Aconteceu na terça-feira (24/10), em Brasília, a segunda edição do evento Radar dos Raros, uma iniciativa do jornal Correio Braziliense, em parceria com a Vertex Farmacêutica, e com apoio da Frente Parlamentar Mista da Saúde, da subcomissão de Doenças Raras, do Sindusfarma e da Interfarma.
Na oportunidade, foi lançada a segunda edição do relatório Radar dos Raros, uma pesquisa de monitoramento sobre o desempenho do Congresso Nacional no que se refere à agenda “doenças raras”.
Nada a comemorar. O resultado da atuação da sociedade civil no campo, bem como das ONGs , no que se refere à sensibilização concreta do Congresso Nacional é quase nenhum. E manteve-se o quadro diagnosticado no primeiro relatório, de 2021.
O evento era algo solene, como esperado; os resultados apresentados, pífios.
Algo constrangedor não ter o que comemorar em meio à tanta organização, e sobretudo depois de um investimento massivo e constante em advocacy e congêneres. O clima desalentador era visível. Se pudessemos imaginar todos os profissionais e ONGs que lidam com advocacy reunidos em uma só megaempresa ela já teria quebrado, com este nível de resolutividade.
Senão vejamos: Entre 2000 e 2022, foram aprovados oito projetos de lei, sendo que cinco deles (62,5%) para a criação de dias de conscientização para esta ou aquela enfermidade rara. Isso representa 0,3% dos projetos de lei relacionados à saúde apresentados no período. O quadro permanece inalterado neste quesito em relação ao relatório anterior, de 2021.
O ritmo de tramitação e, sobretudo, de aprovação, é lento. Na primeira década dos anos 2000, 32 projetos de lei sobre doenças raras tramitavam no Congresso-desses, 12 foram arquivados e 3 aprovados.
De 2011 a 2022, o número de projetos em tramitação era de 186, o que mostra um aumento de proposições apresentadas, sinal de que o assunto passou a ser mais debatido, sobretudo a partir de 2019, que apresentou recorde de projetos: 39.
Mas a aprovação não cresceu. Neste mesmo período, 18 foram arquivados, 5 retirados e outros 5 foram aprovados. (Figura 2)
O evento foi uma longa exposição do que chamei em meus estudos de doutorado em comunicação de “performances do sofrimento”, um desfiar confessional por todos os presentes, o que tem se revelado um fenômeno cultural comum a nível internacional, em contextos onde ciência e tecnologia são de algum modo abordadas.
Ao usar o termo “performance” , não estou a zombar do sofrimento indizível dos doentes raros e seus familiares que acompanho desde 2007. Mas sim destacando o caráter performativo do sofrimento quando transmitido midiaticamente. Basicamente o que se quer dizer é que o sofrimento rende dividendos quando midiatizado, sejam tangíveis ou intangíveis.
O detalhamento do que foi o evento e minhas impressões futebolísticas sobre o mesmo serão objeto de um próximo post. Mas não poderia deixar de destacar o momento freak show do evento, algo bizarro e de puro mau gosto. Freak show poderia ser traduzido por “show de horrores”. E que você pode constatar no video aos 34 minutos, com seus próprios olhos.
Antes de revelá-lo, algumas considerações preliminares. Pessoas que militam no campo da informação e comunicação em doenças raras, como eu, e que são mais conscienciosas, evitam a exposição de elementos mundo cão ao retratar a vida das pessoas com doenças raras.
Muitas delas cursam com terríveis deformidades físicas, motoras ou cognitivas que não convém explorar à guisa de sensacionalismo ou de acenos para a patuléia. Não devemos expor tais vulnerabilidades com riqueza de detalhes ou sem. Isso é justificável apenas em estudos de caso em compêndios de medicina.
É dificil não descambar para o mau gosto quando isso acontece na cena pública midiática. Fora isso, trata-se de uma postura que voluntária ou involuntariamente discrimina pessoas com deficiência de uma forma brutal.
Pois o momento freak show da tarde de ontem nos foi proporcionado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos – PR) ao descrever com precisão microscópica de detalhes o modo de se alimentar de uma senhora com distonia, em seu reduto eleitoral.
O mais bizarro, se isso ainda fosse possível, é que ele fez esse relato quando perguntado sobre quais os projetos de lei em doenças raras que seriam agendados para este ano no Congresso Nacional. Não ligou o lé com o cré.
Sugerimos a todos os envolvidos na causa das doenças raras que desestimulem o comportamento lamentável deste deputado. A vida já anda repleta de mau gosto e não convém que contribuamos para a desgraça.
Enfim, aguardem novos comentários sobre este evento para breve.
Imagem em destaque no post de Gerd Altmann por Pixabay