Cláudio Cordovil

Cromossomo 17, locus 16, sítio 654.376

As conquistas da nova genética permitiram o nascimento de novas identidades e grupos sociais. Os portadores de doenças raras ajudaram a cunhar o termo “biossocialidade”.

Curiosamente, foi inspirado em uma associação francesa de pacientes com distrofia muscular  que Rabinow cunhou este  termo.

Na primeira metade da década de 90, Paul Rabinow identificara, na França, a organização de coletivos sociais de nova espécie. Viu ali a inédita construção de identidades individuais e grupais, bem como de práticas, possibilitadas pela descoberta de novas técnicas de diagnóstico genéticas e do monitoramento de riscos e suscetibilidades, em processo que denominou “biossocialidade”.

No futuro existirão grupos formados em torno do cromossomo 17, locus 16, sitio 654.376 alelo com substituição de uma guanina (Paul Rabinow, 1996)

Tratava-se de um grupo de pacientes que se reunia na Associação Francesa contra as Miopatias (AFM), discutia seus problemas, acionava as autoridades, colaborava com pesquisadores do genoma, doando sangue para estudos de DNA.

Mais tarde, Heath, Rapp e Taussig se inspiraram nestas idéias para estudar novas táticas de ativismo entre pacientes, pautadas especialmente em atividades de lobby junto a políticos para votação de projetos de lei que, de alguma forma, beneficiassem terapêutica e socialmente tal clientela.

Rapp então cunhou a expressão “cidadania genética” para dar conta deste exercício democrático de nova natureza.

O autor deste blog em um jantar com representantes da Associação Francesa Contra as Miopatias, em Lisboa, em novembro de 2007.

 

Para Heath, Rapp e Taussig, os desenvolvimentos na área da genética dão origem a “novas formas de participação democrática, diluindo as fronteiras entre Estado e sociedade e entre interesses públicos e privados”.

Ainda segundo elas, isto se manifestaria em um amplo espectro de lutas sobre identidades individuais, formas de coletivização clamando por reconhecimento e reivindicando expertise e acesso ao conhecimento.

Na medida em que todos os seres humanos estão sujeitos a futuras sondagens genéticas sobre seus organismos, pode-se prever a construção de uma futura cidadania genética para todos.

As associações de pacientes do tipo aqui retratado são os laboratórios onde estão sendo plasmados estes novos tipos de subjetividade que, em futuro breve, nos alcançarão a todos. Na verdade, os portadores de doenças raras são os pioneiros morais de uma sociedade que já se delineia no horizonte e invariavelmente nos constituirá a todos, em maior ou menor escala .

Na esteira das contribuições de Heath, Rapp e Taussig, Novas e Rose sugerem que um novo tipo de cidadania se configura na atualidade: a “cidadania biológica”. Rose, mais adiante, irá usar a expressão para “englobar todos aqueles projetos de cidadania que ligam suas concepções acerca do que seja o cidadão a crenças sobre a existência biológica dos seres humanos”, tomados como indivíduos, homens, mulheres, linhagens, comunidades, populações, raças e espécies.

Para Rose (2007, p. 135), a cidadania biológica é exercida no campo da esperança.

Deste modo, este autor inspira-se em Sarah Franklin que lançara a idéia das “tecnologias da esperança”. Novas aprofunda nossa compreensão da “economia política da esperança” relacionada à biomedicina contemporânea.

Ela seria composta pelo entrecruzamento de expectativas com ressonância emocional de vários atores que figuram no campo social da biomedicina: pacientes, familiares, pesquisadores clínicos, médicos, gestores em saúde, mídia etc.

Na visão aguda de Rabinow, tais grupos passariam a ter “especialistas médicos,  laboratórios, narrativas, tradições e uma verdadeira miríade de ‘pastores’ a ajudá-los a experimentar, compartilhar, intervir e compreender seu destino”.

A vida torna-se um empreendimento estratégico nesta nova forma emergente  que ora assume . Biologia deixa de ser destino e passa a ser um script assumido por cada doente raro, no seu dia-a-dia.

 

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