Cláudio Cordovil

O que a rampa da Gol tem a ver com os doentes raros?

Em recente viagem a São Paulo, pude conhecer a rampa especial criada pela Gol para pessoas com problemas de mobilidade. Ela facilita o embarque e desembarque de passageiros em suas aeronaves em posições sem ponte de acesso ao terminal (finger). É bem verdade que ela não é nova! Foi lançada há cerca de um ano! Mas eu nunca tinha visto. E o que vi me fascinou! E explico por quê!

A primeira coisa que reparei foi seu caráter monumental! É um verdadeiro trambolho, que tapa nossa visão daquele Boeing tão bacana! É uma peça grande, coisa que a gente percebe melhor quando colocada na porta de embarque da aeronave. Mas nem a empresa nem os passageiros se preocupam muito com isso. Porque ela está ali por um bom propósito!

A segunda é o zelo da empresa em buscar uma solução adequada e digna (mas não necessariamente elegante, isso é o de menos no caso), para pessoas que representam minorias, numa sociedade que aprendeu a avaliar tudo mesquinhamente pelo compasso do custo-benefício que contempla as maiorias silenciosas ou ruidosas, como regra geral.

Houve gente, aquela de sempre, que disse que a empresa fez isso para não receber mais multas. Afinal, em 2015, a GOL teve que pagar uma multa de R$ 31,5 mil após uma passageira cadeirante ter sido obrigada a se arrastar por 15 degraus para conseguir embarcar em Foz do Iguaçu.

Mas eu prefiro não acreditar nisso! Porque para evitar multas eles poderiam fazer qualquer coisa meia-boca. E não é o caso! Vê-se que ali houve conversa com os potenciais usuários, projeto e planejamento. O nome disso é ‘cuidado’. Cuidado pelo outro! E isto é muito bacana.

E os doentes raros, o que isso tem a ver?

Imaginemos que um museu qualquer no Brasil propusesse limitar o acesso de cadeirantes a suas instalações por conta do alto custo de elevadores para esta clientela? Ou aplicar uma métrica qualquer a esta situação para verificar se o acesso por cadeirantes ao museu é custo-efetivo? Ou, em Português claro, será que não estou jogando dinheiro fora fazendo reformas estruturais para uns poucos visitantes?.

Isso lhe pareceria inadmissível, não? A você e a qualquer pessoa. Por quê? Na verdade, o que muitas vezes passa despercebido das pessoas é o fato de que já nos acostumamos a abrir exceções, em situações envolvendo a Medicina, onde se torna complicado precificar a vida humana! Não é nada do outro mundo! A gente já faz isso! É por isso que você acha absurdo algum engenheiro de obra feita lhe dizer que não construiu rampa de acesso ou não instalou elevador no museu porque o numero de cadeirantes que compram ingressos seria insuficiente para justificar a obra.

Também já agimos assim tranquilamente para transplantes de órgãos! Ninguém se pergunta se a operação será custo-efetiva, ainda que os receptores de órgãos tenham uma expectativa de vida reduzida e possam morrer no mês seguinte ou gastem os tubos de dinheiro público para manter sua imunosupressão e para receber outros tratamentos para eventuais complicações.

Pois bem, resumindo a opereta: Não há diferença substancial alguma entre um paciente preso à cadeira de rodas sem perspectivas de melhora e um doente raro cujo medicamento só estabiliza sua condição clínica e não a reverte (ainda que muitos medicamentos órfãos demonstrem forte eficácia ao longo do tempo).

A rampa da Gol me deu orgulho de ser brasileiro. Orgulhoso, subi pela mesma, ciente de que os direitos de todos ali estavam sendo respeitados, ainda que isso não fosse custoefetivo. É bonito viver em uma sociedade que cuida bem de suas minorias, assegurando a elas autonomia, dignidade e respeito! Este dia ainda vai chegar para os doentes raros! Eu ainda viverei para ver !

 

 

 

1 comentário em “O que a rampa da Gol tem a ver com os doentes raros?”

  1. Penso que algumas mudanças, e esse é um bom exemplo, só aconteceram porque algumas pessoas humilhadas recorreram à Justiça. Isso que pejorativamente chamam de “judicialização” e que nada mais é do que luta.

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