Cláudio Cordovil

Elevidys, a morte de Pedro e Anvisa: o que a lei determina?

Pedro Henrique Garcia tinha sete anos, era de São Carlos (SP) e vivia com distrofia muscular de Duchenne (DMD). Em 2024, sua família mobilizou uma rede de solidariedade para financiar o acesso a uma terapia gênica, àquela altura, experimental: o Elevidys, produto de altíssimo custo, autorizado pela Anvisa em caráter excepcional para crianças com até sete anos de idade e que ainda fossem capazes de andar. Pedro se encaixava nesses critérios, recebeu a terapia e morreu três meses depois.

No entanto, este caso não foi mencionado em nenhuma nota pública da Anvisa. A única manifestação oficial da entidade se deu em 17 de junho de 2025 e referia-se apenas aos dois óbitos ocorridos nos Estados Unidos, ambos em pacientes sem capacidade de andar.

Mas o que a lei determina em casos como este? Qual o papel da Anvisa?

Cabe à Anvisa, em caso de suspeitas de efeitos adversos graves, orientar, monitorar e regulamentar as notificações desses eventos. Conforme estabelecido pela RDC nº 406/2020, os detentores de registro de medicamentos devem notificar à agência, em até 15 dias corridos, todos os eventos adversos graves — incluindo mortes, riscos de morte, hospitalizações, incapacidades, anomalias congênitas ou outros eventos clinicamente significativos.

A partir dessas notificações, a Anvisa realiza a análise e acompanhamento desses eventos, podendo solicitar informações adicionais, avaliar o relacionamento causal entre o óbito e a terapia e determinar a necessidade de ações regulatórias, como advertências, restrições ou retirada do produto do mercado. Além disso, a autoridade sanitária também participa de investigações mais aprofundadas quando há sinais de risco elevado ou emergente, apoiando a avaliação do benefício versus risco dos medicamentos em uso.

A Anvisa funciona (ou deveria funcionar) como órgão regulador, fiscalizador e responsável por garantir a segurança dos medicamentos, agindo rapidamente em situações de suspeita de efeitos adversos graves, com o objetivo de proteger a saúde pública.

Nos casos de suspeita de efeitos adversos graves, os procedimentos da Anvisa e do laboratório envolvem etapas específicas de notificação, investigação e ação, conforme estabelecido pela RDC nº 406/2020 e IN nº 63/2020.

Procedimentos da ANVISA

  1. Recebimento e análise inicial: A Anvisa monitorará as notificações recebidas por meio do sistema eletrônico de farmacovigilância (VigiMed). Quando ocorrer a notificação de um evento adverso grave, em até 72 horas, a agência pode solicitar informações adicionais ou realizar ações de investigação suplementares.
  2. Investigação e avaliação: A agência avaliará as informações para determinar a relação de causalidade, o nível de risco, a necessidade de ações regulatórias ou de comunicação pública. Atua na análise de dados epidemiológicos, estudos complementares e consulta a especialistas, se necessário.
  3. Ações regulatórias : Com base na avaliação, a Anvisa pode recomendar modificações nas bula, advertências adicionais, restrições de uso ou até a suspensão temporária ou definitiva do medicamento, se constatado risco relevante à saúde pública.
  4. Comunicação e fiscalização: A agência comunica as medidas tomadas às empresas, profissionais de saúde e ao público, além de fiscalizar o cumprimento das recomendações e monitorar a implementação das ações.

Procedimentos do laboratório/detentor de registro:

  1. Notificação obrigatória: Assim que detectar ou receber a suspeita de evento adverso grave, o laboratório deve registrar e submeter a notificação eletrônica à Anvisa no prazo máximo de 15 dias, conforme previsto no art. 30, RDC nº 406/2020.
  2. Fornecimento de informações complementares: Caso a notificação não contenha todas as informações necessárias, o laboratório deve fornecer dados adicionais solicitados pela Anvisa em tempo hábil, incluindo detalhes do paciente, condições clínicas, testes laboratoriais e outros elementos que auxiliem na avaliação do evento.
  3. Monitoramento e análise interna: Internamente, o laboratório deve revisar, investigar e documentar o evento, avaliando a relação causal, fatores contribuidores e qualquer modificação na relação benefício-risco do produto.
  4. Ações corretivas e preventivas: Se for confirmada a relação de causalidade ou risco aumentado, o laboratório deve implementar ações, como alterações na bula, campanhas de alerta, treinamento de profissionais ou retirada temporária do mercado, conforme orientação da Anvisa.
  5. Registro e armazenamento: As notificações e investigações relacionadas devem ser sistematicamente armazenadas, rastreáveis e mantidas por pelo menos 20 anos, de modo a permitir auditoria ou futura investigação.

A colaboração entre a Anvisa e os laboratórios é fundamental para a rápida identificação, análise e contenção de riscos relacionados a efeitos adversos graves, garantindo a segurança dos medicamentos e a proteção da saúde pública.

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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