Avaliações de qualidade de vida são medidas genéricas baseadas em preferências, empregadas para calcular a qualidade de vida relacionada à saúde (QoL) dos pacientes.
Em outras palavras, são utilizadas para se calcular anos de vida ajustados à qualidade (QALYs) em análises de custo-utilidade empregadas em avaliações de tecnologia de saúde (ATS).
As ATS informam as decisões da Conitec para incorporar ou não tecnologias em saúde ao SUS, entre elas os medicamentos.
Dentre estas medidas, que buscam fornecer uma visão geral da qualidade de vida (QV) do paciente, a mais empregada é o EQ-5D.
Assim, os EQ-5D são basicamente questionários que buscam calcular o QALY em cinco dimensões da saúde.
- Mobilidade
- Autocuidado
- Atividades habituais
- Dor/desconforto
- Ansiedade/depressão
No entanto, agora se sabe que medidas genéricas baseadas em preferências, como o EQ-5D, podem não capturar métricas que importam para os pacientes, resultando, por exemplo, na não recomendação de incorporação desta ou aquela tecnologia a um sistema público de saúde.
Este é o caso da Esclerose Múltipla (EM). O EQ-5D pode não refletir a totalidade da QV na Esclerose Múltipla, por não incluir domínios como fadiga e cognição.
No entanto, avaliando-se pessoas com EM verificaram-se evidências de que a fadiga e a cognição estariam correlacionadas com outros domínios do EQ-5D, como atividades habituais e ansiedade/depressão. Dessa forma, ainda que indiretamente, pode-se dizer que o EQ-5D capturaria alguns dos impactos da fadiga e da cognição.
Apesar disso, acredita-se que dimensões separadas de fadiga ou cognição seriam necessárias para capturar os impactos adequadamente nesta população.
Outros estudos têm sugerido que o EQ-5D captura de modo inadequado elementos de privação sensorial, incluindo visão e outros aspectos da QV, como problemas de bexiga, formigamento/dormência e equilíbrio/tontura, todos relevantes para pessoas com EM.
O EQ-5D também se mostrou incapaz de distinguir pessoas com deficiência (PCD) leve ou moderada, o que mais uma vez sugere que este instrumento pode não espelhar a qualidade de vida de pessoas com EM.
As implicações destas revelações para as pessoas que vivem com esclerose múltipla são evidentes. Dado o emprego corriqueiro de dados de EQ-5D em ATS, apesar da evidência de suas falhas nessa população aqui mencionadas, pode-se argumentar que muitas destas avaliações passadas falharam em capturar toda a gama de resultados que importam para estes pacientes nas análises de custo-utilidade (QALY). Isto em última análise pode ter resultado (e ainda resultará) em recomendações de não incorporação de medicamentos ao SUS a ela destinados ou mesmo de seu reembolso em outros países.
Soluções para o problema
As pessoas que vivem com EM costumam apresentar flutuações de seus sintomas de tempos em tempos, assim como alterações de longo prazo, como semanais ou mensais.
Questionários sobre QV, como o EQ-5D, determinam um “período de recall”, que basicamente é o lapso de tempo que o paciente é solicitado a considerar quando responde ao questionário que visa avaliar sua QV. O EQ-5D pede aos entrevistados que avaliem sua condição de saúde “hoje”.
Quando as pessoas preenchem questionários sobre sua QV, espera-se que elas sigam o ‘período de recall’ usado no questionário. O período de recall é o período que eles são solicitados a considerar ao avaliar sua QV. Por exemplo, o EQ-5D pede aos entrevistados que avaliem sua saúde ‘hoje’.
Como os sintomas da EM são flutuantes, pode acontecer que quando o questionário é respondido, estes estejam menos evidentes naquele lapso de tempo indicado no “período de recall”.
Para lidar com isso, desenvolveu-se recentemente uma nova versão do EQ-5D na qual pacientes com EM avaliam sua saúde três vezes ao dia, ao longo de uma semana, através de aplicativos móveis.
Apesar de bem-sucedida na coleta de dados mais fidedignos, esta nova versão de EQ-5D não foi adotada por tomadores de decisão.
Recentemente, publicamos post neste blog sobre o caráter discriminatório do QALY e suas implicações em termos de equidade no que se refere a quem vive com doenças raras e pessoas com deficiência (PCD). No momento em que a Conitec cogita empregar um parâmetro de referência de custo-efetividade (QALY?) em suas discussões, é hora de os potenciais prejudicados participarem mais ativamente deste debate.
Para saber mais
Views of the UK General Public on Important Aspects of Health Not Captured by EQ-5D
A Review of the Psychometric Properties of Generic Utility Measures in Multiple Sclerosis
Measuring Quality-Adjusted Life-Years When Health Fluctuates