Tramita no Congresso Nacional, e está em vias de ser apreciado em regime de urgência pelo Plenário da Câmara, Projeto de Lei que regulamenta a pesquisa clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos (PL 7082/2017).
Indústria farmacêutica e algumas associações de pacientes, especialmente com doenças raras, já se movimentam para a votação do PL (jem regime de urgência) no Plenário da Câmara, antes que ele retorne ao Senado, até o fim deste ano.
O objetivo do PL é assegurar direitos e princípios éticos na relação entre patrocinador da pesquisa, pesquisador e paciente e, ao mesmo tempo, conferir agilidade na análise e no registro de medicamentos no País.
A “agilidade” tem uma explicação, para além da alegada necessidade urgente de os pacientes terem acesso a estes medicamentos e fortalecimento de nosso parque tecnológico. Entre outras coisas, o PL 7082/2017 visa engrossar a participação do Brasil no circuito global bilionário das Organizações Representativas em Pesquisa Clínica (ORPC).
O Brasil assim se candidataria a realizar, entre outras coisas, testes clinicos cuja regulação robusta de EMA e FDA impediriam ou problematizariam em suas respectivas áreas de jurisdição. A legislação com relação a testes clínicos de países de baixa e média renda (como o Brasil) costuma ser mais flexível.
Além disso, os custos da realização de testes clínicos são mais baixos em países periféricos. Tome-se o exemplo da vacina anti-Covid, nas palavras do ex-secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcelo Morales. A produzida em solo brasileiro teve um custo total de 400 milhões de reais; a fabricada pela Pfizer custou 2 bilhões de dólares.
No entanto, a economia política das ORPCs merecerá de nós um post à parte. Nela não iremos nos alongar aqui.
O que são “Organizações Representativas de Pesquisa Clínica”?
O PL 7082/2017, de autoria da ex-senadora Ana Amélia, teria a finalidade de preencher uma lacuna regulatória em nosso arcabouço legal. Desde 2015, essa discussão vem sendo promovida.
Na verdade, até o momento, o país não dispõe de uma LEI que regulamente a pesquisa clínica. As normas disponíveis aqui para a análise ética são infralegais, situadas que estão no âmbito do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
De acordo com os atores envolvidos em pesquisa clínica, esse cenário fragilizaria o patrocinador do estudo, os pesquisadores, como também os participantes de pesquisa, na medida em que não haveria uma norma com força de lei para regular todos os processos e exigências éticas para a pesquisa clínica. No jargão dos especialistas, este vazio legal geraria insegurança jurídica.
Indíce da matéria
O que está para ser votado
Em 3 de agosto de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a proposta que será apreciada no Plenário da Câmara, como informado acima.
Naquela ocasião, seu relator na CCJ, o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), recomendou a aprovação do substitutivo (ver ao final deste texto) que já havia sido aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), não sem antes incluir algumas subemendas à proposta (ver parecer do relator ao final do texto).
São os seguintes os acréscimos feitos ao substituto da CSSF pelo relator, Áureo Ribeiro.
- Participação de vulnerável
- Indenização por danos
- Privacidade dos dados
- Consentimento para estudos futuros
- Armazenagem dos dados
- Fornecimento do medicamento
Participação de vulnerável
Áureo Ribeiro adicionou itens sobre pesquisa com participantes vulneráveis. O relator também disse que o pesquisador responsável e o representante do incapaz coassinarão a comunicação ao Ministério Público, informando o roteiro de participação do incapaz na pesquisa clínica. Também será comunicado ao Ministério Público, quando necessário, a participação de membros do grupo indígena na pesquisa clínica.
Responsabilização e Indenização por danos
As alterações permitem que as instituições brasileiras possam assumir e isentar, parcial ou integralmente, um ou mais patrocinadores da pesquisa de determinadas responsabilidades, desde que a decisão seja registrada no Documento de Compromisso e Isenção (DCI) e no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Áureo Ribeiro também acrescentou emenda para que as instituições e organizações envolvidas na pesquisa sejam responsáveis pela condução da pesquisa e forneçam assistência completa aos participantes em caso de problemas e danos.
Privacidade dos dados
Ribeiro também fez provisões sobre a privacidade dos participantes da pesquisa. Ele disse que é um assunto privado e que apenas as informações técnicas necessárias para an análise de eventos adversos graves devem ser mantidas em sigilo. Em caso de evento adverso grave, o participante, seus representantes legais ou seus sucessores têm o direito de revelar detalhes relacionados à participação na pesquisa.
Consentimento para estudos futuros e biomateriais
Entre os direitos do participante de pesquisa, o deputado acrescentou ser esclarecido sobre a possibilidade de fornecer, ou não, seu consentimento para possíveis usos futuros em pesquisa de seus dados e materiais biológicos, e sobre a possibilidade de autorizar, ou não, o envio de seu material biológico e de seus dados para centro de estudo localizado fora do país.
Armazenamento de Dados
Áureo Ribeiro adicionou informações ao PL 7082/2017 sobre a duração do armazenamento de dados de pesquisa. De acordo com a nova norma, o patrocinador deve armazenar os dados, sob responsabilidade do pesquisador, por um período de cinco anos após o fim ou interrupção da pesquisa. Para produtos de terapias avançadas, esse prazo se estende para 10 anos. A extensão desse período de armazenamento pode ser aprovada pelo CEP, se o pesquisador fizer tal solicitação.
Fornecimento de medicamentos
Com relação ao texto aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família, o relator reduziu o prazo, que era de até 180 dias, para 60 dias, para que as petições primárias relativas ao dossiê de medicamento experimental para subsidiar registro sanitário de medicamentos sejam submetidas à avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Segundo o novo texto proposto pelo relator, cabe ao pesquisador, após consultar o patrocinador e o participante do estudo clínico, decidir sobre a continuidade do fornecimento do medicamento experimental após o término da participação do indivíduo na pesquisa.
Além disso, o fornecimento gratuito do medicamento experimental no âmbito do programa pós-estudo pode ser cessado em determinadas circunstâncias. Isso inclui situações como a disponibilidade do medicamento experimental na rede pública de saúde ou cinco anos após o início da comercialização do medicamento experimental no país.
Proposta do relator divide opiniões
Durante a votação na CCJ, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) expressou preocupação com o último ponto abordado. Ela criticou a postura da indústria farmacêutica, acusando-a de se beneficiar dos participantes de estudos clínicos como “cobaias humanas”, sem assumir as despesas relacionadas.
Melchionna defendeu que indivíduos que participam como voluntários em pesquisas, contribuindo com seu corpo e bem-estar para o avanço científico, merecem que os medicamentos desenvolvidos sejam fornecidos pela indústria farmacêutica durante todo o seu tratamento. Ela alegou que a proposta em discussão tenta transferir essa responsabilidade para o sistema público de saúde.
Pontos polêmicos
Ao longo das discussões do PL 7082/2017 nas comissões parlamentares, alguns pontos foram objeto de discordância entre os deputados. Segundo a deputada Luiza Erundina, em voto em separado (VTS) na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática:
“Os grupos de pacientes e especialistas em bioética discordam da subordinação da instância nacional de ética em pesquisa clínica (Conep) ao Ministério da Saúde, com coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), conforme proposto no projeto de lei aprovado pelo Senado Federal, por dois motivos principais: a retirada da participação da sociedade e da independência institucional”, afirmou ela.
A deputada argumentou que “ao retirar a vinculação deste órgão do Conselho Nacional de Saúde [a Conep], a proposta exclui a participação do cidadão do controle [social] da pesquisa e ameaça a independência institucional, ao se vincular operacionalmente a um órgão executivo do governo [SCTIE-MS],
Nem mesmo o Conselho Federal de Medicina (CFM) absteve-se de criticar tal proposta, tal como recordado por Jandira Feghalli e Jorge Solla (PT-BA) em seu VTS apresentado anteriormente à CCSF.
. Diz o jornal do CFM em matéria intitulada “CFM critica proposta de Projeto de Lei”, tal como reproduzido no VTS de ambos os deputados:
‘”Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a aprovação do PL, conforme a versão atual, compromete a independência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ao mudar sua composição em favor da participação governamental. (…) O relatório vincula a comissão à estrutura ministerial, mas acredita-se que a estrutura existente, hoje, oferece mais independência aos pareceres, que devem ser técnicos”, explica o presidente do CFM, Carlos Vital.’
Nisso concorda a professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Juliana Iglesias Melim. Apesar do PL tratar das pesquisas clínicas com seres humanos, “que é o maior interesse do mercado e da indústria farmacêutica”, a Conep tem na atualidade uma concepção muito mais abrangente, segundo ela.
“A Comissão compreende que a pesquisa com seres humanos é muito mais ampla do que pesquisa clínica. A Conep reúne representantes de diferentes áreas do conhecimento e seus debates e regulamentações precisam respeitar as particularidades do fazer científico de cada uma dessas áreas. Isso quer dizer que a ética em pesquisa com seres humanos extrapola as pesquisas da medicina e da farmacologia, porém o PL desconsidera completamente as demais áreas”, explicou.
A possível restrição ao direito do acesso a medicamentos que “os participantes da pesquisa ajudaram a desenvolver” é outro aspecto que preocupa a pesquisadora.
“Direito que hoje é garantido e que o PL pretende restringir. É importante dizer aqui que os participantes das pesquisas não são objetos. São sujeitos. Sujeitos fundamentais para os processos de descobertas científicas que possam possibilitar (sic) avanços no direito à saúde e à qualidade de vida”, acrescenta Juliana.
“Não precisamos desse PL! Precisamos fortalecer a Conep e seus avanços, como um espaço democrático, autônomo e independente. Fortalecer a Comissão é fortalecer o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o controle social, o SUS e a vida. A Conep é nossa. Nossa defesa é a da produção de conhecimento como bem público e não como mercadoria”, conclui a pesquisadora.
Conheça o Substitutivo adotado ao Projeto de Lei 7082/2017 (CSSF)
Conheça o parecer do relator Áureo Ribeiro (ver p. 822 a 914) (CCJ)
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