Cláudio Cordovil

Como se estrutura a Política Nacional de Doenças Raras?

A Portaria nº 199/2014 definiu como doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em 100.000 e as agrupo em dois eixos estruturantes:

  • Eixo 1, as doenças de origem genética, e;
  •  Eixo 2, as de origem não genética

O Quadro 1 vai lhe permitir entender melhor como se organiza a Portaria.

Isto foi feito para guiar a atuação do ministério e das secretarias de saúde na estruturação de serviços para responder às necessidades de saúde das pessoas com doenças raras.

Nesse sentido, a Política:

  • estabeleceu as competências dos entes federativos na garantia da assistência;
  • permitiu a habilitação de estabelecimentos de saúde para a prestação dos serviços; e
  • reforçou a necessidade de se desenvolver ações complementares à Portaria, como a incorporação de novas tecnologias e a manutenção de políticas de inclusão social.

União, estados e municípios ganharam responsabilidades em relação à atenção à saúde dos pacientes com doenças raras, incluindo:

  • a adaptação de serviços de sua responsabilidade;
  • a criação de fluxos para o seu encaminhamento na rede. e;
  • a capacitação de profissionais de saúde.

Com isso, estão previstos dois tipos de serviços:

  1.       Serviços de atenção especializada em doenças raras (SAEDR); e
  2.       Serviços de referência em doenças raras (SRDR).

Eles diferem quanto:

  • à quantidade de doenças atendidas;
  • à equipe profissional mínima. e;
  • ao valor de repasse pelo Ministério da Saúde (Quadro 2).

Ainda, os SRDR possuem competências adicionais, como o aconselhamento genético, a manutenção de estrutura de pesquisa e ensino, servir de polo de desenvolvimento profissional e de educação ao público.

Os procedimentos diagnósticos podem ser feitos por ambos, mas de forma facultativa pelos SAEDR e obrigatória pelos SRDR.

Vale destacar aqui uma das grandes críticas direcionadas à Portaria 199, que diz respeito à sua possível ênfase geneticista, ou seja, mais focado nas doenças de origem genética.

Esta ênfase pode ser percebida de duas formas:

  1. Pela obrigatoriedade de se ter um médico geneticista na equipe mínima para a habilitação de um serviço de referência, mesmo que o foco do serviço não seja doenças de origem genética;
  2. Pelo fato de que apenas procedimentos diagnósticos para as doenças genéticas possuem previsão de reembolso pelo Ministério da Saúde, conforme se verá mais à frente.

Sobre os repasses financeiros, a Portaria 199/2014 prevê a utilização dos recursos apenas para a manutenção dos serviços (custeio), vedando a sua aplicação, por exemplo, para a aquisição de bens ou a realização de obras.

O repasse também não está atrelado à produção, ou seja, não está vinculado à realização de procedimentos clínicos pelos serviços.

Ainda assim, a falta de previsão orçamentária, por parte do Ministério da Saúde, e a falta de maior especificidade na destinação dos repasses aos serviços habilitados podem representar obstáculos ao efetivo financiamento dos serviços, pontos que serão abordados em outros posts dessa série. 

Como forma de garantir o alinhamento entre os diferentes níveis de governo (federal, estadual e municipal), o processo de habilitação dos serviços (SAEDR e SRDR) foi pensado de forma a envolvê-los todos, seguindo as diretrizes de regionalização e gestão tripartite do SUS.

Assim, o estabelecimento de saúde que deseja ser habilitado deve preencher requisitos mínimos para tal, como:

  • Estar de acordo com as normas de vigilância sanitária,
  • Ter disponível um laboratório de patologia, e;
  • realizar exames genéticos, com serviços próprios ou conveniados.

Vale lembrar que não existe uma definição de que tipo de estabelecimentos de saúde podem ser habilitados – eles apenas precisam garantir o atendimento a esses requisitos mínimos determinados pela Portaria 199/2014.

A partir disso, a solicitação é feita, respeitando o processo descrito no Quadro 3.

Importante notar que a Portaria não obriga a que os estados tenham estabelecimentos habilitados em seu território, o que, de certa forma, pode impactar a estruturação da rede de cuidados e gerar disparidades na distribuição geográfica dos serviços.

Ainda assim, a regionalização e a descentralização são pontos chaves da Política. Nesse sentido, os principais aspectos da organização do cuidado aos pacientes acabam por ser, em grande medida, de responsabilidade dos entes subnacionais (Estados e municípios), como:

  • a iniciativa do processo de habilitação dos serviços,
  • a garantia do cuidado multidisciplinar. e;
  • a integração da atenção básica à especializada.

A Política pressupõe a organização regional entre estado e municípios para viabilizar o acesso aos serviços nela elencados de forma integral.

Por isso, apesar do necessário envolvimento do Ministério da Saúde, principalmente no tocante à distribuição dos serviços com a palavra final sobre a sua habilitação, a força motriz da Política está relacionada à iniciativa de municípios e estados.

Por fim, vale destacar que, apesar de a Portaria reconhecer a importância do tratamento medicamentoso e da incorporação e do uso de tecnologias como forma de garantir o acesso ao cuidado integral aos pacientes com doenças raras, a questão não é aprofundada tal como é feito na definição da estruturação dos serviços de referência e de atenção especializada, como visto anteriormente.

Essa discussão será feita em um outro post da série sobre o acesso a tecnologias.

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A série de posts intitulada Doenças raras: para onde vamos? é baseada em estudo desenvolvido pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e consistiu em análise descritiva da implementação da Portaria 199/2014 bem como seus desafios. A divulgação deste conteúdo por este blog é de caráter voluntário, não tendo envolvido remuneração de qualquer espécie ao seu autor.  Esta série não expressa necessariamente o ponto de vista do blog Academia de Pacientes. 

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