Apesar da superestimação (overhype) que algumas ONGs no Brasil têm promovido sobre as terapias genéticas, o fato é que analistas internacionais têm destacado que, como diriam os antigos, elas não vão lá das pernas.
Na segunda-feira (16/10), publicamos aqui post neste sentido. Hoje trazemos notícia publicada recentemente na prestigiosa revista Nature.
Uma recente publicação nela veiculada abordou a intrincada jornada das terapias genéticas para doenças raras, destacando as dificuldades enfrentadas para garantir que esses tratamentos vitais alcancem os pacientes necessitados.
A terapia genética tem enfrentado uma jornada difícil, com vitórias e fracassos significativos. Há algum tempo, acreditava-se que Strimvelis® seria um tratamento poderoso para um distúrbio genético devastador que afeta o sistema imunológico: as imunodeficiências primárias. Fora uma das primeiras terapias genéticas aprovadas na Europa. No entanto, em 2022, a empresa que a comercializava anunciou que não poderia mais arcar com as despesas. Embora o Strimvelis® fosse extremamente eficaz na luta contra a doença, a sua eficácia médica não dava retorno financeiro. Ele foi objeto de post que publiquei neste blog há algum tempo.
Uma luz no fim do túnel agora parece brilhar para o Strimvelis®. A Telethon, uma fundação filantrópica italiana com sede em Milão, afirmou que assumirá a produção do medicamento.
Em 12 de setembro, Francesca Pasinelli, gerente geral da Telethon Foundation, anunciou uma “mudança de paradigma”, declarando que a fundação havia sido a primeira organização sem fins lucrativos a considerar a comercialização de uma terapia genética. Os cientistas que dedicaram décadas ao desenvolvimento de terapias genéticas para doenças raras demonstram reaver a esperança com este audacioso esquema filantrópico. O modelo convencional de licenciamento desses tratamentos para empresas com fins lucrativos agora os coloca em uma situação difícil.
A opinião de P. J. Brooks, diretor adjunto do Centro Nacional dos EUA para Avanço das Ciências Translacionais (NCATS), é que em breve veremos soluções inovadoras com uma variedade de entidades entrando no mercado de medicamentos. Além de Strimvelis®, outras terapias genéticas foram retiradas do mercado europeu nos últimos dois anos por questões comerciais, apesar de sua aprovação regulatória.
O receio aumenta à medida que outras terapias genéticas para doenças raras podem ter o mesmo destino. Isso inclui novos tratamentos baseados na edição de genoma, uma técnica relacionada que promove alterações direcionadas no DNA.
O Strimvelis® busca combater um transtorno imunológico chamado imunodeficiência combinada grave (ADA-SCID), que faz parte de um grupo de condições conhecidas como Doença do Menino da Bolha ((A Doença do Menino da Bolha tem esse apelido em decorrência da necessidade de isolamento da criança, pois a ausência de dois tipos de linfócitos deixam o bebê vulnerável até a resfriados comuns)). Mutações no gene ADA causam a doença, tornando os jovens pacientes vulneráveis a infecções frequentes e muitas vezes fatais.
Um esforço está sendo feito para diminuir os custos associados ao desenvolvimento e fabricação de terapias genéticas. Por exemplo, o NCATS está trabalhando em vários programas para descobrir maneiras de padronizar a sua produção e simplificar os processos de fabricação e aprovação.
Mas ainda há obstáculos significativos. Simone Boselli, diretor de relações públicas da EURORDIS-Rare Diseases Europe, afirma que poucas entidades beneficentes possuem recursos suficientes para comercializar uma terapia genética.
A situação ora relatada demonstra a necessidade de um modelo mais duradouro e cooperativo que possa garantir o desenvolvimento de terapias genéticas e sua distribuição aos indivíduos que as necessitam, independentemente dos obstáculos comerciais.
Isto é exatamente o que eu (ENSP/Fiocruz) e Fernando Aith (USP), com apoio da Fapesp, e um consórcio de pesquisadores estrangeiros temos pesquisado desde 2020, no projeto denominado Inovação Social Farmacêutica para Necessidades Médicas Não-atendidas.
Por meio da avaliação de diferentes tipos de inovação farmacêutica, especificamente a inovação social, este projeto de pesquisa espera compreender as barreiras sociais, políticas, regulatórias e econômicas e os facilitadores para formas emergentes de inovação para a produção de medicamentos para doenças raras.