Cláudio Cordovil

Quanto deveria custar o seu medicamento órfão?

Uma das razões pelas quais o acesso a medicamentos órfãos é insatisfatório é o seu alto custo. Os debates acalorados sobre a questão desafiam corações e mentes. Abordam desde a conveniência de se definir um preço premium para eles (levando-se em conta a “raridade” das doenças que tais medicamentos se propõem a tratar) até um tratamento diferenciado para os mesmos, tendo em vista as peculiaridades desta classe de moléculas. Agora, alguns economistas acabam de propor uma forma para definir o máximo preço admissível que a sociedade estaria disposta a pagar, baseada em uma taxa de retorno razoável para o fabricante. O estudo, publicado no site da Office of Health Economics, tem entre seus autores ninguém menos do que Michael Drummond, uma das maiores autoridades mundiais em economia da saúde.

O artigo é repleto de fórmulas matemáticas e equações ligadas à farmaeconomia, mas sua tese é relativamente fácil de entender, ainda que precise ser aperfeiçoada por novos estudos.

Com a finalidade de definir o que deveria ser um preço razoável para um medicamento órfão, os pesquisadores adotaram como premissa de seu modelo econômico a idéia de que a sociedade não toleraria que seus fabricantes auferissem mais lucros do que aqueles obtidos por fabricantes de medicamentos para doenças comuns.

De saída, algumas revelações interessantes derivadas deste estudo. Segundo os autores, os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de medicamentos órfãos representariam cerca de 27% daqueles destinados a um medicamento não-órfão. Além disso, os autores concluem que é justo que o limiar de custoefetividade para medicamentos órfãos seja mais alto do que aquele para medicamentos convencionais e que este deveria aumentar à medida que a população de doentes afetados por uma doença rara fosse menor do que a de outra.

São os seguintes os preços razoáveis para medicamentos órfãos, de acordo com o número de pacientes acometido por determinada doença, no estudo de Drummond e cols.

Doenças raras (1/2.000)   =  £21,520 por QALY (ano de vida ajustado pela qualidade)

Doenças ultrarraras (1/50.000 , segundo o NICE) =  £538,000 por QALY (ano de vida ajustado pela qualidade)

Abaixo, uma visão esquemática da questão de que o artigo trata:

Qual é o ‘problema’ dos medicamentos órfãos?

  •  As políticas para medicamentos órfãos são insatisfatórias quando vistas a partir de quase todas as perspectivas.
  • Os pacientes acham que o acesso ao cuidado é algumas vezes restrito, por causa de questões envolvendo preços inacessíveis.
  • Os fabricantes, tendo respondido fortemente aos incentivos para conduzir pesquisas em doenças raras, acreditam que os pagadores (payers) estão relutantes em pagar pelas terapias,  uma vez desenvolvidas.
  • Por outro lado, os pagadores acham que a maioria dos medicamentos órfãos não justifica seu financiamento, baseados em critérios padrões de valor por dinheiro (value for money), mas enfrentam problemas políticos se falham em prover tal financiamento.

Perspectivas acadêmicas distintas

  • Em uma perspectiva utilitarista, o custo de oportunidade de tratar doenças raras é muito alto (McCabe et al, British Medical Journal 2005). O utilitarismo é a doutrina que define que as ações são corretas se são úteis ou em benefício do maior número de pessoas.
  • A noção de ‘benefício social’ incorporada aos atuais processos de avaliações de tecnologias em saúde (ATS) é bastante estreita, quase desconsiderada (Drummond et al, Int. J Tech Assess Health Care 2007).
  • Fabricantes auferem ‘lucros excessivos’ e existem vários exemplos de casos em que possuem muitas indicações terapêuticas (‘orphan drug creep’) (Côté and Keating, Value in Health 2012). [Aqui o problema é que , em tese, medicamentos órfãos não poderiam, de um ponto de vista regulatório, ter mais de uma indicação].

Solução possível

  • Estabelecer um limiar de máxima disposição a pagar por saúde melhorada (i.e. um QALY) em determinada jurisdição.
  • Não reembolsar qualquer tecnologia de saúde que exceda este limiar.
  • Se os fabricantes não reduzirem seus preços substancialmente (cerca de 80%), nenhum medicamento órfão será incorporado ao Sistema de Saúde (reimbursed).

Benefícios e inadequações da solução proposta pelos autores

  • Iria dar à sociedade algum controle sobre o preço de medicamentos órfãos (i.e. daria um preço-teto)
  • Iria definir para toda a indústria sua taxa de retorno, que cada vez mais seria determinada por avaliações de relação qualidade-preço (value for money).
  • Daria um incentivo para gerar QALYs , mas não necessariamente asseguraria que os fabricantes realizariam pesquisas visando entregar os mais elevados ganhos sociais totais.

Conclusões

  • É necessário revisar as políticas para medicamentos órfãos.
  • Precisamos de mais debate público sobre prioridades para o tratamento de doenças raras
  • Se decidirmos que desejamos tornar estes tratamentos disponíveis, precisamos de uma forma de :
    • Estabelecer preços razoáveis
    • Definir prioridades de pesquisa

Fonte auxiliar:

https://www.ispor.org/docs/default-source/presentations/1208.pdf?sfvrsn=895398de_1

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