de tantas incertezas sobre o benefício real.
Essas divergências não representam apenas “diferença de função”, mas sim diferença de critérios científicos e de nível de exigência para considerar uma evidência como válida. Isso abala a confiança pública, favorece judicializações e pode colocar pacientes em risco — seja de exposição a tratamentos de eficácia não comprovada, seja de frustração por inacessibilidade.
O que isso significa para pacientes e famílias
Na prática, o medicamento está aprovado no Brasil, mas não está disponível no SUS. Isso significa que as famílias que quiserem tentar o tratamento terão que arcar com os custos (o que é praticamente impossível para a maioria, dado o valor altíssimo) ou recorrer à Justiça para tentar obter o remédio. Essa situação, infelizmente, tem se tornado comum em doenças raras, e é fonte de angústia para muitas famílias.
Além disso, a falta de alinhamento entre os dois órgãos (Anvisa e Conitec) gera confusão e frustração. Os pacientes veem que o remédio foi aprovado e criado com grandes promessas, mas não conseguem acesso gratuito. Ao mesmo tempo, o SUS precisa ser responsável com os recursos, priorizando tratamentos que realmente funcionam para todos.
Esperança, sim — mas com responsabilidade
O caso do Elevidys® mostra como é importante ter cuidado ao lidar com novas tecnologias para doenças raras. A expectativa por uma “cura” pode ser grande, mas é fundamental garantir que os tratamentos ofereçam resultados reais, sejam seguros e tenham custo compatível com o sistema público.
Para isso, é essencial que os órgãos reguladores trabalhem de forma mais coordenada, com diálogo entre Anvisa, Conitec, médicos e associações de pacientes. E mais: que as decisões sejam tomadas com base em provas concretas e transparentes, protegendo o paciente da exposição a riscos desnecessários ou falsas esperanças.
Enquanto isso, os pacientes com DMD continuam precisando de atenção especial, acesso precoce ao diagnóstico, fisioterapia, uso adequado de corticosteroides e apoio integral às suas famílias. E, claro, novas pesquisas — com qualidade e transparência — são urgentes para que no futuro possamos ter tratamentos realmente transformadores.
Anvisa e Conitec têm funções diferentes: Mas isso justifica divergência na análise?
Não. A diferença de funções entre Anvisa (regulação sanitária) e Conitec (avaliação para incorporação no SUS) explica a diferença de enfoque, mas não justifica discrepâncias técnicas profundas quando ambos analisam os mesmos dados clínicos.
Explicação legítima:
- A Anvisa avalia se o produto é seguro e tem plausibilidade terapêutica suficiente para entrar no mercado — especialmente em doenças raras, pode aceitar desfechos substitutos (como expressão de proteína) e dados preliminares.
- A Conitec, por outro lado, exige eficácia clínica comprovada, custo-efetividade e impacto orçamentário, pois decide se o SUS deve financiar o tratamento com dinheiro público.
Onde a explicação falha:
A função distinta de Anvisa e Conitec não justifica que:
- A Anvisa aceite como suficiente uma melhora mínima (0,64s no teste de levantar do chão), enquanto a Conitec considera isso irrelevante;
- A Anvisa minimize riscos (como miosite e hepatotoxicidade), enquanto a Conitec mostra que houve aumento estatisticamente significativo de eventos adversos graves (RR 2,40);
- A Anvisa extrapole benefícios de longo prazo com base em quatro pacientes, e a Conitec declare que não há dados robustos para isso.
Consequência:
Essas divergências não representam apenas “diferença de função”, mas sim diferença de critérios científicos e de nível de exigência para considerar uma evidência como válida. Isso abala a confiança pública, favorece judicializações e pode colocar pacientes em risco — seja de exposição a tratamentos de eficácia não comprovada, seja de frustração por inacessibilidade.
A desculpa institucional não basta. O que falta é alinhamento metodológico mínimo entre agências públicas que usam os mesmos dados clínicos para decisões que impactam a saúde de populações vulneráveis.
LEIA ABAIXO UMA VERSÃO MAIS TÉCNICA DO MESMO POST
Leia o relatório da Anvisa aqui
Leia o relatório da Conitec aqui
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