Cláudio Cordovil

Quanto o STF custa para o SUS?

Outros custos são tangíveis em termos financeiros. Devíamos nos habituar a esse cálculo. O campo do direito à saúde é fértil. Calcular quanto o STF custa para o SUS exige observar tanto suas decisões quanto suas não decisões.

Já se pesquisaram bastante os efeitos de decisões do STF sobre saúde. Com base na doutrina da “saúde não tem preço”, o STF interfere na alocação de recursos do SUS e concede tratamentos que não passaram por juízo técnico de custo-efetividade. Decisões judiciais bem intencionadas, sem atentar para a desorganização orçamentária que causam, nem sempre contribuem para promoção eficaz da saúde. E ainda deslegitimam o SUS.

Estima-se que a judicialização da saúde no Brasil custe R$ 7 bilhões ao ano, boa parte com tratamentos considerados ineficazes por gestores do SUS, como mostra Octavio Ferraz em livro novo sobre o tema (“Health as a Human Right”, Cambridge University Press, 2020).

As não decisões do STF também custam. Provam que a jurisprudência do “quem tem doença tem pressa”, como diz Cármen Lúcia, resume-se a palavras sem compromisso. Pressa nunca foi um vício do STF. Muito menos uma virtude.

Gilmar Mendes engavetou caso de 2007 que pode racionalizar a judicialização da saúde no país (RE 566471). O plenário decidiu o recurso em 2020, mas ainda não produziu “tese” para orientar tribunais inferiores. O STF também levou 20 anos para entender que planos de saúde devem reembolsar o SUS por tratamentos de seus clientes na rede pública (ADI 1931). A restrição do teto de gastos sobre o SUS continua na gaveta de Rosa Weber (ADI 5680).

Há dois casos graves sobre propriedade intelectual que ainda não tocaram o senso de pressa do STF (ADI 4234, de 2009, e ADI 5529, de 2016). Tratam da constitucionalidade da duração de patentes no Brasil, regra que aumenta o custo dos remédios adquiridos pelo SUS. Estudo da UFRJ concluiu que o SUS gasta, por ano, apenas com nove medicamentos de alto custo protegidos por patentes, R$ 3,7 bilhões a mais.

Luiz Fux participou de evento privado com advogados interessados na causa. Disse que era “expositor em abstrato, para não antecipar ponto de vista”. “Coincidentemente, sou relator da ação.” Revelou que iria levar a relatoria com ele para a presidência do STF, pois o caso seria a “joia da coroa do Supremo” e fascinaria seu “pendor da academia”. No final, não cumpriu a promessa e deixou a joia para relatoria de Toffoli. A história recomeça na “pressa” toffolesa.

O SUS, cronicamente sub-financiado, consegue atenuar a tragédia da desigualdade na crise sanitária e se confirma como nosso maior patrimônio humanitário. Não só porque 80% da população brasileira recorre exclusivamente ao SUS, mas pelas externalidades que beneficiam os 20% restantes (que também usam o SUS para vacinações e serviços complexos como transplantes etc.).

Que o maior número possível de pessoas tenha saúde ajuda a tua saúde, não só tua consciência. Ajuda também a economia. As externalidades de um sistema de saúde público, universal e gratuito são incomensuráveis. A planilha de Paulo Guedes omite esse detalhe. O STF sequer elabora essa contabilidade moral e financeira que dá corpo e alma à cidadania igualitária.

O “compromisso para oferecer respostas robustas a um desarranjo que se alimenta da inércia”, como escreveu Fux dias atrás, soa como outra coisa.

As dívidas do STF com a Constituição não serão liquidadas com retórica demagógica. Muitas dessas dívidas continuam a repousar nas gavetas do tribunal, das peças mais caras no mobiliário político nacional. Seu silêncio e covardia têm preço. O SUS paga por isso.


Conrado Hübner Mendes
Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.

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