Cláudio Cordovil

Elevidys, a morte de Pedro Henrique e o silêncio da Anvisa

Pedro Henrique tinha sete anos, era de São Carlos (SP) e vivia com distrofia muscular de Duchenne (DMD). Em 2024, sua família mobilizou uma rede de solidariedade para financiar o acesso a uma terapia gênica, àquela altura, experimental: o Elevidys, produto de altíssimo custo, autorizado pela Anvisa em caráter excepcional para crianças com até sete anos de idade e que ainda fossem capazes de andar. Pedro se encaixava nesses critérios, recebeu a terapia e morreu três meses depois.

O óbito foi noticiado por blogs e veículos independentes especializados em doenças raras — como a Academia de Pacientes. No entanto, este caso não foi mencionado em nenhuma nota pública da Anvisa. A única manifestação oficial da entidade se deu em 17 de junho de 2025 e referia-se apenas aos dois óbitos ocorridos nos Estados Unidos, ambos em pacientes sem capacidade de andar.

O caso brasileiro, ocorrido dentro dos critérios aprovados pela própria Anvisa, permanece silenciado: um erro que precisa ser revisto com urgência.

Terceira morte internacional: o agravante

É importante ressaltar que, além das duas mortes já conhecidas em adolescentes sem capacidade de andar tratados com Elevidys, recentemente foi confirmada uma terceira morte internacional:

  • Um homem de 51 anos, sem capacidade de andar e portador de distrofia muscular de cinturas (LGMD), morreu de insuficiência hepática aguda após participar de estudo de fase I conduzido pela Sarepta com uma terapia genética distinta, mas que utiliza o mesmo vetor viral AAVrh74 do Elevidys

Essa terceira fatalidade levou à queda de 40% no preço das ações da Sarepta , motivou o FDA a solicitar a paralisação voluntária dos envios do Elevidys para os EUA, aceita pela Sarepta, e a suspender vários testes clínicos da empresa.

A omissão institucional frente à morte de Pedro

Diante dessas três falências hepáticas fatais, a postura da Anvisa em silenciar sobre a morte de Pedro Henrique é inaceitável.

Esperava-se reconhecimento público do fato através de comunicado oficial informando que a morte de Pedro estaria sob investigação por possível relação com Elevidys e processo regulatório emergencial visando avaliar a causa mortis, exigência de prontuários, exames etc. e até mesmo eventual suspensão cautelar de distribuição do tratamento, se necessário.

A agência, que aprovou o Elevidys sob condição de vigilância ativa, precisa agora mostrar que acompanha o caso, sobretudo quando o desfecho é fatal.

O quadro normativo ignorado

A RDC nº 406/2020 obriga o registro de qualquer suspeita de evento adverso grave — como óbito — em até 15 dias corridos, apenas com suspeita, sem necessidade de confirmação. Isso supostamente teria sido feito pela Roche (ver PDF ao final do post), que detém os direitos comerciais de Elevidys fora dos EUA. Mas o protocolo exige que a Anvisa solicite investigação de dados clínicos, laboratórios e laudos necroscópicos, avalie a causalidade de acordo com o padrão OMS/UMC e solicite medidas de mitigação (bulas, alertas, restrições). O UMC é o Centro Colaborador da OMS para o Monitoramento Internacional de Medicamentos.

Foi o que fez a FDA — exigiu black-box warning, paralisação de envios e suspensão de ensaios relacionados — motivada pelas três mortes.

No Brasil, absolutamente nada foi comunicado. Trata-se de um precedente perigoso: se o monitoramento não mobiliza a agência diante de um óbito, para que serve o sistema?

Elevidys e os sinais internacionais

A elevação do risco ficou clara ainda em 2025:

  • Em março, um adolescente morreu por falência hepática após o Elevidys .
  • Em junho, segundo caso similar foi confirmado .
  • Em julho, a terceira morte envolveu outra terapia gênica, mas com o mesmo vetor.

O caso Pedro: o que já se sabe (e o que precisa ser tornado público)

  • ✔️ Ele recebeu Elevidys em 2024, dentro dos critérios aprovados pela Anvisa (4–7 anos, capacidade de andar, mutação genética confirmada).
  • ⚠️ Morreu três meses depois, após infecção por influenza, segundo a imprensa independente.
  • ❌ Não há laudo necroscópico público — nem confirmação ou negação de relação com terapia genética.
  • ❌ Sem posição oficial da Anvisa: nenhuma nota identificando o caso como evento adverso grave.

Mesmo que a investigação conclua “sem relação”, isso só pode ser aceito se houver processo investigativo transparente e independente.

O precedente perigoso

O silêncio institucional normaliza a não intervenção (a popular ‘vista grossa’), permitindo que eventos adversos graves permaneçam sem investigação mesmo dentro dos critérios aprovados e favorece a desinformação, criando clima de incerteza entre famílias, médicos e pesquisadores.

A agência, que aprovou o Elevidys sob condição de vigilância ativa, precisa agora mostrar que acompanha o caso, sobretudo quando o desfecho é fatal.

O que deve ser feito — e ainda pode ser

A Anvisa pode — e deve — tomar as seguintes medidas imediatas:

  • Abrir procedimento técnico formal requerendo prontuários, laudos, exames e dados clínicos.
  • Emitir nota oficial informando que o óbito de Pedro está sob investigação por suspeita de evento adverso grave.
  • Ação ativa no VigiMed: coletar outras notificações semelhantes no país.
  • Revisar bula do Elevidys para incorporar alerta de hepatotoxicidade, seguindo padrão FDA.
  • Comunicar médicos e centros de referência via alerta técnico para monitorar sinais hepáticos.
  • Estabelecer rede sentinela nacional, com centros de doenças raras acompanhando o pós-terapia gênica.
  • Transparência pública: divulgar conclusões, lições aprendidas e manter a população informada.

Pedro Henrique foi tratado com Elevidys — dentro das regras da Anvisa — e morreu. Três mortes fatais por hepatotoxicidade já ocorreram em terapia gênica com vetor AAVrh74. A FDA reagiu com urgência; a Roche afirma ter feito sua parte, a Anvisa, até agora, silenciou.

O silêncio mata. A omissão contraria normas, põe em risco futuros usuários e enfraquece a credibilidade da regulação sanitária.

A Anvisa ainda pode — e deve — agir com transparência, rigor e responsabilidade.

Essa é a única forma de honrar a confiança social e proteger a saúde pública de verdade.


Nota de Transparência: Este post foi inicialmente gerado com o auxílio de tecnologias avançadas de Inteligência Artificial (IA), visando otimizar o processo de pesquisa e escrita. No entanto, é importante destacar que todo o conteúdo foi rigorosamente revisado e editado pelo autor deste blog. Nosso compromisso com a precisão e a qualidade da informação permanece inabalável, e a supervisão humana qualificada é uma parte essencial desse processo. A utilização da IA é parte do nosso esforço contínuo para trazer informações atualizadas e relevantes, sempre alinhadas com os mais altos padrões éticos e científicos.

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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