Cláudio Cordovil

Conitec, participação social e a delicada arte de regular: avanço ou encruzilhada para as OSCs?

A nova regulamentação da participação social na Conitec, concretizada pela Lei nº 15.120/2025 e detalhada pela Portaria GM/MS nº 8.817/2025, representa avanço importante. No entanto, também deixa lacunas preocupantes diante das expectativas e alertas já debatidos publicamente, inclusive nas análises previamente publicadas pelo blog Academia de Pacientes. Vamos confrontar promessas e riscos desta nova arquitetura institucional à luz do que já foi debatido e propor caminhos para evitar retrocessos sob a bandeira do avanço democrático.

A lei consagra, pela primeira vez, o direito de representantes de organizações da sociedade civil (OSC) deliberarem com voto na Conitec, inclusive em pautas ligadas a doenças raras e outras condições específicas. Passam a compor o colegiado representantes do Conselho Nacional de Saúde, Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e sociedade civil — esta última de maneira rotativa conforme a área temática avaliada. O texto ainda determina que a própria Conitec regulamente, em até 180 dias, os critérios e procedimentos para seleção dessas entidades, inaugurando uma fase de experimentação institucional inédita.

Pontos de atenção: o que ficou de fora ou insuficiente

Apesar do avanço, nem todos os desafios destacados em nossos textos anteriores foram endereçados pela regulamentação:

  • Falta de detalhamento dos critérios de seleção: A lei e a portaria estabelecem requisitos documentais mínimos (tempo de atuação, estatuto, ata de eleição, comprovação de área, etc.), mas não instituem critérios objetivos para mediar disputas entre organizações concorrentes ou para hierarquizar graus diferentes de representatividade e expertise. Isso deixa aberta a possibilidade de judicializações e conflitos intensos, especialmente onde o campo é fragmentado.
  • Insegurança jurídica: ao não definir metodologia para desempate (exemplo: rodada de entrevistas, sistema de pontuação, ou sorteio público), a portaria transfere à Conitec o ônus de operacionalizar processos potencialmente litigiosos sem amparo normativo detalhado — um risco já mapeado por quem acompanha o tema. Qualquer decisão poderá ser judicializada, ameaçando a legitimidade das incorporações de tecnologia.
  • Riscos de captura e conflito de interesses: o texto limita-se à declaração formal de ausência de conflito, sem prever verificação independente, transparência ativa ou auditoria de vínculos com a indústria. Isso já foi exemplificado em outros contextos por conflitos não reportados ou não fiscalizados.
  • Desigualdade de acesso à voz: embora a exigência de “representatividade nacional” tenha sido desconsiderada, o modelo de seleção pode privilegiar entidades mais estruturadas e com maior capital institucional. Isso ocorre em detrimento de coletivos locais ou emergentes, problemática particularmente acentuada nas doenças raras. Esse campo é marcado pela fragmentação, escassez de recursos e diversidade enorme de condições atendidas.

Principais perigos já sinalizados e não sanados

Com base no que já debatemos e nos experimentos conduzidos por ativistas usando inteligência artificial, seguem os principais riscos ainda presentes:

  • Disputas e judicialização frequentes devido à ausência de critérios claros e objetivos de escolha.
  • Possibilidade de exclusão de entidades menores ou de atuação local.
  • Vulnerabilidade a capturas e conflitos, pela falta de mecanismos de auditoria externa para vetar vínculos questionáveis com a indústria.
  • Insegurança jurídica no funcionamento das incorporações e nas recomendações do colegiado.
  • O risco de desvirtuamento do processo participativo e enfraquecimento da confiança pública na Conitec.

O que mudou na composição e processos

A portaria reforça o arranjo de “representatividade setorial”, fixando a obrigatoriedade de indicação de representante titular e dois suplentes, bem como o cadastramento no CNPJ como OSC, com comprovação documental de atuação na área da patologia há pelo menos dois anos. Determina que, se não houver OSCs habilitadas, a cadeira permanece vaga. Também proíbe múltiplas representações ou candidaturas cruzadas e veta a presença de representante da sociedade civil quando a entidade for proponente de tecnologia em avaliação, tentativa de minimizar conflitos de interesse.

Alternativas de regulamentação sugeridas e não incorporadas

Estudos e debates prévios, inclusive análises baseadas em inteligência artificial, propuseram modelos mais transparentes e equitativos, como:

  • Chamadas públicas com sorteio em caso de empate;
  • Sistema nacional de cadastro com rodízio e critérios claros;
  • Indicação por redes formais e colegiados de OSCs;
  • Sistema de pontuação técnica baseado em atuação, impacto e evidências;
  • Listas tríplices sugeridas pelo Conselho Nacional de Saúde.

Essas propostas, porém, não foram explicitamente integradas ao texto regulamentar, ficando seu detalhamento à mercê de futuras normatizações internas da Conitec — e, sobretudo, da vontade política dos atores envolvidos.

Implicações para o advocacy em doenças raras

No universo das doenças raras, a inovação prometida pela lei pode trazer tanto avanços quanto novas barreiras. A possibilidade de participação formal pode ser anulada na prática se os modelos de seleção forem insensíveis à realidade das OSCs do setor, que nem sempre possuem estrutura robusta ou presença institucional suficiente para concorrer em pé de igualdade com entidades de outras áreas. Isso acentua a necessidade de audiências e consultas públicas, capacitação específica e monitoramento dos impactos práticos desse novo modelo.

Os próximos passos e a responsabilidade coletiva

Sobra, agora, à Conitec e aos atores do SUS a responsabilidade e a oportunidade de construir processo de seleção e participação verdadeiramente transparente, ético e ajustado à complexidade do sistema, em diálogo amplo com entidades de base, especialistas, academia e investigações independentes. Serão necessários esforços proativos de comunicação, escuta qualificada, prestação de contas e revisão periódica do regimento, para que o avanço não se converta em retrocesso, replicando as assimetrias e disputas já conhecidas em outros fóruns regulatórios.

A abertura de espaço com direito a voto para organizações da sociedade civil na Conitec, definida pela Lei nº 15.120/2025, marca novo momento para o controle social no SUS. Mas não basta garantir o assento. É preciso garantir as regras do jogo: quem pode sentar, como é escolhido e como são tratados potenciais conflitos. Sem isso, o sonho democrático pode virar novo pesadelo burocrático, erodindo confiança e legitimidade em momentos críticos para a saúde pública nacional. O futuro desse experimento não está assegurado pela letra da lei. E sim pela vigilância e engajamento contínuos da sociedade e dos especialistas. Isso inclui aqueles que cobram, criticam e propõem alternativas para que o sistema caminhe rumo ao ideal democrático e transparente que inspirou essa mudança.


Nota de Transparência: Este post foi inicialmente gerado com o auxílio de tecnologias avançadas de Inteligência Artificial (IA), visando otimizar o processo de pesquisa e escrita. No entanto, é importante destacar que todo o conteúdo foi rigorosamente revisado e editado pelo autor deste blog. Nosso compromisso com a precisão e a qualidade da informação permanece inabalável, e a supervisão humana qualificada é uma parte essencial desse processo. A utilização da IA é parte do nosso esforço contínuo para trazer informações atualizadas e relevantes, sempre alinhadas com os mais altos padrões éticos e científicos.

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