Cláudio Cordovil

O que Ricardo Barros, a vacina indiana e os doentes raros têm em comum?

Em edição extra do Diário Oficial da União deste sábado (20/2), o Ministério da Saúde publicou a dispensa de licitação para a compra das vacinas contra covid-19 Sputnik V e Covaxin. Os textos informam que as aquisições terão o custo de R$ 1,614 bilhão para a vacina indiana. Até o momento, nenhuma das duas vacinas têm autorização da Anvisa para uso emergencial. A informação foi divulgada por Mateus Vargas, do Estado de S. Paulo.

Mas o dado curioso aqui, para o público leitor de nosso blog, foi algo que o repórter descobriu recentemente. Segue abaixo um trecho de sua matéria, publicada no Estadão em 18 de fevereiro deste ano.

A empresa que tenta trazer ao Brasil a vacina indiana Covaxin tem entre suas sócias uma firma que deve R$ 20 milhões ao Ministério da Saúde. O valor é referente à compra de remédios de alto custo que nunca chegaram às mãos de pacientes de doenças raras. O contrato foi feito no fim de 2017, quando o ministério era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR). Passados mais de três anos, a pasta diz ainda negociar o ressarcimento.

O caso na época deu o que falar. E envolveu um bate-boca entre Barros e a Anvisa, como aquele que ele recentemente tentou reeditar. Atual líder do governo na Câmara, Barros tem feito críticas à atuação da Anvisa em relação ao processo de aprovação de vacinas.

A matéria de Vargas nos lembra que no fim de 2018, o Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) entrara com uma ação contra a Global Gestão em Saúde S. A., contra o então ministro da saúde e servidores que atuavam na pasta na época.

Os procuradores suspeitam que o atual líder do governo Jair Bolsonaro beneficiara a empresa em contratos. O caso tramita na Justiça Federal do DF desde então e a Procuradoria pede que os réus paguem R$ 119,9 milhões, valor que inclui o ressarcimento e danos morais a pacientes.

A Receita Federal, segundo o repórter, informa que a Global é uma das sócias da Precisa Medicamentos, empresa que representa no Brasil o laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, uma vacina indiana contra a covid-19. O presidente da Global, Francisco Emerson Maximiano, também é sócio administrador da Precisa.

Captou?

Agora vem o melhor da história, descoberta pelo talento  farejador do repórter Mateus Vargas: “Apesar do processo envolvendo a Global, nenhuma das duas empresas está impedida de firmar contratos com o governo federal”.

Que tal?

Direto do túnel do tempo (nas palavras do repórter do estadão)

No fim de outubro de 2017, a Global – sócia da Precisa Medicamentos –  venceu edital para compra emergencial de medicamentos de alto custo para pacientes de doenças raras, apresentando proposta de R$ 19,9 milhões. A Anvisa, à época, afirmou que a Global não apresentou documentos exigidos para liberar a importação dos produtos, o que fez Barros acusar o órgão de favorecer monopólios.

O então ministro chegou a orientar pacientes, por WhatsApp, que fossem à Justiça contra a Anvisa. No mesmo período houve outras compras que opuseram Barros e a Anvisa e terminaram frustradas, mas apenas a Global recebeu o pagamento antecipado.

Após uma decisão da Justiça, a Anvisa autorizou as licenças de importação à Global. Ainda assim, a empresa não conseguiu cumprir com o contrato. Apenas poucos frascos foram trazidos ao País, que nem sequer foram distribuídos, pois eram apenas amostras de lotes.

No fim de 2018 a empresa firmou um acordo para devolver o valor do contrato em quatro parcelas. O acordo foi rompido meses mais tarde pela própria Global, que pediu para entregar o valor em 60 vezes, o que não foi aceito, segundo o ministério. A empresa chegou a propor prestar serviço de consultoria ao governo para aliviar a dívida.

Em resposta a um pedido via Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Saúde se recusou a entregar o processo atualizado de cobrança à Global. A pasta disse apenas que “encontra-se em fase de atualização do valor a ser ressarcido pela referida empresa à União”.

Na ação em que Barros e a Global são réus, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira afirma que o ministério “insistia” em dar à empresa “todas as oportunidades possíveis de executar” o contrato, mesmo sabendo que a vencedora do edital “não tinha disponibilidade alguma sobre qualquer frasco dos medicamentos em questão e que ela não conseguiria importá-los em razão das exigências regulatórias”.

Oliveira ainda acusa, com base em depoimentos de funcionários da pasta, que Barros pressionou pelo pagamento antecipado à Global, mesmo após a empresa apresentar números de lotes para importação que seriam falsos.

Cumpre ressaltar que, ao que parece, as fabricantes indiana e russa das vacinas citadas relutam em entregar seus dados à Anvisa. E recentemente o ex-ministro Barros criticou suposta procrastinação da agência em suas decisões sobre  vacinas contra a covid-19.

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