Cláudio Cordovil

Medicamentos oncológicos: bilhões gastos, pouca vida ganha


Nota da Redação

Sei que este texto não trata diretamente de doenças raras, que é o foco central do Academia de Pacientes. Ainda assim, optei por publicá-lo aqui porque ele toca em questões que considero fundamentais para qualquer discussão séria sobre acesso a medicamentos e políticas públicas de saúde.

Os dilemas em torno dos medicamentos oncológicos (desde aprovações baseadas em evidências frágeis até preços que não guardam relação com o benefício clínico real) se conectam com a realidade que vemos também nas doenças raras: pacientes vulneráveis, pressionados pela urgência, aceitando tratamentos de eficácia incerta; indústrias que exploram vias regulatórias rápidas; sistemas de saúde sobrecarregados por custos que parecem não ter limite.

Trazer esse debate para o blog é, portanto, uma forma de ampliar o olhar crítico sobre como a ciência, a regulação e o mercado interagem quando o assunto é saúde. Afinal, entender os problemas que afetam a oncologia ajuda a refletir sobre os desafios que também cercam os medicamentos para doenças raras e tantas outras condições negligenciadas.


A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, tem dado ênfase crescente à segurança e à eficácia das vacinas. Mas médicos e pesquisadores em saúde pública alertam: o contraste com a oncologia é gritante. Ao contrário das vacinas, os medicamentos contra o câncer carregam um histórico irregular de benefícios clínicos reais para os pacientes.

Enquanto a agência norte-americana intensifica seu rigor em relação às vacinas, especialistas apontam que o mesmo zelo não se aplica aos medicamentos contra o câncer — setor marcado por aprovações aceleradas, desfechos substitutos frágeis e custos bilionários sem ganhos proporcionais em sobrevida.

Em média, novos fármacos aprovados antes da comercialização ampliaram a expectativa de vida em apenas dois a três meses — menos do que a maioria dos pacientes considera aceitável diante de efeitos adversos leves. Ainda assim, a FDA aprova cerca de dois terços dos medicamentos oncológicos com base em desfechos substitutos — como taxa de resposta ou sobrevida livre de progressão — em vez de medir diretamente se o tratamento prolonga ou melhora a vida. Essa prática é especialmente comum no programa de aprovação acelerada, responsável por mais de 85% das novas autorizações na área de oncologia.

Uma análise de 93 indicações oncológicas aprovadas nesse regime entre 1992 e 2017 mostrou que apenas 20% resultaram em ganho de sobrevida global; estudos mais recentes elevam esse índice para um terço. Exemplos emblemáticos incluem everolimus para câncer de mama, olaparibe para câncer de pâncreas e ramucirumabe para câncer de pulmão, todos sem benefício em sobrevida após acompanhamento prolongado. Além disso, tais desfechos não captam a qualidade de vida nem a chamada toxicidade financeira: os custos altos que recaem sobre pacientes e sistemas de saúde.

Apesar disso, a legislação obriga seguradoras a cobrir qualquer medicamento oncológico aprovado pela FDA. Esse cenário cria incentivos claros para a indústria farmacêutica, que realinha esforços para a oncologia em detrimento de áreas críticas como antibióticos e vacinas. O resultado é um mercado bilionário: em 2023, os EUA gastaram US$ 99 bilhões em fármacos oncológicos, com projeção de chegar a US$ 180 bilhões em 2028, sem que isso se traduza em melhores taxas de mortalidade em relação a países comparáveis. Preço e eficácia clínica, neste campo, raramente caminham juntos.

Oportunidade de mudança

Para especialistas, a FDA tem diante de si uma oportunidade estratégica de redefinir padrões e alinhar custo e benefício em oncologia. Entre as medidas defendidas:

  • Exigir benefícios clínicos significativos: estabelecer, por exemplo, ganhos mínimos de sobrevida global (não inferiores a seis meses) e coibir medicamentos “me-too”, que pouco diferem de terapias já existentes.
  • Priorizar sobrevida global como desfecho primário: restringir o uso de desfechos substitutos e da aprovação acelerada a situações sem alternativas terapêuticas, condicionando a manutenção da aprovação à comprovação de benefício real.
  • Impor grupos de controle adequados em ensaios clínicos: obrigar que os comparadores representem o padrão de tratamento vigente nos EUA, e não opções inferiores que favoreçam artificialmente o desempenho do novo fármaco.

Oncologistas já sugerem reformulações no desenho dos estudos para centralizar a sobrevida global, mensurar benefícios clínicos concretos e comunicar resultados em linguagem imparcial. Tais mudanças poderiam fortalecer a base de evidências e, sobretudo, proteger pacientes em situação de vulnerabilidade, que tendem a aceitar qualquer promessa de tratamento.

O dilema é claro: vale a pena esperar por bons medicamentos? Estudos indicam que medir sobrevida global atrasaria o ciclo de desenvolvimento em apenas 11 meses. Mas, em troca, pacientes, médicos e sistemas de saúde ganhariam mais clareza sobre o real valor de cada terapia.


Fonte: Secretary Kennedy’s Vaccine Skepticism Is Misplaced: Try Cancer Drugs Instead / Health Affairs

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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