Em nosso post de estréia da seção RADAR ATS, resolvemos avaliar, quantitativamente, as incorporações de medicamentos órfãos ao SUS, entre 2018 e 2019. A escolha deste período para análise tem sua razão de ser. Queríamos ver se a mudança de governo (de Temer para Bolsonaro) e, especialmente, a posse de Denizar Vianna de Araújo na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), em dezembro de 2018, teriam alterado algo, em termos de volume de incorporações de medicamentos órfãos ao SUS.
Afinal, a escolha de Denizar para a SCTIE, órgão a quem se subordina a CONITEC, fora saudada pela indústria e por associações de pacientes como acertada, dada sua vasta experiência como médico, professor universitário e respeitado especialista em Economia da Saúde.
[su_box title=”O que é Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)?” style=”glass” box_color=”#2215d5″ title_color=”#f0ce48″ radius=”5″]É um processo de investigação das consequências clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde em curto e longo prazo, bem como seus efeitos diretos e indiretos, desejados ou não. Permite apresentar alternativas de tratamento a clínicos gerais, pacientes e outros e, frequentemente, proporciona elementos que orientam a tomada de decisões estratégicas relacionadas à cobertura dos serviços ou à alocação de recursos, incluindo a aquisição de equipamentos. A ATS inclui grupos interdisciplinares e uma variedade de métodos de análise. (Fonte: Dicionário IATS) [/su_box]
[su_highlight]No entanto, ao menos quantitativamente, a mudança de governo em nada alterou, a julgar pelo ano de 2019, a política da CONITEC com relação a medicamentos destinados a pessoas que vivem com doenças raras[/su_highlight].
Antes de nos debruçarmos sobre os dados, um esclarecimento. Os números aqui apresentados se referem a indicações terapêuticas recomendadas ou não pela CONITEC para incorporação ao SUS. E você precisa levar em conta que um mesmo medicamento pode ter várias indicações, ok?
[su_highlight]Em 2018, ainda no governo Temer e, sob a gestão de Marco Antonio Fireman, a SCTIE autorizou a incorporação de 10 indicações de um total de 21 que tiveram sua decisão publicada naquele ano (47,6%). Já em 2019, sob a gestão de Denizar Vianna, foram oito incorporações de um total de 16 demandas com decisão publicada no mesmo ano (50%). Portanto, discreto aumento em relação a 2018.[/su_highlight]
Desde sua criação, em dezembro de 2011 até janeiro de 2020, a CONITEC recebeu 104 demandas de incorporação de medicamentos órfaos/indicações ao SUS. No acumulado, ao longo do periodo, ela recomendou a incorporação em 51,4% dos casos, contra 37,3% de negativas de incorporações, com 15,14% restantes ainda em análise no mês passado.
Algo como uma espécie de ‘herança maldita’ foi deixada para o governo atual, pelo anterior: a quantidade de incorporações aprovadas no apagar das luzes do governo Temer.
[su_highlight]Só no mês de dezembro de 2018, Marco Antonio Fireman aprovou seis indicações (60%) de um total de 10 incorporações de medicamentos órfãos ao longo do mesmo ano. No entanto, das seis indicações, apenas o acetato de glatiramer foi incluido em um Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PCDT), até o mês passado. Nenhum dos oito medicamentos/indicações incorporados ao SUS em 2019 integra um PCDT[/su_highlight]. Este medicamento é indicado para o tratamento da esclerose múltipla remitente-recorrente.
[su_box title=”O que são os PCDT?” style=”glass” box_color=”#2215d5″ title_color=”#f0ce48″ radius=”5″]Os PCDT são recomendações, desenvolvidas por meio de revisão sistemática da literatura científica existente, para apoiar a decisão do profissional e do paciente sobre o cuidado médico mais apropriado, em relação às condutas preventivas, diagnósticas ou terapêuticas dirigidas para determinado agravo em saúde ou situação clínica. Assim, os protocolos buscam sistematizar o conhecimento disponível e oferecer um padrão de manejo clínico mais seguro e consistente, do ponto de vista científico para determinado problema de saúde (CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA, 2010).[/su_box]
Como o fornecimento de um medicamento órfão ao paciente pelo SUS está condicionado à sua menção em um PCDT disciplinando seu uso, pode-se aventar a hipótese de que a não-publicação de um PCDT seja uma manobra plausível para conter despesas que tal medicamento poderia suscitar. Assim, a mera procrastinação na produção de PCDTs poderia ser um interessante mecanismo de racionamento de gastos no SUS.
Nossa análise possui limitações. A ênfase no quantitativo das incorporações não considera eventuais melhorias nos processos de governança adotados pela CONITEC. Mas, como para o paciente, o que importa é o acesso ao medicamento, elemento fundamental de seu direito à saúde, não deixa de ser revelador que, neste campo, muito pouca coisa tenha mudado na transição do governo Temer para Bolsonaro. Seguiremos acompanhando.
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Nota da Redação: No momento em que preparávamos este post, fomos surpreendidos pela notícia da saída de Denizar Vianna da SCTIE, órgão a que se subordina a CONITEC. Os dados aqui apresentados falam por si. Os tímidos resultados no campo das doenças raras aqui mostrados seriam responsáveis pelo seu pedido de afastamento? Dá o que pensar. RADAR ATS é uma seção do blog totalmente elaborada a partir de dados públicos.
[su_note]ATENÇÃO: Pode haver discrepâncias entre os dados por nós apresentados e aqueles que a CONITEC apresenta em seus comunicados e eventos públicos. No entanto, todo o material aqui analisado partiu de dados públicos, disponibilizados pela referida Comissão. [/su_note]
Gostou da nova seção do blog? Críticas? Sugestões? Deixe seu comentário aqui embaixo.
Parabéns pela excelente avaliação e pelo conteúdo do artigo!
Seu trabalho é uma importante prestação de serviço aos pacientes! Continue com seus textos maravilhosos para nos informar sempre.
Que pena que o Denizar Vianna não está mais à frente desse desafio-acesso de tecnologias aos pacientes. Ele é um profissional de ouro no mundo da Economia da Saúde e da medicina, além de íntegro, honesto e um ser humano pra lá de especial.
Muito obrigado, Maria José! Vindo de você, o comentário muito nos honra. A participação dos leitores nos anima a prosseguir! De fato, Denizar é um grande profissional. Vai fazer falta. Bem-intencionado, não sei se pode viabilizar suas idéias à frente da SCTIE. O mundo da política infelizmente não se rege, necessariamente, pela competência profissional e acadêmica.