Cláudio Cordovil

Desafios e oportunidades que envolvem as terapias genéticas

O acesso às terapias genéticas para doenças raras é um desafio complexo que demanda superação de barreiras significativas. A falta de infraestrutura adequada, modelos de financiamento inovadores e incerteza dos resultados são alguns dos obstáculos a serem enfrentados. No entanto, é fundamental unir esforços e promover ações conjuntas entre diferentes setores para garantir que os sistemas de saúde estejam preparados para oferecer tratamentos acessíveis e de qualidade.

Pensando nisso, destaquei e resumi para vocês relatório que é derivado de encontro ocorrido no World Health Summit, em Berlim, em outubro do ano passado. Ele revela os desafios complexos que devem enfrentar os países que pretendem alcançar o ápice da revolução biotecnológica.

Qualquer ONG ou liderança que imagine que os governos só não implementam com mais celeridade ações para dispormos de maior variedade de terapias genéticas estará vendo a árvore e esquecendo a floresta.

Este material vem ao encontro de estudo que divulgamos aqui e que estou desenvolvendo com um grupo de pesquisadores nacionais e estrangeiros sobre inovação social farmacêutica.

O que você vai ler aqui!

  • O Framework que resumimos abaixo concentra-se em algumas barreiras e oportunidades selecionadas discutidas durante a referida mesa-redonda, que têm um impacto significativo na preparação para a era da terapia genética de doenças raras.
  • O objetivo deste Framework é servir como ponto de partida para discussões sobre as barreiras e oportunidades relacionadas à entrega e acesso à terapia genética.
  • Para superar as complexas barreiras do sistema de saúde, os países podem implementar as oportunidades potenciais oferecidas neste Framework, adaptando-as ao nível de seu status quo e prioridades do sistema de saúde de cada país.
  • Os pacientes são os principais beneficiários desses esforços e devem ser incluídos como co-líderes e co-criadores das soluções.

Introdução

No mês de outubro de 2022, durante o World Health Summit em Berlim, a Alliance for Regenerative Medicine e a Pfizer organizaram uma mesa-redonda que reuniu representantes de diferentes setores com o objetivo de discutir como os países poderiam facilitar o acesso a terapias genéticas.

Os participantes reconheceram a necessidade de estratégias adaptadas às diferenças entre países de alta renda e países de renda média e baixa.

Como resultado dessa discussão, foi produzido o relatório intitulado “Framework para Fortalecer os Sistemas de Saúde para Terapia Genética de Doenças Genéticas Raras”.

Esse relatório contém recomendações aos gestores de sistemas de saúde e autoridades governamentais, visando facilitar a entrega e o acesso a futuras terapias genéticas aprovadas.

O relatório identifica barreiras e oportunidades nos sistemas de saúde em duas áreas principais: prestação de cuidados e acesso do paciente.

As barreiras são obstáculos e desafios que dificultam a prestação de cuidados e o acesso à terapia genética, enquanto as oportunidades do sistema de saúde são políticas públicas, regulamentações e iniciativas que podem facilitar essa prestação de cuidados e acesso.

O relatório concentra-se em algumas barreiras e oportunidades específicas discutidas durante a mesa-redonda, que têm um impacto significativo na preparação para a terapia genética de doenças raras.

Esse framework serve como ponto de partida para discussões sobre as questões relacionadas à entrega e ao acesso às terapias genéticas.

Barreira 1: Infraestrutura para diagnóstico e determinação da elegibilidade do paciente

A falta de infraestrutura para diagnóstico e determinação da elegibilidade do paciente é apontada como uma barreira significativa.

O diagnóstico de doenças raras é complexo e muitas vezes demorado, resultando em atrasos nos cuidados e diagnósticos incorretos.

A triagem neonatal é destacada como uma estratégia eficiente, mas sua implementação requer maior investimento em infraestrutura e pessoal treinado.

Além disso, a determinação da elegibilidade do paciente para terapia genética exige diretrizes clínicas claras e profissionais especializados.

A educação dos pacientes e suas famílias sobre terapia genética também é destacada como um desafio, e é enfatizada a importância de programas de educação abrangentes e baseados em evidências para todas as partes interessadas.

Oportunidades:

Apoiar a Educação Multissetorial:

  • Treinamento abrangente da equipe clínica sobre terapia genética.
  • Comunicação educacional para pacientes, cuidadores e formuladores de políticas.

Fortalecer a Infraestrutura para Triagem Neonatal (NBS):

  • Implementar programa nacional de triagem neonatal.
  • Monitorar ensaios clínicos de terapia genética e celular para inclusão na triagem neonatal.

Desenvolver um Framework de Governança para Elegibilidade e Encaminhamentos:

  • Estabelecer framework nacional de governança de dados de saúde.
  • Criar consórcio multissetorial para coordenar cuidados de pacientes elegíveis.

Barreira 2: Falta de infraestrutura para entrega de terapia genética

Os pacientes enfrentam barreiras complexas ao acessar a terapia genética devido à falta de infraestrutura adequada.

A terapia genética é altamente especializada e requer uma equipe multidisciplinar, expertise e capacidades técnicas.

A variabilidade regulatória global também dificulta a compreensão dos requisitos regulatórios em cada país.

Para doenças raras, existem clínicas e centros especializados, mas condições ultrarraras têm menos recursos, e centros de excelência abrangendo várias doenças são necessários.

O modelo de cuidado de hub-and-spoke, onde os centros de excelência se conectam a instalações menores, pode ser eficaz.

A falta de infraestrutura de fabricação, administração e entrega de cuidados é uma barreira crítica para o acesso à terapia genética.

Oportunidades:

Certificar Centros Nacionais de Excelência (COEs):

  • Estabelecer processos de avaliação independente para certificar centros de excelência.
  • Criar COEs endossados nacionalmente para facilitar diagnóstico, elegibilidade e cuidados.

Integrar o Modelo Hub-and-Spoke:

  • Implementar um piloto do modelo hub-and-spoke, conectando COEs a instalações menores.
  • Incluir formalmente as instalações comunitárias no processo de cuidado através do modelo hub-and-spoke.

Conectar Centros de Excelência (COEs) entre Países:

  • Facilitar e encorajar a participação de COEs em redes internacionais.
  • Estabelecer redes de especialistas em doenças raras para promover colaboração global.

Barreira 3: Desafios em torno da adequada abordagem de valor para terapias genéticas

A incerteza dos resultados, o impacto financeiro nos sistemas de saúde e a dificuldade das metodologias tradicionais de avaliação são pontos que merecem atenção.

Os benefícios mais amplos das terapias genéticas para doenças raras podem ser subestimados, incluindo a redução de gastos a longo prazo e o valor da esperança para os pacientes.

É necessário aprimorar os métodos de abordagem de valor para aproveitar todo o potencial das terapias genéticas e garantir o acesso dos pacientes.

Esforços estão sendo feitos para incorporar esses elementos de valor nas avaliações, e esperam-se melhorias contínuas à medida que mais terapias genéticas passem por revisão.

Oportunidades:

Engajamento em Diálogo Precoce:

  • Desenvolver um processo formal de diálogo entre pagadores, órgãos de avaliação de tecnologia em saúde (ATS) e fabricantes para alinhar critérios de avaliação, necessidades de dados do mundo real e pacotes de evidências.
  • Rever as metodologias de avaliação de valor para incorporar evidências do mundo real e critérios transparentes.

Revisão das Metodologias de Avaliação de Valor:

  • Gerar evidências robustas do mundo real após o lançamento das terapias genéticas para reduzir incertezas.
  • Incluir benefícios a longo prazo das terapias genéticas para doenças raras nas avaliações de valor.

Acesso à Terapia Genética:

  • Considerar a perspectiva de vida inteira e taxas de desconto apropriadas nas análises orçamentárias.
  • Incorporar elementos adicionais de valor para pacientes, famílias e sistemas de saúde nas decisões de avaliação de valor.
  • Desenvolver métodos de comparação indireta.

Apoio a Modelos Multistakeholder de Desenvolvimento de Produtos Medicinais Avançados (ATMP):

  • Promover a colaboração entre diferentes stakeholders para desenvolver ATMPs de forma sustentável e acessível.
  • Oferecer suporte regulatório a desenvolvedores acadêmicos de ATMPs.

Barreira 4: Desafios para a adoção de modelos financeiros inovadores

A quarta barreira aborda os desafios enfrentados na adoção de modelos de financiamento inovadores para terapias genéticas.

Essas terapias são únicas, pois geralmente são administradas apenas uma vez, o que requer abordagens financeiras diferentes.

No entanto, o alto custo inicial e a incerteza clínica dificultam que os sistemas de saúde realizem pagamentos imediatos.

Para lidar com isso, são necessários modelos de pagamento que diluam os custos ao longo do tempo e estejam vinculados aos resultados obtidos na vida real.

A implementação desses modelos é complexa e exige atualizações nas regulamentações e marcos legais, além de infraestrutura adequada para monitorar a segurança e os resultados a longo prazo das terapias.

Além disso, é crucial ter dados precisos para avaliar o impacto financeiro dessas terapias nos orçamentos de saúde.

Alguns modelos de financiamento inovadores já estão sendo utilizados em algumas regiões, como Estados Unidos e Europa.

Oportunidades:

Apoio à Antecipação e Educação:

  • Engajar-se em diálogos precoces com formuladores de políticas e pagadores para educá-los sobre as novas tecnologias e o valor potencial das terapias genéticas.
  • Fornecer educação independente e baseada em ciência para formuladores de políticas federais, visando aumentar o entendimento sobre essas terapias.

Apoio ao Uso de Modelos de Pagamento Inovadores:

  • Atualizar as leis e regulamentações para acomodar acordos de pagamento baseados em valor e outros modelos inovadores.
  • Realizar pilotos de acordos baseados em resultados para terapias genéticas e aprender com essas experiências.
  • Implementar esquemas de financiamento que reduzam os custos iniciais e desenvolver infraestrutura de dados para medir resultados do mundo real.
  • Compartilhar melhores práticas de financiamento inovador entre os sistemas de saúde.

Conclusão

As terapias genéticas representam uma esperança real para milhões de pessoas que sofrem com doenças genéticas raras e devastadoras.

Essas inovações podem transformar vidas, oferecendo tratamentos eficazes para condições que antes não tinham opções viáveis.

Além disso, essas terapias têm o potencial de revolucionar os sistemas de saúde, repensando o valor da inovação científica e trabalhando rumo a uma cobertura de saúde universal e igualitária.

É hora de unir esforços entre diferentes setores, governos e fronteiras para garantir que os sistemas de saúde estejam preparados para aproveitar todo o potencial dessas terapias genéticas, beneficiando os pacientes de forma sustentável.

Ao superar as barreiras existentes, como a falta de infraestrutura adequada e modelos de reembolso inovadores, poderemos facilitar o acesso e a prestação de cuidados em terapias genéticas.

É fundamental coletar e utilizar evidências do mundo real para avaliar a eficácia desses tratamentos e melhorar continuamente o cuidado e o acesso.

Os países devem implementar essas oportunidades de acordo com sua realidade e prioridades, colocando os pacientes como co-líderes desse processo.

O objetivo final é proporcionar uma nova esperança e qualidade de vida para aqueles que mais precisam.

Queremos ouvir você!

Você acredita que o governo brasileiro está se empenhando adequadamente para ingressar na era das terapias genéticas?

Compartilhe sua opinião e participe da discussão sobre o acesso e a entrega dessas terapias no Brasil.

Juntos, podemos promover avanços e garantir que os pacientes tenham acesso às soluções necessárias.

Deixe sua resposta nos comentários abaixo!

author avatar
Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

Deixe um comentário