Cláudio Cordovil

Doenças raras: Pode faltar verba para seu direito ao medicamento?

Ao longo de todos estes anos pesquisando doenças raras no país, adquiri uma visão privilegiada sobre o modo como administradores públicos procuram confiscar os direitos das pessoas que delas padecem.

Diante das clamorosas lesões a seus direitos fundamentais, não resta aos doentes raros alternativa, senão recorrer ao Judiciário. Não bastassem suas mazelas, suas incapacidades, seu estresse psicossocial, sua doença grave, ainda têm que brigar na justiça para reaver direitos que jamais deveriam ser-lhes negados.

“A saúde é direito de todos e dever do Estado”

Art. 196, Constituição Federal, 1988

Um expediente comum na Administração Pública é, por exemplo, invocar a “reserva do possível” para recusar a estes pacientes o acesso a medicamentos de alto custo.

Ela era ‘arroz de festa’ nas palestras presenciais de gestores informando aos doentes raros que não iriam ter moleza ao reivindicar seus direitos fundamentais.

Adiar, adiar, adiar. Até que você morra. E muitos já morreram, esperando decisões dos tribunais.

O princípio da “reserva do possível” aplicado ao Direito Sanitário vem sendo derrubado nos tribunais com frequência.

Independente disso, alguns administradores públicos com cargos executivos ainda insistem em alardear estas baboseiras diante de platéias de doentes raros, seus familiares e cuidadores.  

Como Academia de Pacientes procura trazer aos doentes raros o melhor conhecimento para que lutem por seus direitos, chegou a hora de desmascarar esta falácia.

O que é a “reserva do possível”?

Há uma vasta literatura em lingua portuguesa sobre o assunto. Você pode consultá-la se quiser.

Mas, de um modo geral, ela sustenta que a satisfação dos direitos sociais (entre eles o seu direito ao medicamento) estaria relacionada às possibilidades econômicas do Estado.

Desta forma, um limite se estabeleceria ao atendimento aos direitos fundamentais dos doentes raros (a existência de recursos nos cofres públicos).

O argumento é empregado no sentido de sugerir que o custo de determinados direitos superaria os valores disponíveis no Erário e como tais não poderiam ser atendidos.

Como surgiu a princípio da “reserva do possível”?

O princípio da reserva do possível originou-se na Alemanha na década de 1970. Foi suscitado  em uma causa apresentada perante os tribunais alemães.

Neste caso, a Suprema Corte Alemã decidiu que, somente se pode exigir do Estado à prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade.

A decisão ficou conhecida como numerus clausus de vagas nas universidades.

Esta histórica decisão diz respeito à ação movida por  um grupo de candidatos a vagas nas faculdades públicas de Medicina que não teve êxito em ingressar nas instituições de ensino, devido aos critérios de admissão na ocasião, que limitavam o número de vagas.

Parênteses agora para apontar alguns dados contextuais. O caso ocorreu na Alemanha, locomotiva atual do capitalismo mundial, em um momento em que o país enfrentava uma gravíssima crise econômica.

Como o princípio da reserva do possivel vem sendo aplicado no Brasil?

Pelo expediente do Direito Constitucional Comparado, este princípio foi importado pelo Brasil.

Assim, a administração pública, por meio do Poder Executivo, tem-se orientado por meio do emprego selvagem do principio da reserva do possível.

Faz uma má interpretação do mesmo, dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Por conta disso, muitos pacientes buscam o Judiciário em casos que tratam do acesso a medicamentos órfãos.

Desta forma, a administração pública utiliza-se da reserva do possível como um estratagema para se esquivar de suas obrigações, não raro sendo derrotada nos tribunais.

Agindo desta forma, o Judiciário restitui à sociedade os seus direitos à luz da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988.

“As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrar tal impossibilidade. O que não pode é a evocação da reserva do possível converter-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais”

(FARENA, 1997, p 12)

Existe possível “reserva do possível” diante da má administração de recursos públicos e da corrupção deslavada?

Ao que parece não. Não parece haver limites para a malversação de verbas públicas, seja pela má administração, incompetência ou corrupção. Tudo isso irá resultar em prejuízos na aplicação das politicas sociais. É justo que a sociedade brasileira, pagadora de impostos, tenha seus direitos sociais limitados pela incapacidade do Estado de dar um paradeiro a este estado de coisas, por ação ou omissão?

Em outra vertente, o Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que a invocação do princípio da reserva do possível, “por si só”, não é capaz de anular a pretensão do paciente em reivindicar seu direito.

Verifica-se que a recusa ao fornecimento da medicação poderá ser admitida apenas em situações muito excepcionais.

Tem prevalecido nos tribunais a circunstância do “mínimo existencial”, na medida em que se presume que a ausência da medicação prescrita é capaz de, concretamente, comprometer não somente a saúde, mas também a própria vida do paciente.

Se você não entendeu nada ou não está convencida/o de que não pode faltar direito para seus direitos sociais, veja este video didático da Cíntia Brunelli. Explicação clara como a água

Queremos ouvir você!

Já entrou na Justiça para obter um medicamento de alto custo? A Administração Pública evocou o princípio da reserva do possível? Conte pra gente!

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