Sahar van Waalwijk
Prepare-se para uma história que envolve um medicamento antigo, um ácido biliar dos anos 1970, que agora custa €153.300 (cerca de 913 mil reais) por paciente por ano.
O ácido quenodesoxicólico (CDCA) foi originalmente comercializado sob a marca Chenofalk. Em 2008, a empresa Leadiant adquiriu o medicamento, rebatizou-o como Xenbilox e aumentou seu preço quase vinte vezes. Em 2014, a empresa solicitou a designação de medicamento órfão para uma indicação off-label do medicamento e quadruplicou novamente o preço. Essa indicação, a rara doença metabólica genética xantomatose cerebrotendinosa (CTX), já era conhecida e documentada na literatura desde, pelo menos, meados da década de 1980.
Preço Excessivo de Medicamento Leva a Multa Pesada para Empresa nos Países Baixos
Em 2017, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concedeu autorização de comercialização para a CTX. O preço aumentou mais uma vez, agora mais de quatro vezes.
A Figura abaixo mostra o aumento do preço de um frasco com 100 cápsulas entre 2009 e 2017.
Vale destacar que os dados clínicos usados para a autorização da EMA não pertenciam à empresa, mas foram gerados ao longo dos anos por pesquisadores independentes. Alguns desses estudos envolviam até mesmo o uso de formulação magistral (compounding). Em outras palavras, a empresa não desenvolveu nem projetou o medicamento, tampouco conduziu ensaios clínicos, mas obteve a designação de medicamento órfão, garantindo 10 anos de exclusividade de mercado na UE e bloqueando concorrentes.
Em 2021, a Autoridade Holandesa de Concorrência multou a empresa por violar as regras de concorrência ao cobrar um preço excessivo.
Recurso Contra a Multa
A empresa farmacêutica recorreu à Justiça de Roterdã contra a multa de €17.044.000 imposta pela Autoridade de Concorrência. A defesa alegou que a Autoridade cometeu erros processuais, como a redação de documentos e a não cobertura do custo de tradução do relatório da penalidade. Além disso, a empresa afirmou que foi acusada injustamente de abuso de poder de mercado.
Outro argumento foi que o preço de tabela não seria a referência correta para avaliar a pertinência do preço, pois nunca foi sua intenção cobrar esse valor. A empresa alegou que seu objetivo final era cobrar um preço negociado e reduzido, chegando a oferecer 50% de desconto. No entanto, não aplicou esse desconto porque as seguradoras de saúde e o Ministério da Saúde impuseram restrições às negociações.
A empresa também afirmou que a interpretação legal era imprevisível e que a Autoridade de Concorrência errou no cálculo da multa, usando o preço de tabela como base. Argumentou que o valor deveria ser reduzido em pelo menos 50%, uma vez que a empresa teria provisionado essa redução em seus registros contábeis e sempre teve a intenção de reembolsar metade da receita. Além disso, culpou as seguradoras de saúde por terem continuado a cobrir o preço cheio do medicamento.
“Intenções” Não São Relevantes para Avaliação do Comportamento da Empresa
Na semana passada, o tribunal decidiu que a Autoridade de Concorrência agiu corretamente ao basear sua avaliação no preço de tabela, pois a empresa efetivamente cobrou e recebeu esse valor.
As alegadas intenções da empresa não são relevantes na avaliação de seu comportamento real. O orçamento da saúde é limitado e um preço excessivo significa que menos recursos financeiros estavam disponíveis para outros serviços de saúde. Além disso, os pacientes com CTX foram prejudicados pela incerteza sobre o reembolso do medicamento.
Exclusividade de Mercado Vem com Responsabilidades
O tribunal rejeitou o argumento da empresa de que houve uma interpretação legal imprevisível de sua conduta como abuso de mercado. A Comissão Europeia e diversas autoridades nacionais de concorrência já multaram empresas por preços excessivos em casos anteriores. Portanto, tanto a metodologia usada para avaliar o preço (comparação entre preço e custo) quanto a multa eram previsíveis (princípio da lex certa).
A exclusividade de mercado concedida ao medicamento impõe uma “responsabilidade especial” em relação à precificação. Afinal, este medicamento tem sido prescrito para pacientes com CTX há anos. Como os pacientes dependem do tratamento, as seguradoras de saúde foram forçadas a continuar reembolsando o medicamento.
O tribunal concluiu que, independentemente da visão da empresa sobre a conduta das seguradoras, a decisão de cobrar e coletar um preço excessivamente alto foi inteiramente da empresa. Essa prática foi a única razão para a multa.
O Que Mais Aconteceu nos Últimos Anos?
Nos primeiros 2,5 anos após a autorização de mercado, o sistema de saúde holandês pagou o preço cheio do medicamento. Depois desse período, um consórcio de seguradoras de saúde e o Centro Médico da Universidade de Amsterdã iniciaram a formulação magistral do CDCA.
O processo enfrentou dificuldades, pois a empresa proibiu seu fornecedor de matéria-prima de vender CDCA para formulação magistral. Posteriormente, foi possível produzir uma versão farmacêutica que atendia aos padrões da Farmacopeia Europeia, criando uma alternativa mais acessível ao medicamento comercializado pela empresa.
Em 2022, tanto a Autoridade de Concorrência da Itália (AGCM) quanto a Autoridade de Concorrência da Espanha (CNMC) aplicaram multas de €3,5 milhões e €10,25 milhões, respectivamente. Com isso, o total de multas impostas à empresa chegou a €31 milhões.
A questão que permanece é:
Conceder exclusividade de mercado a um medicamento já existente realmente beneficia alguém?
Especialmente neste caso, onde a empresa não desempenhou um papel essencial na criação das evidências científicas?
Publicado originalmente em The Drug Development Letter, em 19/2/2025