Rede latino-americana busca agilizar diagnóstico de doenças raras

Na América Latina, milhões de pessoas convivem com doenças raras sem diagnóstico ou tratamento adequado, uma realidade que o CEPCAL (Colaborativa para Doenças Raras no Caribe e América Latina) está trabalhando para mudar. Com sede na Cidade do México e criado em 2020, o CEPCAL reúne pesquisadores, médicos e associações de pacientes com o objetivo de melhorar o diagnóstico, acesso a tratamentos e conscientização sobre doenças raras na região.

Histórias de superação e busca por diagnóstico

Um exemplo do impacto da falta de diagnóstico rápido é a história de Jennifer MacDonald, que passou a vida lidando com infecções respiratórias até quase perder a vida aos 39 anos devido a uma crise de bronquite. Somente após consultar vários especialistas, ela recebeu o diagnóstico de deficiência de alfa-1 antitripsina, uma condição genética que compromete pulmões e fígado. MacDonald acredita que, se o CEPCAL já estivesse ativo, sua jornada teria sido mais curta, e ela poderia ter buscado tratamento adequado mais cedo.

Esse atraso no diagnóstico não é incomum: segundo um estudo publicado em setembro na revista Rare, pacientes com doenças raras no México levam, em média, oito anos para receber um diagnóstico, após consultas com pelo menos seis especialistas.

A importância dos registros e da triagem genética

A falta de dados sobre doenças raras é um dos maiores obstáculos no desenvolvimento de diagnósticos e tratamentos. O Registro Mexicano de Pacientes com Doenças Raras, criado em 2022, revelou que 15% dos pacientes ainda não possuem diagnóstico, refletindo a necessidade de redes de suporte mais amplas e acessíveis.

A expansão desse registro para outros países é uma das prioridades do CEPCAL, que busca criar uma rede de diagnóstico e tratamento que inclua mais países da América Latina. Dessa forma, será possível obter dados demográficos que orientem as políticas públicas e atendam melhor às necessidades locais.

A triagem neonatal e os desafios de diagnóstico para adultos

Em países como os Estados Unidos, testes de triagem neonatal são obrigatórios e conseguem identificar doenças raras precocemente, permitindo tratamentos que previnem o agravamento de condições genéticas. Na América Latina, apenas um terço dos recém-nascidos passa por triagem neonatal. Esse cenário contribui para o surgimento de doenças que poderiam ser evitadas com testes adequados, explica Jacqueline Tovar, fundadora da associação Let’s Think About Zebras Mexico, que colabora com o CEPCAL para ampliar o acesso a esses exames.

Um dos projetos em desenvolvimento é um programa piloto de triagem genética neonatal no México, focado em identificar mutações genéticas. Essa iniciativa visa complementar os testes convencionais que analisam apenas biomarcadores sanguíneos, possibilitando diagnósticos mais detalhados.

Desafios financeiros e a importância do apoio governamental

A triagem e o diagnóstico de adultos com doenças raras são escassos, especialmente quando se trata de exames genéticos, que têm alto custo. No estudo da revista Rare, apenas 10% dos pacientes haviam realizado o sequenciamento genético necessário para entender a causa de sua condição, sendo que esses exames, em grande parte, foram pagos pelos próprios pacientes.

Essa escassez de exames genéticos acessíveis não apenas atrasa diagnósticos, mas também limita as pesquisas locais sobre causas e possíveis curas. Frequentemente, amostras biológicas precisam ser enviadas para fora da região, impedindo que cientistas latino-americanos estudem o material genético local. O CEPCAL planeja estabelecer centros de diagnóstico, em parceria com a indústria biotecnológica e farmacêutica, para manter esses dados na região, facilitando o desenvolvimento de tratamentos e pesquisas específicas.

Leis de proteção e reconhecimento das doenças raras

Apesar dos avanços do CEPCAL, o financiamento para doenças raras ainda é limitado, sendo que grande parte do trabalho é realizado de forma voluntária. Governos geralmente priorizam doenças que afetam um número maior de pessoas, como comenta o senador Emmanuel Reyes, que tem trabalhado para incluir doenças raras na agenda legislativa do México.

Em um passo importante, o governo mexicano ampliou a lista oficial de doenças raras reconhecidas de 23 para 5.500 no ano passado. Outros países da América Latina, como Chile, Colômbia, Brasil, Argentina e Peru, também têm avançado em legislações para garantir o diagnóstico e tratamento adequado para pacientes com doenças raras.

Perspectivas para o futuro das doenças raras na América Latina

O CEPCAL espera ter dados demográficos mais abrangentes sobre doenças raras até a próxima reunião, prevista para daqui a um ano e meio. A organização trabalha para que programas de triagem neonatal e centros de diagnóstico estejam mais avançados até lá, ajudando a reduzir o tempo de espera para diagnósticos.

Como ressalta Claudia Gonzaga, cofundadora do CEPCAL, “O tempo é crucial para pacientes que vivem com essas condições”. Jennifer MacDonald concorda, afirmando que, se tivesse recebido seu diagnóstico e tratamento mais cedo, sua condição de saúde hoje poderia ser bem diferente.

A iniciativa do CEPCAL representa uma esperança de mudança para milhões de pacientes na América Latina, reforçando a importância de redes de apoio e políticas públicas voltadas para o diagnóstico e tratamento de doenças raras.


Fonte: Rare disease initiative aims to speed diagnoses and treatment in Latin America / Science

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