Cláudio Cordovil

Erro da CONITEC pode gerar precedente para doentes raros

Um caso recente envolvendo a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (CONITEC) e o Instituto Oncoguia pode servir de inspiração para que inúmeros portadores de doenças raras (e frequentes), bem como seus familiares, questionem na Justiça os relatórios de recomendação daquela comissão, com decisões pela não-incorporação de determinadas tecnologias de saúde ao SUS.

Explico. Recentemente o Instituto Oncoguia, após avaliar o relatório de recomendação da Conitec na Consulta Pública CONITEC nº 47/18, sobre a proposta de incorporação dos medicamentos indicados para o tratamento de carcinoma de células renais, identificou que a Conitec emitiu um tipo de consideração que não era da sua alçada, extrapolando assim sua missão institucional, sem definir-se pela recomendação ou não de incorporação de determinados medicamentos.

Por conta disso, o Instituto Oncoguia requereu ao secretário da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), Marco Antônio de Araújo Fireman, por telegrama datado de 26/09/2018, a suspensão da referida Consulta Pública, até que o Plenário da CONITEC realizasse uma nova deliberação, “respeitando a atribuição que lhe é conferida legalmente, que, no caso, se restringe a duas possibilidades”:

  1. recomendar a incorporação
  2. recomendar a não-incorporação das tecnologias avaliadas.

O fato é que o Secretário resolveu anular a Consulta Pública nº 47/18 ! Além disso, tornou pública nova consulta para manifestação da sociedade civil, a respeito do relatório preliminar revisado pela CONITEC.

Trata-se de importante vitória do Instituto Oncoguia e da sociedade civil organizada na luta por maior transparência e legitimidade das decisões da Conitec, que afetam radicalmente a vida de milhares de brasileiros.

O caso pode abrir um precedente para o questionamento judicial de outros relatórios de recomendação publicados pela CONITEC no que se refere à incorporação de tecnologias em saúde voltadas para doenças raras ou prevalentes.

De fato, pesquisadores da USP já haviam apontado, em artigo publicado na prestigiosa revista Health Research Policy and Systems, o fato de serem notadas, por parte da CONITEC , “dificuldades relacionadas à observância de (…) regimentos internos (…) quando se considera o tipo de evidência que deve ser apresentada nos relatórios de recomendação”.

E prosseguem os pesquisadores: “A despeito da ênfase que os regimentos internos dão a avaliações econômicas como evidência relevante, Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS) completas só foram empregadas em 39,2% dos relatórios analisados“.

Além disso, os autores do artigo verificaram que “aproximadamente metade dos relatórios de recomendação emitidos pela CONITEC foram por eles classificados como ‘outros’, na medida em que só apresentavam uma descrição das características e dos usos correntes da tecnologia, com ou sem informação sobre seus custos e impacto financeiro“.

De fato, os autores do estudo apontam como um de seus mais importantes achados o fato de terem constatado por parte da CONITEC a falta de observância de seus regimentos internos (…) em temos do tipo e da qualidade da evidência considerada na análise de demandas para incorporação de novas tecnologias.

O que a lei determina que a CONITEC deve fazer:

A Lei 12.401 de 28 de abril de 2011 é bastante precisa no que se refere às atribuições da CONITEC, inclusive definindo o que deve constar em seus relatórios de recomendação.

De fato, o artigo 19-Q , parágrafo 2º diz o seguinte:

§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:

I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;

II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.”

Já o Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, em seu artigo 4º, define as competências da CONITEC.

Art. 4° À CONITEC compete:

I – emitir relatório sobre:
a) a incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde; e
b) a constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; e
II – propor a atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME nos termos do art. 25 do
Decreto no 7.508, de 28 de junho de 2011.

Observa-se que são bem específicas e restritas as competências da CONITEC, o que aconselha que todos os pacientes e suas associações leiam atentamente os Relatórios de Recomendação desta comissão, em busca de eventuais impropriedades.

Adicionalmente, a Portaria MS/GM 2.009/12, que aprova o Regimento Interno da CONITEC, assim determina, com clareza meridiana:

Art. 2º A CONITEC tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de tecnologias em saúde, na constituição ou na alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e na atualização da Relação Nacional de Medicamentos (RENAME).

Parágrafo único. O assessoramento de que trata o caput consiste na produção de relatório que levará em consideração, no mínimo (grifo nosso), os seguintes elementos:

I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo relatado, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso, de preferência comparadas à melhor tecnologia disponível no SUS e complementadas por revisão da literatura na perspectiva do SUS;

II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível;

III – o impacto da incorporação da tecnologia no SUS;

IV – a relevância da incorporação tecnológica para as políticas de saúde prioritárias do SUS;

V – as condicionantes necessárias, tais como o preço máximo de incorporação, critérios técnico-assistenciais para alocação, estrutura e logística necessários para implantação da tecnologia e acompanhamento da tecnologia incorporada, quando pertinente;

VI – as contribuições recebidas nas consultas públicas e, quando realizadas, nas audiências públicas; e

VII – a inovação e contribuição para o desenvolvimento tecnológico do Brasil.


Leia a íntegra do telegrama enviado pelo Instituto Oncoguia ao Secretário da SCTIE, que motivou a anulação do relatório de recomendação anterior:

De acordo com o art. 36, §2º, da Portaria MS/GM nº 2.009/12, as recomendações da CONITEC podem ser de um dos seguintes tipos formais:

I – pela incorporação da tecnologia em saúde;
II – pela não incorporação da tecnologia em saúde;
III – pela ampliação da indicação da tecnologia em saúde, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10);
IV – pela restrição da indicação da tecnologia em saúde, segundo a CID-10;
V – pela exclusão da tecnologia em saúde;
VI – pela não exclusão da tecnologia em saúde;
VII – pela constituição ou alteração de PCDT; ou
VIII – pela aprovação de PCDT.

No caso do relatório de recomendação preliminar do sunitinibe ou pazopanibe para o tratamento de pacientes portadores de carcinoma renal de células claras metastático, a recomendação da CONITEC ficou indefinida, ou seja, não há uma recomendação nem pela incorporação nem pela não incorporação, tornando inviável o envio de contribuições, sobretudo por parte da sociedade civil. Veja-se, nesse sentido, transcrição constante no resumo executivo: “A CONITEC em 30/08/2018, recomendou preliminarmente pela não criação no SUS deste novo procedimento APAC, para o tratamento do carcinoma renal de células claras metastático, por julgar que o valor ressarcido atualmente é suficiente para a cobertura dos tratamentos”.

A Portaria MS/GM nº 2.009/12 não atribuiu à CONITEC a competência para dizer se cria, não cria, altera ou não altera um procedimento na tabela do SUS. No caso das tecnologias citadas, caberia à CONITEC essencialmente dizer se recomenda ou não sua incorporação.

A partir de uma eventual decisão de incorporação por parte do Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos é que o Ministério da Saúde – por meio de outra Secretaria ou Departamento que não à CONITEC – deveria definir a forma de efetivar a oferta da tecnologia ao SUS (compra centralizada, alteração do valor do procedimento, criação de um novo procedimento, etc.).

Sendo assim, considerando a irregularidade apontada no relatório de recomendação preliminar da CONITEC envolvendo os medicamentos sunitinibe ou pazopanibe para o tratamento de pacientes portadores de carcinoma renal de células claras metastático, objeto da Consulta Pública nº 47/2018, requeremos ao Sr. Secretário MARCO ANTONIO DE ARAUJO FIREMAN que suspenda a referida Consulta Pública e determine que o assunto seja novamente deliberado pelo Plenário da CONITEC, que deverá recomendar pela incorporação das tecnologias em saúde ou pela não incorporação das tecnologias em saúde, nos termos do art. art. 36, §2º, da Portaria MS/GM nº 2.009/12.

Nova consulta pública foi aberta para contribuições da sociedade acerca do uso do sunitinibe ou pazopanibe para o tratamento de pacientes portadores de carcinoma renal de células claras metastático. O prazo para contribuições é o dia 29 de outubro próximo.

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