Cláudio Cordovil

Impacto orçamentário e medicamentos (de alto custo)

Uma alegação constante do governo, ainda que jamais comprovada por pesquisas ou artigos científicos independentes, em solo nacional, é a de que o impacto orçamentário dos medicamentos órfãos nos sistemas de saúde é expressivo. Desta forma, por este raciocínio, e como dinheiro não estica, se sacrificaria o que poderia ser a assistência em saúde a cidadãos com doenças mais frequentes e que atingem maior número de pessoas no Brasil.

Nada mais distante da verdade. Nos Estados-membros da União Européia, onde os estudos de farmacoeconomia costumam ser mais sérios, os medicamentos órfãos continuam a representar uma fração extremamente pequena dos recursos comprometidos na assistência farmacêutica.

Um achado robusto na literatura centífica que se repete neste campo é a constatação de valores, em média, inferiores a 5% do gasto total destinado a medicamentos, nos países em que o acesso a drogas órfãs é o mais amplo possível.

Vejamos alguns estudos sérios sobre o tema:

  • Pesquisa datada de 2011 que tentou modelar o custo total de medicamentos órfãos na Europa entre 2010 e 2020, como uma parcela do gasto europeu total com medicamentos, verificou que, apesar de este se elevar de 3,3% em 2010 para 4,6% em 2016, a fatia do gasto total representada pelos medicamentos órfãos iria alcançar um platô e se estabilizar entre os 4% e os 5% até o ano de 2020.
  • Estudo comparativo de 2013 entre a Suécia e a França verificou que o impacto orçamentário dos medicamentos órfãos nestes dois países iria se estabilizar entre os 4% e 5% do gasto nacional com medicamentos em 2020, mantendo-se nesta faixa por um bom tempo, a despeito dos temores infundados dos pagadores.
  • Estudo assemelhado de 2014 conduzido na Holanda verificou que o “impacto orçamentário individual dos medicamentos órfãos é sempre limitado, embora existam exceções”, e que, ainda que firmemente em elevação, a proporção do gasto farmacêutico com medicamentos órfãos em 2012 alcançou somente os 4,2% do montante de recursos total gasto com fármacos.
  • Peguemos  então um país pobre da União Européia, para não parecer que estamos falseando os dados: a Letônia. Estudo publicado em 2016 mostrou que os gastos com medicamentos órfãos naquele país ainda representavam uma fração minúscula do mercado farmacêutico total no país (0,84%).

Ainda que estes dados não falem a favor de um gasto expressivo de governos com medicamentos órfãos, devemos entender as preocupações dos gestores nesse sentido como legítimas. Só haverá negociação possível , que favoreça os pacientes (e todos os envolvidos), quando os interesses de todos as partes envolvidas na discussão forem acatados e respeitados como legítimos.

Assim, o que deveria ser a nossa reivindicação ? Precisamos desenvolver uma abordagem do problema que melhor contemple o direito do paciente ao pleno acesso a medicamentos órfãos, mas que também ajude a restaurar a transparência e a confiança entre pagadores e indústria farmacêutica, pavimentando o caminho para o ‘preço justo’ e assegurando que o valor dos novos medicamentos seja otimizado para atender as verdadeiras aspirações da sociedade neste campo. Esta seria uma solução vencedora para todas as partes envolvidas.

Então, o que você como paciente está disposto a oferecer na mesa de negociações para que o governo possa lhe assegurar o medicamento necessário? Não dá pra fazer pouco caso dos interesses do governo ou de outros setores na negociação. Todos os interesses são legitimos! E é a partir desta constatação que avanços podem ser obtidos nas conquistas políticas !

Publicado originalmente em 30 de setembro de 2017

2 comentários em “Impacto orçamentário e medicamentos (de alto custo)”

  1. Achei ótima a sua colocação sobre o impacto percentual dos medicamentos órfãos no orçamento da saúde. Talvez no Brasil esse impacto seja maior do que nos países mencionados, mas também precisaríamos fazer a correlação entre os gastos totais com saúde e os gastos com doenças raras, cá e lá. O que ocorre é que as pessoas se impressionam com os preços unitários dos medicamentos e extrapolam essas impressões para o âmbito mais geral.

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    • Exatamente, Wilson! O impacto orçamentário global nos gastos com medicamentos de um sistema de saúde é pequeno. Mas nas reuniões da Conitec e assemelhadas tomam os preços unitários como parâmetro e, naturalmente, por essa lógica os preços sempre vão parecer astronômicos. O importante desse post é mostrar que o impacto global de tais medicamentos nos gastos totais com eles para os sistemas de saúde não é essa coisa toda.

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