Denizar Vianna: É preciso rever a participação social nas consultas públicas

Atualizada em 22/07/2020 às 20h04

[su_youtube_advanced url=”https://youtu.be/QAsOTu-0q2E” rel=”no” title=”Denizar Vianna e as consultas públicas da Conitec”]

O Instituto Nacional de Assistência Farmacêutica e Farmacoeconomia (INAFF) promoveu nesta terça-feira (21/7) a live Participação da sociedade civil em consulta pública com a presença do Dr. Denizar Vianna, ex-secretário da SCTIE, à qual a Conitec está vinculada. Este evento teve patrocínio da Roche.

Denizar deixou sua marca em sua curta passagem pelo Ministério da Saúde, e sempre foi muito respeitado pelos pacientes, pela compreensão que possuía de seus problemas (ele é médico e um dos maiores especialistas em ATS do país) e pela transparência que buscava ter em sua relação com eles.

Na Live, Denizar insistiu muito na importância da Consulta Pública como verdadeira oportunidade de participação social (talvez a única) nos processos de tomada de decisão daquela comissão. E, com sua elegância peculiar, mostrou que, na verdade, muitos dos problemas existentes não seriam do processo de consulta em si, mas sim do modo com que os pacientes e suas associações aproveitam essa oportunidade.

Seu alvo estava nas consultas que regularmente, quase como um hábito, recebem centenas de contribuições de pacientes absolutamente idênticas, como que orientadas por um senhor invisível, os laboratórios. “Quantidade não é qualidade”, disse ele, acrescentando que, ao contrário de essa estratégia fortalecer a atuação dos pacientes no processo, simplesmente a enfraquece.

A voz do dono e o dono da voz ; Selo da gravadora RCA Victor

E aí eu comecei a pensar que, de fato, os pacientes ao agirem dessa forma deixam de ser pacientes e falam “a voz do dono”, de algum modo, abrindo mão de sua  riquíssima expressão, para mandar o recado que alguém lhes mandou dar na Consulta Pública . No caso, muito provavelmente, os laboratórios, em grande medida, de forma tácita ou explícita.

Este movimento tem sido notado pela Conitec em muitas consultas públicas, e gerado certo desconforto dos técnicos. É como se os pacientes abrissem mão de sua voz e da sua experiência única como pacientes, para atuar como porta-vozes de outro alguém.

Naturalmente, nessa levada, os pacientes perdem sua legitimidade nestes processos e deixam de ser levados a sério pelos técnicos, que passam a vê-los como elos suspeitos de um lobby pela aprovação do medicamento.

Desta forma, perdem sua credibilidade nestas oportunidades, ao revelarem uma relação pouco republicana com os representantes da indústria farmacêutica. Devo deixar bem claro que acredito que as associações devem obter apoio financeiro para a realização de suas atividades. Mas há modos mais éticos e menos éticos para se fazer isso, como já discutimos aqui em vários posts neste blog.

Mas como fazer com que os pacientes ajam com autonomia e como representantes legítimos de suas associações ou de seus interesses nestes processos? Como fazê-los ter voz própria? A saída deve passar pela educação do paciente. Mas, que fique bem claro: Denizar pontuou que não seria papel do governo ou do Ministério realizar esta capacitação. E eu acrescentaria que talvez nem mesmo laboratórios, que têm agenda própria, não obstante estarem de algum modo interessados no benefício para o paciente. Mas há laboratórios e laboratórios.

Institutos educacionais que recebem verbas de laboratórios para seus fins a meu ver também não teriam, a princípio, a independência necessária para desempenhar tal mister, a não ser que observassem princípios adequados de transparência.

Universidades federais e seus departamentos, com dotações do governo para manter seus laboratórios, também não seriam patrocinadores totalmente isentos destas iniciativas. Seriam porta-vozes de interesses particulares, neste caso, de governos (necropolíticos ou não), mais ou menos comprometidos com a sobrevivência dos doentes raros.

Portanto, a jornada pelo aprendizado autônomo dos pacientes não é tarefa fácil. Em nosso blog, de forma absolutamente independente e sem conflito de interesses, temos buscado dar a eles instrumentos para se libertar de interesses particulares de qualquer natureza ou ao menos se acautelar com relação a eles. Mas, para ísso, os pacientes precisam ler o blog, em um país com altas taxas de analfabetismo funcional. Tudo é bastante difícil abaixo do equador.

Ao ouvir a fala sensata de Denizar, me veio à mente a figura do grande educador, Paulo Freire, que, com sua pedagogia da autonomia, buscava tornar o sujeito livre das amarras do pensamento de outrem, com suas ‘cartas na manga’ e interesses particulares, legítimos ou não.

Denizar deu a sugestão de que as associações de pacientes constituissem forças-tarefa para apresentarem contribuições consistentes e bem documentadas nas criticas que fizessem aos relatórios de recomendação da Conitec.

Aqui vejo três dificuldades: a falta de conhecimentos entre pacientes da avaliação econômica em saúde; as brigas inexplicáveis entre associações envolvendo a mesma patologia (nunca consegui entender como se engalfinhar quando se está a bordo do Titanic), e a possibilidade de captura destas forças-tarefa pela indústria farmacêutica, o que no caso seria trocar seis por meia dúzia.

Em sentido amplo, consulta pública (como definida no site da Conitec)  é um mecanismo utilizado pela Administração Pública para obter informações, opiniões e críticas da sociedade a respeito de um determinado tema. Tem, como objetivo, ampliar a discussão sobre o assunto e embasar as decisões sobre formulação e definição de políticas públicas.

No caso da Conitec, suas recomendações de incorporação ou não de medicamento ou outras tecnologias de saúde ao SUS são disponibilizadas em consulta pública por um prazo de 20 dias. Excepcionalmente, esse prazo pode ser reduzido para 10 dias em situações de urgência.

O SUS é um dos mais importantes sistemas públicos do mundo. Nossas críticas serão sempre bem-vindas, como cidadãos. Mas precisam ser feitas na lógica de aperfeiçoá-lo e não destrui-lo. Para isso já existe bastante gente.

Em sessões de terapia, aprendemos que antes de culpar os outros diante, do psicanalista, precisamos aprender a olhar para nós mesmos em busca do erro que possa ter motivado a ação de alguém contra nós. É um aprendizado penoso ali no divã.

É necessário que os pacientes façam sua autocrítica nos processos de consulta pública da Conitec, antes de culparem quem quer que seja pelos seus descaminhos.

5 comentários em “Denizar Vianna: É preciso rever a participação social nas consultas públicas”

  1. Meu nobre amigo. Passamos por um problema interessante entre os Raros. São poucos que expõem suas patologias, dificuldades e agruras. Tenho tentado instruir e estimular as Consultas Públicas, além das contestações. Mas a própria Conitec não relaciona especialistas ou algumas Associações que podem fazer a diferença. O último PCDT da Doença de Pompe foi pobre, além de prejudicado pela pandemia.

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    • Sim, amigo Welton, a luta é constante. Passa por educação do paciente, sem amarras de qualquer natureza, e por autocrítica dos pacientes a respeito de onde têm errado e o que é necessário melhorar. O importante é não desistirmos; enquanto houver forças, lutamos! 🙂

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  2. A proposta do Dr Denizar é fruto de seu profundo conhecimento do assunto, de sua experiência profissional e de sua visão estratégica. Mas é sobretudo uma proposta ética em benefício real dos pacientes que necessitam de tratamentos adequados e acessíveis.

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