Cláudio Cordovil

Câmara discute PL sobre compartilhamento de risco: Mas já começa mal

Tramita desde o dia 2 de  março na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 667/2021, de autoria do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE)  que altera a lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 e cria o Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR) para a incorporação de novas tecnologias em saúde. No entanto, o dispositivo legal que promete ser a solução para que pessoas que vivem com doenças raras tenham acesso mais oportuno a terapias inovadoras e de alto custo já enfrenta críticas da parte de especialistas.

Antes de tratarmos das críticas, convém explicar melhor o que seriam ACRs. Neles, o Estado concorda com a incorporação temporária de novo medicamento (incorporação condicionada), enquanto a indústria farmacêutica aceita receber um preço pelo produto que será determinado conforme o desempenho do mesmo em reais condições de uso. Trata-se de um contrato de caráter inovador, na medida em que foge às etapas tradicionais dos processos de análise, incorporação e precificação de fármacos, como aquelas empregadas pelos órgãos vinculados à assistência farmacêutica no SUS.

De um modo geral, todas funcionam com o mesmo princípio. A coleta adicional de informações sobre medicamentos e outras tecnologias em saúde a posteriori, enquanto permite–se seu acesso pela população, integral ou parcial; livre ou controlado.

As informações complementares a serem reunidas e coletadas nesta modalidade de contrato podem envolver:

  • impacto orçamentário
  • benefícios clínicos
  • desempenho em reais condições de uso do medicamento
  • relação de custo-efetividade
  • ou ampliação e aperfeiçoamento de acesso à saúde.

Através dos ACRs, as partes (Estado e indústria farmacêutica) firmam um acordo no qual manifestam concordância sobre o fato de a definição do preço do medicamento ou outra tecnologia se dar no futuro, conforme resultados provenientes de suas reais condições de uso por um prazo determinado. Seu desempenho será medido em termos de desfechos alcançados para a saúde, como ocorre normalmente nas Avaliações de Tecnologias em Saúde.

Em abril de 2019, o Ministério da Saúde anunciara, com pompa e circunstância, um projeto-piloto para um ACR envolvendo  nusinersena, comercializado sob o nome comercial Spinraza, pela Biogen,  para o tratamento de Atrofia Muscular Espinhal tipos 2 e 3.  O sonho durou pouco. Em agosto de 2020 a empresa veio a público anunciar o fim das negociações com o governo para o referido projeto-piloto. Mais adiante, o Ministério da Saúde, com explicações pouco convincentes a justificar a inopinada decisão, confirmou o encerramento das tratativas em curso.

Mais tarde especulou-se que as verdadeiras razões para o fim do projeto teriam a ver com a possibilidade de o mesmo suscitar insegurança jurídica, na perspectiva do governo.

Agora, surge a notícia do PL 667/2021, mas que já apresentaria problemas na visão dos especialistas. Eles argumentam que o conceito de compartilhamento de risco não está explicitado no referido PL. Segundo estes analistas haveria necessidade de se tipificar adequadamente o que está se chamando neste caso de “compartilhamento de risco” para distingui-lo do que está disposto em outras normas já existentes em nossa legislação que permitem alteração contratual e mudança na incorporação tecnológica em saúde. Este é o caso da advogada e pesquisadora em saúde pública, Renata Curi Hauegen.  Há também quem argumente que o PL confunde “compartilhamento de risco” com atualização de PCDT.

Seria recomendável que deputados consultassem especialistas no ramo antes de se aventurarem a redigir projetos de lei desta natureza, que, se malfeitos, não terão a utilidade e eficácia tão ansiada pelas pessoas que vivem com doenças raras. Serão mera perda de tempo. E os pacientes não podem mais esperar. 

Amanhã, dia 19 de março, a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE)  promove uma audiência pública às 14h para ouvir a sociedade sobre a proposta de incorporação do nusinersena (Spinraza) para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) dos tipos 2 e 3.

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Para saber mais:

Acordos de compartilhamento de risco: esperança para os raros

 

 

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