Acontece hoje (22/8), às 14 horas, “audiência pública” para se discutir a conveniência de proposta para emprego de limiares de custo-efetividade (LCE) nas decisões em saúde exaradas pela Conitec/SCTIE.
Assim, o momento é oportuno para se relembrar os resultados do “maior estudo dedicado especificamente a testar as suposições do QALY”.
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Trata-se do Consórcio Europeu em Resultados de Saúde e Pesquisa de Custo-Benefício (ECHOUTCOME). Ele foi lançado em 2010 com financiamento da Comissão Europeia e entrevistou 1.361 membros da comunidade acadêmica da Bélgica, França, Itália e Reino Unido.
Os pesquisadores pediram aos participantes do estudo ECHOUTCOME que respondessem a 14 perguntas sobre suas preferências por vários “estados de saúde” e pela duração desses estados (por exemplo, 15 anos mancando versus 5 anos em cadeira de rodas). Desta forma, basicamente os pesquisadores realizaram, em separado, o que o QALY afirma captar, através de instrumentos (questionários) como o EQ-5D.
Os resultados obtidos no ECHOUTCOME colocam o QALY em difícil situação, dado o absoluto prestígio de que goza em agências de Avaliação de Tecnologias em Saúde, como a Conitec e o NICE.
O que se viu foi que as respostas dadas pelos participantes do estudo não eram consistentes (ou, no bom português, nada tinham a ver) com os pressupostos teóricos do QALY, entre os quais:
- A qualidade de vida pode ser medida em intervalos consistentes
- Anos de vida e qualidade de vida são independentes um do outro
- As pessoas são neutras em relação ao risco;
- e a vontade de ganhar ou perder anos de vida é constante ao longo do tempo
Dito de outro modo, “As respostas [ao ECHOUTCOME] variaram enormemente entre a população, mostrando que a forma como as pessoas avaliam diferentes resultados médicos é subjetiva e condicionada a situações pessoais e não pode se resumir unicamente ao QALY”.
O ECHOUTCOME também lançou “Diretrizes Europeias para Avaliações de Custo-Efetividade de Tecnologias em Saúde”, que recomendavam não usar QALYs na tomada de decisões de saúde [25]. 25]. O estudo concluiu que “as suposições testadas no experimento invalidam o QALY como uma medida de resultado de saúde adequada para tomar decisões médicas e alocar recursos escassos”.
Os autores do estudo afirmaram que “mais pesquisas são necessárias para avaliar a viabilidade, confiabilidade e validade de metodologias mais flexíveis, clinicamente significativas e robustas”.
Com base nos resultados da maior pesquisa experimental já realizada na Europa que testou a validação dos pressupostos do QALY, o indicador QALY não constitui uma medida cientificamente validada. Então, dadas as enormes limitações metodológicas do indicador QALY e as principais inconsistências que invalidam irrefutavelmente seu uso, o emprego do QALY deve ser abandonado para tomada de decisões em saúde.
Recomendação 2:
Diretrizes Européias para Análise de Custo-efetividade das ATS
Em artigo onde comenta o ECHOUTCOME, seu principal autor e colaboradores observam o fato de tratamentos inovadores serem frequentemente negados em países onde uma abordagem de custo/QALY é empregada. Segundo eles, isto “está levando um número crescente de stakeholders, por exemplo, associações de pacientes, indústria e profissionais de saúde, a questionarem a relevância científica e consistência da abordagem QALY”.
E prosseguem: “Uma vez que as muitas inconsistências metodológicas do QALY podem levar a resultados divergentes e a decisões de saúde dramaticamente diferentes, a conveniência da abordagem QALY nas análises de custo-utilidade não deve ser vista como a principal vantagem, pois suas inconsistências podem restringir o acesso a tratamentos inovadores em países onde o custo/QALY é recomendado”
Reações ao estudo
Em resposta, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), o Consórcio Escocês de Medicamentos e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alegaram que:
- Os QALYs são melhores que as medidas alternativas.
- O estudo foi “limitado”.
- Os problemas com QALYs já eram amplamente reconhecidos.
- Os pesquisadores não levaram em consideração as restrições orçamentárias.
- O NICE usa QALYs baseados em 3.395 entrevistas com residentes do Reino Unido, em oposição a residentes de vários países europeus.
- As pessoas que pedem a eliminação de QALYs podem ter “interesses escusos”
Quem não tem cão, caça com gato?
O velho ditado dá conta da necessidade de se improvisar quando não há alternativas melhores para se resolver um problema. É o que nos vem à mente quando se pensa que as limitações do QALY são reconhecidas há muito tempo, até mesmo pelos seus maiores entusiastas.
Isso mereceu um comentário perspicaz dos autores do ECHOUTCOME. Apesar de extenso, vale a pena reproduzi-lo na íntegra.
“Embora muitos usuários e autores reconheçam que o resultado do QALY ‘não é perfeito’ , eles insistem que é o “melhor método disponível” para comparar intervenções de saúde para decisões de alocação de recursos. À luz das evidências que questionam a validade e confiabilidade do resultado QALY, e seus riscos inerentes que podem levar a decisões de saúde errôneas, manter tal atitude defensiva pode denotar uma falta de atenção rigorosa às populações de pacientes e ignorar o desenvolvimento de métodos de avaliação baseados em evidências e mais robustos, como análises de decisão multicritério, modelos de simulação, redes bayesianas ou neuronais (…).
As armadilhas do QALY
Enquanto os defensores elogiam a eficiência do QALY, os críticos argumentam que o uso do QALY pode causar ineficiências médicas porque um medicamento menos eficaz e mais barato pode ser aprovado com base no cálculo do QALY.
O uso de QALYs tem sido criticado por ativistas no campo da deficiência porque, de outra forma, indivíduos saudáveis, mas com deficiência, estão impedidos de alcançar o critério de “saúde perfeita” ou uma alta pontuação QALY.
Já se sabe que tratamentos para tetraplégicos, pacientes com esclerose múltipla ou outras deficiências são menos valorizados em um sistema baseado em QALY.
Além disso, a predominância do QALY inibiria pesquisas para tratamentos de doenças raras, segundo alguns autores, porque os custos iniciais dos tratamentos tendem a ser mais altos.
As armadilhas do QALY já forçaram as autoridades do Reino Unido a criar o Cancer Drugs Fund para pagar por novos medicamentos, independentemente de sua classificação QALY.
Na audiência pública de hoje, a Conitec irá discutir a conveniência de proposta para emprego de limiares de custo-efetividade (LCE) nas decisões em saúde. Entre as recomendações a serem colocadas na mesa para debate encontra-se a seguinte:
É importante que as avaliações de incorporação de tecnologias na Conitec adotem um parâmetro de referência de custo-efetividade em suas discussões.
A julgar pelo ECHOUTCOME, recomenda-se que o “parâmetro de referência de custo- efetividade” a ser adotado pela Conitec não seja o QALY.