Cláudio Cordovil

Na transição de governo, incorporações pela CONITEC revelam discreto aumento

Em nosso post de estréia da seção RADAR ATS, resolvemos avaliar, quantitativamente, as incorporações de medicamentos órfãos ao SUS, entre 2018 e 2019. A escolha deste período para análise tem sua razão de ser. Queríamos ver se a mudança de governo (de Temer para Bolsonaro) e, especialmente, a posse de Denizar Vianna de Araújo na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos  (SCTIE), em dezembro de 2018, teriam alterado algo, em termos de volume de incorporações de medicamentos órfãos ao SUS.

Afinal, a escolha de Denizar para a SCTIE, órgão a quem se subordina a CONITEC, fora saudada pela indústria e por associações de pacientes como acertada, dada sua vasta experiência como médico, professor universitário e respeitado especialista em Economia da Saúde.

O que é Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)?
É um processo de investigação das consequências clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde em curto e longo prazo, bem como seus efeitos diretos e indiretos, desejados ou não. Permite apresentar alternativas de tratamento a clínicos gerais, pacientes e outros e, frequentemente, proporciona elementos que orientam a tomada de decisões estratégicas relacionadas à cobertura dos serviços ou à alocação de recursos, incluindo a aquisição de equipamentos. A ATS inclui grupos interdisciplinares e uma variedade de métodos de análise. (Fonte: Dicionário IATS)

 No entanto, ao menos quantitativamente, a mudança de governo em nada alterou, a julgar pelo ano de 2019, a política da CONITEC com relação a medicamentos destinados a pessoas que vivem com doenças raras .

Antes de nos debruçarmos sobre os dados, um esclarecimento. Os números aqui apresentados se referem a indicações terapêuticas recomendadas ou não pela CONITEC para incorporação ao SUS. E você precisa levar em conta que um mesmo medicamento pode ter várias indicações, ok?

 Em 2018, ainda no governo Temer e, sob a gestão de Marco Antonio Fireman, a SCTIE autorizou a incorporação de 10 indicações de um total de 21 que tiveram sua decisão publicada naquele ano (47,6%). Já em 2019,  sob a gestão de Denizar Vianna, foram oito incorporações de um total de 16 demandas com decisão publicada no mesmo ano (50%). Portanto, discreto aumento em relação a 2018. 

Desde sua criação, em dezembro de 2011 até janeiro de 2020, a CONITEC recebeu 104 demandas de incorporação de medicamentos órfaos/indicações ao SUS. No acumulado, ao longo do periodo, ela recomendou a incorporação em 51,4% dos casos, contra 37,3% de negativas de incorporações, com 15,14% restantes ainda em análise no mês passado.

Algo como uma espécie de ‘herança maldita’ foi deixada para o governo atual, pelo anterior: a quantidade de incorporações aprovadas no apagar das luzes do governo Temer.

 Só no mês de dezembro de 2018, Marco Antonio Fireman aprovou seis indicações (60%) de um total de 10 incorporações de medicamentos órfãos ao longo do mesmo ano. No entanto, das seis indicações, apenas o acetato de glatiramer foi incluido em um Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT), até o mês passado. Nenhum dos oito medicamentos/indicações incorporados ao SUS em 2019 integra um PCDT . Este medicamento é indicado para o tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente.

O que são os PCDT?
Os PCDT são recomendações, desenvolvidas por meio de revisão sistemática da literatura científica existente, para apoiar a decisão do profissional e do paciente sobre o cuidado médico mais apropriado, em relação às condutas preventivas, diagnósticas ou terapêuticas dirigidas para determinado agravo em saúde ou situação clínica. Assim, os protocolos buscam sistematizar o conhecimento disponível e oferecer um padrão de manejo clínico mais seguro e consistente, do ponto de vista científico para determinado problema de saúde (CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA, 2010).

Como o fornecimento de um medicamento órfão ao paciente pelo SUS está condicionado à sua menção em um PCDT disciplinando seu uso, pode-se aventar a hipótese de que a não-publicação de um PCDT seja uma manobra plausível para conter despesas que tal medicamento poderia suscitar. Assim, a mera procrastinação na produção de PCDTs poderia ser um interessante mecanismo de racionamento de gastos no SUS.

Nossa análise possui limitações. A ênfase no quantitativo das incorporações não considera eventuais melhorias nos processos de governança adotados pela CONITEC. Mas, como para o paciente, o que importa é o acesso ao medicamento, elemento fundamental de seu direito à saúde, não deixa de ser revelador que, neste campo, muito pouca coisa tenha mudado na transição do governo Temer para Bolsonaro. Seguiremos acompanhando.

Nota da Redação: No momento em que preparávamos este post, fomos surpreendidos pela notícia da saída de Denizar Vianna da SCTIE, órgão a que se subordina a CONITEC. Os dados aqui apresentados falam por si. Os tímidos resultados no campo das doenças raras aqui mostrados seriam responsáveis pelo seu pedido de afastamento? Dá o que pensar.  RADAR ATS é uma seção do blog totalmente elaborada a partir de dados públicos.

ATENÇÃO: Pode haver discrepâncias entre os dados por nós apresentados e aqueles que a CONITEC apresenta em seus comunicados e eventos públicos. No entanto, todo o material aqui analisado partiu de dados públicos, disponibilizados pela referida Comissão.

Gostou da nova seção do blog? Críticas? Sugestões? Deixe seu comentário aqui embaixo. 

 

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

2 comentários em “Na transição de governo, incorporações pela CONITEC revelam discreto aumento”

  1. Parabéns pela excelente avaliação e pelo conteúdo do artigo!
    Seu trabalho é uma importante prestação de serviço aos pacientes! Continue com seus textos maravilhosos para nos informar sempre.
    Que pena que o Denizar Vianna não está mais à frente desse desafio-acesso de tecnologias aos pacientes. Ele é um profissional de ouro no mundo da Economia da Saúde e da medicina, além de íntegro, honesto e um ser humano pra lá de especial.

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    • Muito obrigado, Maria José! Vindo de você, o comentário muito nos honra. A participação dos leitores nos anima a prosseguir! De fato, Denizar é um grande profissional. Vai fazer falta. Bem-intencionado, não sei se pode viabilizar suas idéias à frente da SCTIE. O mundo da política infelizmente não se rege, necessariamente, pela competência profissional e acadêmica.

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