Cláudio Cordovil

Com terapias genéticas ameaçadas, filantropia busca solução

Apesar da superestimação (overhype) que algumas ONGs no Brasil têm promovido sobre as terapias genéticas, o fato é que analistas internacionais têm destacado que, como diriam os antigos, elas não vão lá das pernas.

Na segunda-feira (16/10), publicamos aqui post neste sentido. Hoje trazemos notícia publicada recentemente na prestigiosa revista Nature.

Uma recente publicação nela veiculada abordou a intrincada jornada das terapias genéticas para doenças raras, destacando as dificuldades enfrentadas para garantir que esses tratamentos vitais alcancem os pacientes necessitados.

A terapia genética tem enfrentado uma jornada difícil, com vitórias e fracassos significativos. Há algum tempo, acreditava-se que Strimvelis® seria um tratamento poderoso para um distúrbio genético devastador que afeta o sistema imunológico: as imunodeficiências primárias. Fora uma das primeiras terapias genéticas aprovadas na Europa. No entanto, em 2022, a empresa que a comercializava anunciou que não poderia mais arcar com as despesas. Embora o Strimvelis® fosse extremamente eficaz na luta contra a doença, a sua eficácia médica não dava retorno financeiro. Ele foi objeto de post que publiquei neste blog há algum tempo.

Uma luz no fim do túnel agora parece brilhar para o Strimvelis®. A Telethon, uma fundação filantrópica italiana com sede em Milão, afirmou que assumirá a produção do medicamento.

Em 12 de setembro, Francesca Pasinelli, gerente geral da Telethon Foundation, anunciou uma “mudança de paradigma”, declarando que a fundação havia sido a primeira organização sem fins lucrativos a considerar a comercialização de uma terapia genética. Os cientistas que dedicaram décadas ao desenvolvimento de terapias genéticas para doenças raras demonstram reaver a esperança com este audacioso esquema filantrópico. O modelo convencional de licenciamento desses tratamentos para empresas com fins lucrativos agora os coloca em uma situação difícil.

A opinião de P. J. Brooks, diretor adjunto do Centro Nacional dos EUA para Avanço das Ciências Translacionais (NCATS), é que em breve veremos soluções inovadoras com uma variedade de entidades entrando no mercado de medicamentos. Além de Strimvelis®, outras terapias genéticas foram retiradas do mercado europeu nos últimos dois anos por questões comerciais, apesar de sua aprovação regulatória.

O receio aumenta à medida que outras terapias genéticas para doenças raras podem ter o mesmo destino. Isso inclui novos tratamentos baseados na edição de genoma, uma técnica relacionada que promove alterações direcionadas no DNA.

O Strimvelis® busca combater um transtorno imunológico chamado imunodeficiência combinada grave (ADA-SCID), que faz parte de um grupo de condições conhecidas como Doença do Menino da Bolha1. Mutações no gene ADA causam a doença, tornando os jovens pacientes vulneráveis a infecções frequentes e muitas vezes fatais.

Um esforço está sendo feito para diminuir os custos associados ao desenvolvimento e fabricação de terapias genéticas. Por exemplo, o NCATS está trabalhando em vários programas para descobrir maneiras de padronizar a sua produção e simplificar os processos de fabricação e aprovação.

Mas ainda há obstáculos significativos. Simone Boselli, diretor de relações públicas da EURORDIS-Rare Diseases Europe, afirma que poucas entidades beneficentes possuem recursos suficientes para comercializar uma terapia genética.

A situação ora relatada demonstra a necessidade de um modelo mais duradouro e cooperativo que possa garantir o desenvolvimento de terapias genéticas e sua distribuição aos indivíduos que as necessitam, independentemente dos obstáculos comerciais.

Isto é exatamente o que eu (ENSP/Fiocruz) e Fernando Aith (USP), com apoio da Fapesp, e um consórcio de pesquisadores estrangeiros temos pesquisado desde 2020, no projeto denominado Inovação Social Farmacêutica para Necessidades Médicas Não-atendidas.

Por meio da avaliação de diferentes tipos de inovação farmacêutica, especificamente a inovação social, este projeto de pesquisa espera compreender as barreiras sociais, políticas, regulatórias e econômicas e os facilitadores para formas emergentes de inovação para a produção de medicamentos para doenças raras.

  1. A Doença do Menino da Bolha tem esse apelido em decorrência da necessidade de isolamento da criança, pois a ausência de dois tipos de linfócitos deixam o bebê vulnerável até a resfriados comuns []

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