Cláudio Cordovil

PL 7082/2017: Prestes a ser votado, projeto sobre pesquisa clínica divide opiniões

Tramita no Congresso Nacional, e está em vias de ser apreciado em regime de urgência pelo Plenário da Câmara, Projeto de Lei que regulamenta a pesquisa clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos (PL 7082/2017).

Indústria farmacêutica e algumas associações de pacientes, especialmente com doenças raras, já se movimentam para a votação do PL (jem regime de urgência) no Plenário da Câmara, antes que ele retorne ao Senado, até o fim deste ano.

O objetivo do PL é assegurar direitos e princípios éticos na relação entre patrocinador da pesquisa, pesquisador e paciente e, ao mesmo tempo, conferir agilidade na análise e no registro de medicamentos no País.

A “agilidade” tem uma explicação, para além da alegada necessidade urgente de os pacientes terem acesso a estes medicamentos e fortalecimento de nosso parque tecnológico. Entre outras coisas, o PL 7082/2017 visa engrossar a participação do Brasil no circuito global bilionário das Organizações Representativas em Pesquisa Clínica (ORPC).

O Brasil assim se candidataria a realizar, entre outras coisas, testes clinicos cuja regulação robusta de EMA e FDA impediriam ou problematizariam em suas respectivas áreas de jurisdição. A legislação com relação a testes clínicos de países de baixa e média renda (como o Brasil) costuma ser mais flexível.

Além disso, os custos da realização de testes clínicos são mais baixos em países periféricos. Tome-se o exemplo da vacina anti-Covid, nas palavras do ex-secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcelo Morales. A produzida em solo brasileiro teve um custo total de 400 milhões de reais; a fabricada pela Pfizer custou 2 bilhões de dólares.

No entanto, a economia política das ORPCs merecerá de nós um post à parte. Nela não iremos nos alongar aqui.

O que são “Organizações Representativas de Pesquisa Clínica”?

“Uma Organização Representativa de Pesquisa Clínica (ORPC), em inglês Contract Research Organization (CRO), é uma empresa que fornece suporte para as indústrias farmacêutica, de biotecnologia e de dispositivos médicos na forma de serviços de pesquisa terceirizados por contrato. A ORPC pode fornecer serviços como desenvolvimento biofarmacêutico, desenvolvimento de ensaios biológicos, comercialização, pesquisa pré-clínica, pesquisa clínica, gestão de ensaios clínicos e farmacovigilância. As ORPC são projetadas para reduzir custos para empresas que desenvolvem novos medicamentos e medicamentos em nichos de mercado. Elas visam simplificar a entrada nos mercados de medicamentos e simplificar o desenvolvimento. As ORPC também apoiam fundações, instituições de pesquisa e universidades, além de órgãos governamentais. organizações (como a ANVISA, o FDA, EMA, etc.)”. Fonte: Wikipedia.

O PL 7082/2017, de autoria da ex-senadora Ana Amélia, teria a finalidade de preencher uma lacuna regulatória em nosso arcabouço legal. Desde 2015, essa discussão vem sendo promovida.

Na verdade, até o momento, o país não dispõe de uma LEI que regulamente a pesquisa clínica. As normas disponíveis aqui para a análise ética são infralegais, situadas que estão no âmbito do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

De acordo com os atores envolvidos em pesquisa clínica, esse cenário fragilizaria o patrocinador do estudo, os pesquisadores, como também os participantes de pesquisa, na medida em que não haveria uma norma com força de lei para regular todos os processos e exigências éticas para a pesquisa clínica. No jargão dos especialistas, este vazio legal geraria insegurança jurídica.


Indíce da matéria


O que está para ser votado

Em 3 de agosto de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a proposta que será apreciada no Plenário da Câmara, como informado acima.

Naquela ocasião, seu relator na CCJ, o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), recomendou a aprovação do substitutivo (ver ao final deste texto) que já havia sido aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), não sem antes incluir algumas subemendas à proposta (ver parecer do relator ao final do texto).

São os seguintes os acréscimos feitos ao substituto da CSSF pelo relator, Áureo Ribeiro.

  • Participação de vulnerável
  • Indenização por danos
  • Privacidade dos dados
  • Consentimento para estudos futuros
  • Armazenagem dos dados
  • Fornecimento do medicamento

Participação de vulnerável

Áureo Ribeiro adicionou itens sobre pesquisa com participantes vulneráveis. O relator também disse que o pesquisador responsável e o representante do incapaz coassinarão a comunicação ao Ministério Público, informando o roteiro de participação do incapaz na pesquisa clínica. Também será comunicado ao Ministério Público, quando necessário, a participação de membros do grupo indígena na pesquisa clínica.

Responsabilização e Indenização por danos

As alterações permitem que as instituições brasileiras possam assumir e isentar, parcial ou integralmente, um ou mais patrocinadores da pesquisa de determinadas responsabilidades, desde que a decisão seja registrada no Documento de Compromisso e Isenção (DCI) e no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Áureo Ribeiro também acrescentou emenda para que as instituições e organizações envolvidas na pesquisa sejam responsáveis pela condução da pesquisa e forneçam assistência completa aos participantes em caso de problemas e danos.

Privacidade dos dados

Ribeiro também fez provisões sobre a privacidade dos participantes da pesquisa. Ele disse que é um assunto privado e que apenas as informações técnicas necessárias para an análise de eventos adversos graves devem ser mantidas em sigilo. Em caso de evento adverso grave, o participante, seus representantes legais ou seus sucessores têm o direito de revelar detalhes relacionados à participação na pesquisa.

Consentimento para estudos futuros e biomateriais

Entre os direitos do participante de pesquisa, o deputado acrescentou ​ser esclarecido sobre a possibilidade de fornecer, ou não, seu consentimento para possíveis usos futuros em pesquisa de seus dados e materiais biológicos, e sobre a possibilidade de autorizar, ou não, o envio de seu material biológico e de seus dados para centro de estudo localizado fora do país.

Armazenamento de Dados

Áureo Ribeiro adicionou informações ao PL 7082/2017 sobre a duração do armazenamento de dados de pesquisa. De acordo com a nova norma, o patrocinador deve armazenar os dados, sob responsabilidade do pesquisador, por um período de cinco anos após o fim ou interrupção da pesquisa. Para produtos de terapias avançadas, esse prazo se estende para 10 anos. A extensão desse período de armazenamento pode ser aprovada pelo CEP, se o pesquisador fizer tal solicitação.

Fornecimento de medicamentos

Com relação ao texto aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família, o relator reduziu o prazo, que era de até 180 dias, para 60 dias, para que as petições primárias relativas ao dossiê de medicamento experimental para subsidiar registro sanitário de medicamentos sejam submetidas à avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo o novo texto proposto pelo relator, cabe ao pesquisador, após consultar o patrocinador e o participante do estudo clínico, decidir sobre a continuidade do fornecimento do medicamento experimental após o término da participação do indivíduo na pesquisa.

Além disso, o fornecimento gratuito do medicamento experimental no âmbito do programa pós-estudo pode ser cessado em determinadas circunstâncias. Isso inclui situações como a disponibilidade do medicamento experimental na rede pública de saúde ou cinco anos após o início da comercialização do medicamento experimental no país.

Proposta do relator divide opiniões


Durante a votação na CCJ, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) expressou preocupação com o último ponto abordado. Ela criticou a postura da indústria farmacêutica, acusando-a de se beneficiar dos participantes de estudos clínicos como “cobaias humanas”, sem assumir as despesas relacionadas.

Melchionna defendeu que indivíduos que participam como voluntários em pesquisas, contribuindo com seu corpo e bem-estar para o avanço científico, merecem que os medicamentos desenvolvidos sejam fornecidos pela indústria farmacêutica durante todo o seu tratamento. Ela alegou que a proposta em discussão tenta transferir essa responsabilidade para o sistema público de saúde.

Pontos polêmicos

Ao longo das discussões do PL 7082/2017 nas comissões parlamentares, alguns pontos foram objeto de discordância entre os deputados. Segundo a deputada Luiza Erundina, em voto em separado (VTS) na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática:

“Os grupos de pacientes e especialistas em bioética discordam da subordinação da instância nacional de ética em pesquisa clínica (Conep) ao Ministério da Saúde, com coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), conforme proposto no projeto de lei aprovado pelo Senado Federal, por dois motivos principais: a retirada da participação da sociedade e da independência institucional”, afirmou ela.

A deputada argumentou que “ao retirar a vinculação deste órgão do Conselho Nacional de Saúde [a Conep], a proposta exclui a participação do cidadão do controle [social] da pesquisa e ameaça a independência institucional, ao se vincular operacionalmente a um órgão executivo do governo [SCTIE-MS],

Nem mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM) absteve-se de criticar tal proposta, tal como recordado por Jandira Feghalli e Jorge Solla (PT-BA) em seu VTS apresentado anteriormente à CCSF.

. Diz o jornal do CFM em matéria intitulada “CFM critica proposta de Projeto de Lei”, tal como reproduzido no VTS de ambos os deputados:


‘”Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a aprovação do PL, conforme a versão atual, compromete a independência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ao mudar sua composição em favor da participação governamental. (…) O relatório vincula a comissão à estrutura ministerial, mas acredita-se que a estrutura existente, hoje, oferece mais independência aos pareceres, que devem ser técnicos”, explica o presidente do CFM, Carlos Vital.’

Nisso concorda a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Juliana Iglesias Melim. Apesar do PL tratar das pesquisas clínicas com seres humanos, “que é o maior interesse do mercado e da indústria farmacêutica”, a Conep tem na atualidade uma concepção muito mais abrangente, segundo ela.

“A Comissão compreende que a pesquisa com seres humanos é muito mais ampla do que pesquisa clínica. A Conep reúne representantes de diferentes áreas do conhecimento e seus debates e regulamentações precisam respeitar as particularidades do fazer científico de cada uma dessas áreas. Isso quer dizer que a ética em pesquisa com seres humanos extrapola as pesquisas da medicina e da farmacologia, porém o PL desconsidera completamente as demais áreas”, explicou.

A possível restrição ao direito do acesso a medicamentos que “os participantes da pesquisa ajudaram a desenvolver” é outro aspecto que preocupa a pesquisadora.

“Direito que hoje é garantido e que o PL pretende restringir. É importante dizer aqui que os participantes das pesquisas não são objetos. São sujeitos. Sujeitos fundamentais para os processos de descobertas científicas que possam possibilitar (sic) avanços no direito à saúde e à qualidade de vida”, acrescenta Juliana.

“Não precisamos desse PL! Precisamos fortalecer a Conep e seus avanços, como um espaço democrático, autônomo e independente. Fortalecer a Comissão é fortalecer o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o controle social, o SUS e a vida. A Conep é nossa. Nossa defesa é a da produção de conhecimento como bem público e não como mercadoria”, conclui a pesquisadora.

Conheça o Substitutivo adotado ao Projeto de Lei 7082/2017 (CSSF)

Conheça o parecer do relator Áureo Ribeiro (ver p. 822 a 914) (CCJ)

Clique aqui para saber mais sobre a tramitação de Projetos de Lei

Deixe um comentário

error: Corta e cola, não!

REPUBLISHING TERMS

You may republish this article online or in print under our Creative Commons license. You may not edit or shorten the text, you must attribute the article to Academia de Pacientes and you must include the author’s name in your republication.

If you have any questions, please email ccordovil@gmail.com

License

Creative Commons License AttributionCreative Commons Attribution
PL 7082/2017: Prestes a ser votado, projeto sobre pesquisa clínica divide opiniões
Verified by MonsterInsights