O debate em torno do delandistrogeno moxeparvoveque, nome técnico do medicamento Elevidys®, aprovado condicionalmente pela Anvisa em março de 2025 para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne (DMD), expôe divergências estruturais entre os processos de regulação sanitária e de avaliação de tecnologias em saúde (ATS). Enquanto a Anvisa autorizou a entrada do produto no mercado brasileiro sob exigência de monitoramento pós-comercialização, a Conitec recomendou sua não incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). A divergência, embora baseada em critérios técnicos distintos, tem implicações diretas para pacientes, profissionais de saúde, gestores e formuladores de políticas públicas.
Eficácia: desfechos substitutos versus impacto clínico
A Anvisa baseou sua decisão nos resultados de estudos que mostraram aumento da expressão da proteína microdistrofina — um marcador substituto que, em tese, representaria um avanço terapêutico — e uma discreta melhora no tempo necessário para o paciente se levantar do chão. Para a agência reguladora, esses achados, aliados à ausência de alternativas eficazes, foram suficientes para justificar a aprovação condicional do Elevidys® no país.
Já a Conitec foi mais cautelosa. Com base na metodologia GRADE, que avalia a qualidade das evidências, classificou como “moderada” a certeza do desfecho relacionado ao tempo de levantar-se do chão, mas destacou que a melhora observada foi de baixa magnitude (redução de apenas 0,64 segundos). Os demais desfechos motores, como a Escala North Star e o tempo de caminhada, apresentaram certeza “baixa” ou “muito baixa” e não mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
A Conitec também reformulou a pergunta clínica estruturada (PICOT) originalmente apresentada pela empresa solicitante, a Roche, a fim de alinhar os critérios de julgamento aos parâmetros do SUS. O principal ponto de atrito entre as instituições está na aceitação — ou não — do aumento da microdistrofina como prova de eficácia clínica relevante. A Anvisa aceita esse desfecho substituto; a Conitec, não.
Segurança: dados limitados e preocupações com subgrupos
Outra divergência importante se deu no campo da segurança. A Anvisa classificou os efeitos adversos como “esperados e manejáveis” dentro do perfil da classe terapêutica, destacando que não houve novos sinais de toxicidade. Já a Conitec alertou que os dados dos ensaios clínicos mostraram um aumento estatisticamente significativo na ocorrência de eventos adversos graves (risco relativo de 2,40) no grupo tratado, inclusive com relatos de miosite imunomediada — uma condição grave — em pacientes com variantes genéticas específicas (deleções entre os éxons 1 e 17).
Embora ambas as instituições reconheçam a necessidade de monitoramento, a Conitec pondera que os dados disponíveis não são suficientes para garantir a segurança do medicamento na população mais ampla, especialmente devido à limitação da representatividade genotípica nos estudos clínicos.
Durabilidade dos efeitos e extrapolação dos resultados
A Anvisa interpretou como promissora a durabilidade dos efeitos, citando a persistência da expressão da microdistrofina em dados de seguimento. A Conitec, por sua vez, apontou que apenas quatro pacientes foram acompanhados por até cinco anos, o que inviabiliza conclusões sobre a manutenção dos benefícios em médio e longo prazos.
Além disso, a comissão advertiu que os estudos clínicos incluíram majoritariamente pacientes com mutações nos éxons 18 a 79 do gene DMD, o que limita a aplicabilidade dos achados a outros subgrupos da doença. A empresa excluiu apenas pacientes com deleções nos éxons 8 e 9 da proposta de incorporação, mas sem respaldo suficiente para garantir a segurança nos demais casos.
Custo-efetividade: promessas sem validação
O modelo econômico apresentado pela Roche estimou um ganho de 6,52 anos de vida e 5,37 anos de vida ajustados por qualidade (AVAQ) em relação ao tratamento padrão, com um horizonte de 70 anos. No entanto, a Conitec questionou a validade dos pressupostos adotados, especialmente a duração dos efeitos da terapia, a qualidade de vida projetada e as probabilidades de transição entre estados de saúde. Apesar de metodologicamente alinhado às diretrizes, o modelo foi considerado de “alta incerteza” pelos avaliadores.
Além disso, o impacto orçamentário estimado para cinco anos foi de R$ 9,3 bilhões, para um universo estimado de pouco mais de quatro mil pacientes — valor considerado insustentável diante da incerteza sobre o real benefício da terapia.
Consequências sociais e éticas
Essa desarticulação entre Anvisa e Conitec coloca o país diante de um dilema. A autorização de comercialização de um produto que não será incorporado ao SUS gera um paradoxo: pacientes enxergam a existência de um tratamento aprovado, mas inacessível; o sistema público se vê pressionado por decisões judiciais; e os gestores enfrentam o desafio de alocar recursos escassos sem garantia de retorno clínico.
Mais do que uma disputa técnica, a divergência entre Anvisa e Conitec sinaliza a urgência de harmonizar critérios entre regulação sanitária e ATS — sem abrir mão do rigor científico. É preciso investir em modelos de avaliação adaptativos, mas robustos, especialmente quando se trata de tecnologias emergentes e de alto custo.
Num contexto de doenças raras e expectativas exacerbadas, decisões apressadas podem custar caro — não só financeiramente, mas em confiança institucional e na vida real dos pacientes. Uma regulação moderna precisa ser tanto sensível ao sofrimento quanto imune a pressões indevidas. Entre esperança e evidência, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio.
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