Cláudio Cordovil

Acesso a testes genéticos em doenças raras: lacuna crítica

Principais destaques

✅Impacto no diagnóstico e tratamento das condições raras

✅Dificuldades na construção de políticas públicas efetivas

✅Necessidade de colaboração entre os serviços de saúde

✅Importância dos laboratórios especializados em análise genética

✅Triagem neonatal ampliada como solução potencial

✅Conclusão e apelo por políticas de acesso igualitário

Um estudo recente, divulgado na Public Health Genomics, e conduzido por uma equipe de pesquisadores de várias instituições do Brasil trouxe à luz o estado atual dos testes genéticos para doenças raras no país. E o resultado não é nada bom.

O estudo, intitulado “Disponibilidade de testes genéticos em serviços públicos de saúde no Brasil: dados da Rede Brasileira de Doenças Raras“, destaca alguns achados preocupantes sobre a falta de acesso a testes genéticos para doenças raras no Brasil, citados pela a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (PNAIPDR), nas instituições que integram a referida rede .

De acordo com o estudo, apenas um pequeno número de centros especializados em todo o país oferece serviços de testes genéticos para doenças raras, apesar de estimativas sugerirem que até 13 milhões de pessoas no Brasil possam ser afetadas por essas condições.

A disponibilidade de testes para doenças raras no Brasil apresenta grandes discrepâncias regionais, o que pode prejudicar o diagnóstico e o tratamento adequado dessas condições.

Essa falta de acesso a testes genéticos pode levar a diagnósticos imprecisos e atrasos no tratamento, o que pode trazer sérias consequências para pacientes com doenças raras.

O estudo também constatou que há falta de padronização na prestação de serviços de testes genéticos, com variação significativa nos tipos de testes oferecidos e na qualidade dos mesmos. Isso demonstra a necessidade urgente de melhorar o acesso a testes genéticos para doenças raras no Brasil, bem como enfatiza a importância da padronização e do controle de qualidade na prestação desses serviços.

Apesar desses desafios, o estudo também destaca alguns desenvolvimentos positivos no campo do diagnóstico e tratamento de doenças raras no Brasil. Por exemplo, houve um aumento no número de centros especializados que oferecem serviços de testes genéticos nos últimos anos, e há uma conscientização crescente sobre a importância dos testes genéticos entre os profissionais de saúde e o público em geral.

No geral, o estudo ressalta a necessidade urgente de ações para melhorar o acesso a testes genéticos para doenças raras no Brasil. Ao enfrentar esses desafios, torna-se possível aprimorar o diagnóstico e o tratamento de doenças raras no país e melhorar a vida de milhões de pessoas afetadas por essas doenças.


O que você vai ler a seguir:


Principais resultados

Segundo a pesquisa, das 37 instituições investigadas, 27 (73%) forneceram testes genéticos. Destas últimas, 23 (62,16% do total) ofereciam exames citogenéticos, 20 (54,05%) ofereciam procedimentos moleculares e 22 (59,46%) ofereciam testes diagnósticos de Erros Inatos do Metabolismo (EIM).

O estudo também revelou que a identificação de glicosaminoglicanos urinários por cromatografia em camada delgada, eletroforese e/ou medição quantitativa apresentaram o maior índice de terceirização.

Além disso, o procedimento mais realizado in loco (e não terceirizado) foi o cariótipo de sangue periférico com técnica de banda.

Preocupantemente, 10 dos 37 centros (27%) não disponibilizavam acesso aos procedimentos investigados, seja presenciais ou terceirizados, com as regiões Norte e Centro-Oeste se destacando pela indisponibilidade dessas técnicas em pelo menos 40% das instituições avaliadas.

Esses resultados destacam a necessidade urgente de melhorar o acesso a testes genéticos para doenças raras no Brasil, especialmente em regiões onde a disponibilidade desses serviços é limitada.

Discrepâncias regionais na disponibilidade de testes

De acordo com os dados coletados, foi observado que as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam uma disponibilidade significativamente menor de testes em comparação com as regiões Sul e Sudeste. Essa concentração desigual de testes pode dificultar o diagnóstico precoce das doenças raras nessas regiões, levando a possíveis subdiagnósticos e subtratamentos.

Essas discrepâncias regionais são um reflexo das desigualdades socioeconômicas e de infraestrutura que existem no Brasil. As regiões mais desenvolvidas e com maior acesso a recursos de saúde tendem a ter uma disponibilidade maior de testes para doenças raras, enquanto as regiões mais carentes enfrentam maiores desafios nesse aspecto.

Ausência de procedimentos diagnósticos para condições do eixo II da PNAIPDR

Um ponto preocupante é a ausência de procedimentos diagnósticos para condições do eixo II (doenças raras não genéticas) no Brasil. Estima-se que até 20% das doenças raras não tenham causas genéticas e, portanto, não se enquadrem nos procedimentos diagnósticos estabelecidos pela Política de Doenças Raras. Isso pode levar a uma subavaliação potencial e ao subsequente subtratamento dessas condições raras.

Disponibilidade de testes genéticos nos serviços de saúde

Antes da implementação da PNAIPDR, estudos mostraram que os testes genéticos diagnósticos estavam disponíveis em 71% dos serviços de saúde listados no sistema público de saúde, financiado em parte pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses serviços ofereciam principalmente citogenética convencional, citogenética de alta resolução, Hibridização in situ fluorescente (FISH), testes de erros inatos do metabolismo (EIM) e diagnóstico pré-natal. No entanto, a disponibilidade de técnicas diagnósticas moleculares específicas não foi totalmente pesquisada.

Um levantamento mais recente revelou que, embora cerca de 70% dos serviços de saúde pesquisados oferecessem testes para doenças raras, houve discrepâncias na distribuição desses testes. Técnicas de EIM e biologia molecular eram mais frequentemente oferecidas, enquanto o diagnóstico pré-natal, exames citogenéticos e Hibridização in situ fluorescente (FISH) tinham maior disponibilidade em estudos anteriores. Além disso, é importante mencionar que o presente estudo incluiu centros de triagem neonatal, que geralmente não realizam cariótipo em sua rotina de atendimento, o que pode explicar a taxa mais baixa de disponibilidade desses exames.

Subnotificação de testes e dificuldades na construção de políticas públicas

Foi observada uma discrepância entre os dados reportados pelos serviços de saúde nesta pesquisa e os números divulgados pelo Ministério da Saúde. A análise dos dados sugere uma subnotificação e a possível ausência de registro dessas técnicas nos bancos de dados oficiais. Essa falta de registros precisos dificulta a construção de políticas públicas efetivas e pode reduzir os investimentos formais em recursos tecnológicos e humanos para os centros que realizam essas técnicas.

Impacto da disponibilidade de testes no diagnóstico e tratamento

Em algumas regiões do Brasil, principalmente no Centro-Oeste e Sudeste, foi observada uma grande discrepância no número de procedimentos realizados, especialmente nos perfis de acilcarnitina e aminoácidos. Isso pode ser devido à disponibilidade de triagem neonatal ampliada em alguns estados, como São Paulo e Brasília, que não é universal em todo o país. Essas técnicas específicas podem ser repassadas por meio de pagamentos específicos para triagem neonatal e não são contabilizadas nos registros oficiais. Estima-se que a triagem neonatal ampliada seja oferecida em todos os estados brasileiros a partir de 2023.

A ausência de testes diagnósticos em alguns centros pode levar à necessidade de encaminhamentos para avaliação e investigação em outros locais, o que pode atrasar o diagnóstico e o tratamento. Estudos futuros são necessários para entender se a falta desses métodos diagnósticos impacta a idade do diagnóstico e/ou a capacidade de diagnóstico.

Situação regional

RegiãoSituação
NorteA região Norte possui a maior área territorial das cinco regiões do Brasil (mais de 3 milhões de km²) e abrange 45,25% do território nacional [21]. A maior parte da floresta amazônica está em seu território. Apesar de ser a maior região, é a segunda menos populosa do Brasil, com 18,6 milhões de habitantes e 6,3% do produto interno bruto (PIB) nacional . Nenhum dos centros participantes da região Norte oferecia diagnóstico citogenético pré-natal ou análise de DNA pela técnica de Southern blot, Amplificação Multiplex de Sondas Dependente de Ligação (MLPA) ou Sequenciamento de Próxima Geração (NGS) (single gene, multigene panel ou Sequenciamento do Exoma Completo (WES). Além disso, nenhum centro nesta região demográfica tinha disponibilidade clínica de técnicas de diagnóstico para EIM além dos Glicosaminoglicanos urinários (GAG) e ensaios enzimáticos de plasma e leucócitos. Dois centros de saúde da região Norte, localizados no estado do Acre, não possuíam procedimentos disponíveis in loco ou acessíveis por meio de terceirização pública ou privada.
NordesteA região Nordeste possui a segunda maior população (mais de 57 milhões de habitantes) e 14,2% do PIB nacional [22] e é o terceiro maior território nacional (1,5 milhões de km²) . Três centros da região Nordeste participantes da pesquisa não realizavam nenhuma das técnicas diagnósticas investigadas.
Centro-OesteA região Centro-Oeste possui uma área territorial de 1,6 milhão de km² [21] e é a região menos populosa do país, com 16 milhões de habitantes e 10,4% do PIB nacional [22]. Nenhum dos centros participantes da região Centro-Oeste realizou técnicas de cariótipo pré-natal ou análise de DNA por Southern blotting, sequenciamento de Sanger ou NGS. Além disso, nenhum centro nessa região oferecia ensaios enzimáticos em eritrócitos ou tecido cultivado para diagnosticar Erros Inatos do Metabolismo ou cromatografia de carboidratos urinários. Três centros da região Centro-Oeste participantes da pesquisa não realizavam nenhuma das técnicas diagnósticas pesquisadas.
SudesteA região Sudeste do Brasil é a segunda menor região do país, com uma área territorial de 924.000 km² . É a mais desenvolvida e populosa, com mais de 89 milhões de habitantes e 55,2% do PIB nacional . Dois centros dessa região participantes da pesquisa não realizaram nenhuma das técnicas pesquisadas.
SulA região Sul do Brasil é a menor das cinco regiões do país, com uma área territorial de 576.000 km², uma população de 30 milhões de habitantes e 17,2% do PIB nacional . Todos os centros da região Sul tinham pelo menos um exame pesquisado disponível.
Fonte: Oliveira, B.M. et al. Availability of genetic tests in public health services in Brazil: data from the Brazilian Rare Diseases Network. Public Health Genomics 2023

O que é a Rede Brasileira de Doenças Raras (RARAS)

A Rede Brasileira de Doenças Raras (RARAS) é um projeto financiado pelo Ministério da Saúde por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tem como objetivo oferecer diagnóstico e tratamento para doenças raras no Brasil.

A rede é composta por mais de 40 instituições voluntárias, incluindo 16 hospitais universitários, quatro serviços de referência para doenças raras e quatro serviços de referência para triagem neonatal.

A RARAS tem como objetivo melhorar o acesso ao diagnóstico e tratamento de doenças raras no Brasil e promover a pesquisa e o desenvolvimento de terapias para essas condições.

Conclusão

A disponibilidade de testes para doenças raras no Brasil apresenta grandes discrepâncias regionais, o que pode prejudicar o diagnóstico e o tratamento adequado dessas condições. É fundamental que sejam implementadas políticas públicas efetivas para melhorar o acesso a testes diagnósticos em todo o país, especialmente nas regiões mais carentes. Além disso, a colaboração entre os serviços de saúde que atendem indivíduos com doenças raras deve ser estimulada, e laboratórios especializados em análise genética devem ser estabelecidos para fornecer suporte e expertise necessários.

Fale com seu deputado !

É hora de pressionar por mudanças nas políticas para que garantam o acesso equitativo aos testes genéticos em todas as regiões do Brasil.
Entre em contato com seus representantes locais, participe de discussões e defenda políticas de saúde inclusivas que beneficiem indivíduos com doenças raras.
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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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